Filosofia – Pensadores e Obras

diálogos platônicos

Mas por que diálogos? Há para isso um motivo definido: muitos filósofos depois de Platão também deram à sua filosofia, “more socratico”, a forma de elaborados diálogos, mas nenhum jamais alcançou a altura do início platônico. Uma das respostas para isso pode ser a de que eles escreveram diálogos porque queriam escrever, ao passo que Platão, ao que tudo indica, realmente não queria escrever. A forma dialógica era para Platão, pode-se supor, a saída de um dilema que surge dolorosamente e de modo quase inevitável com sua crítica à escrita. [LéxicoPlatão:13]


Platão recusou-se sempre terminantemente a escrever sobre os últimos princípios. Entretanto, mesmo em relação aos temas a respeito dos quais considerou que pudesse escrever, buscou sempre evitar conferir-lhes tratamento “sistemático”, procurando reproduzir o espírito do diálogo socrático, cujas peculiaridades buscava imitar. Tentou reproduzir o jogo das perguntas e respostas, com todos os meandros da dúvida, com as fugazes e imprevistas revelações que impulsionam para a verdade sem, porém, revelá-la, convidando a alma do ouvinte a realizar o seu encontro com ela, com as rupturas dramáticas de sequência que preparam para ulteriores investigações: em suma, toda aquela dinâmica tipicamente socrática estava presente. Nasceu assim o “diálogo socrático”, que se tornou um gênero literário específico, adotado por numerosos discípulos de Sócrates e por filósofos posteriores, gênero cujo inventor foi provavelmente Platão e do qual certamente ele foi o maior representante, ou melhor, o único representante autêntico, porquanto somente em Platão é possível reconhecer a verdadeira natureza do filosofar socrático que, nos outros escritores, decai ao nível de mero expediente forçado.

Consequentemente, para Platão, o escrito filosófico apresentava-se como “diálogo”, que frequentemente teria Sócrates como protagonista, discutindo com um ou vários interlocutores, ao lado dos quais surgirá o leitor, com função igualmente importante, chamado a participar também como interlocutor absolutamente insubstituível, no sentido que cabe precisamente ao leitor a tarefa de extrair maieuticamente a solução dos diversos problemas discutidos.

Com base no exposto, é evidente que o Sócrates dos diálogos platônicos passa de “pessoa” histórica a “personagem” da ação dialógica, a tal ponto que, para entender Platão, como já bem observava Hegel, “não importa indagar sobre o que pertence a Sócrates ou a Platão nos diálogos”. Na verdade, Platão realiza sempre, desde o início, uma transposição do plano histórico para o plano teórico: e é nessa perspectiva teórica que devem ser lidos todos os escritos platônicos.

Assim, o Sócrates dos diálogos, na realidade, é Platão. E o Platão escrito, pelos motivos acima aduzidos, deve ser lido levando-se em conta o Platão não escrito. De qualquer forma, constitui erro ler os diálogos como fonte totalmente “autônoma” do pensamento platônico, repudiando a tradição indireta. [Reale]


É importante notar que a problemática da linguagem não emerge em Platão apenas no Crátilo, mas já pelo próprio fato de ter escolhido o diálogo como forma literária para a apresentação de seu pensamento. Hoje, os intérpretes estão divididos a respeito de sua significação. Qual a relação entre a forma e o conteúdo sistemático da filosofia? A polêmica se exacerbou a partir da questão da relação entre os assim chamados “escritos exotéricos”, que teriam como intenção popularizar o conteúdo de seu pensamento, e os “escritos esotéricos”, destinados a especialistas, que conteriam, então, seu pensamento em forma propriamente filosófica e sistemática. Em ambos os casos, volta a questão básica: qual o papel da linguagem na tarefa fundamental da filosofia enquanto “ciência dos princípios primeiros”. Cf. H. J. Krämer, Arete bei Platon und Aristoteles. Zum Wesen und zur Geschichte der platonsichen Ontologie, Heidelberg, 1959. K. Gaiser, Platons ungeschriebene Lehre, 2a ed., Stuttgart, 1968. V. Hösle, Wahrheit und Geschichte. Studien zur Struktur der Philosophiegeschichte unter paradigmatischer Analyse der Entwicklung von Parmenides bis Platon, Stuttgart/Bad-Cannstatt, 1984, pp. 372ss. Essa linha de interpretação defende a tese de que a reconstrução da “Exotérica” acadêmica joga nova luz sobre os diálogos e é capaz de esclarecer o verdadeiro projeto global da filosofía platônica. A respeito da tese contrária, cf. F. Ricken, Philosophie der Antike, Stuttgart, 1988, pp. 102-104. Cf. ainda a respeito: H. J. Krämer, Platone e i fondamenti della metafisica, Milão, 1982. H. G. Gadamer, Idee und Zahl. Studien zur platonischen Philosophie, Heidelberg, 1968. W. Wieland, Platon und die Formen des Wissens, Göttingen, 1982. [Manfredo Araújo de Oliveira]