A desleitura nasce de uma forma de competição entre o ator-leitor e o escritor, o qual sempre vem antes. A desleitura não é apenas um ato de escolha e decisão, mas faz parte de uma criatividade que tem pela frente o texto que pretende interpretar ou superar por meio de outro texto, à procura de uma relação original que ele pretende estabelecer com vantagem, na sua condição de ser tardio, posterior, e, desse modo, tendo a iniciativa para ou um direcionamento ou uma segunda visão ou uma reestimativa e reavaliação. É por essa razão que a relação de leitura termina sendo uma desleitura, ou mesmo, se quisermos, uma desescrita. Se estivéssemos num nível puramente de um texto filosófico, as consequências da desleitura não seriam apenas resultado de uma competição por formas simbólicas mais felizes, mas representaria a iniciativa para revisão escrita da própria exposição da realidade. É por isso que na desleitura, que estamos tomando para uma atividade filosófica, a interpretação traz um caráter especulativo. O texto que produzimos não é interpretativo, mas especulativo e ao mesmo tempo um ato de revisão de um texto da tradição que possui autoridade, prioridade e força perene como um texto que já está aí. A postura do literato, em relação ao texto do precursor, faz com que o desaproprie e o faça aparecer em uma nova forma de sentido. O texto do filósofo não é apenas resultado de um leitor privilegiado pela sua “tardividade” (Harold Bloom), mas decorre de um ato de revisão original, em competição com a realidade de que trata o texto filosófico da tradição.
O que foi mencionado até agora resume-se a uma iniciativa de abrir um caminho para um uso mais específico do conceito de desleitura, quando usado na nossa interpretação de autores de textos filosóficos. Desde que se escreve História da Filosofia, o confronto com textos da tradição e textos produzidos por um autor contemporâneo é sempre inevitável. É por isso que qualquer texto de Filosofia é submetido a uma interpretação. Esta, no entanto, resulta de um leitor forte, que não apenas revisa o texto do passado, mas pretende dizer algo melhor e ter razão com relação a ele, sobre questões relativas à realidade e à verdade. É por essa razão que a interpretação de um texto filosófico não consegue fugir ao caráter revisionista de seu leitor e intérprete, acrescentando ainda uma avaliação, uma direção e mesmo uma substituição. Assim, a interpretação filosófica tem um específico caráter especulativo e não se reduz apenas a uma compreensão filológica. [ErStein2014:16-17]