(gr. epithymia; lat. Cupiditas, in. Desire, fr. Désir, al. Begehren; it. Desiderio).
tendência tornada consciente de seu objeto. — O desejo distingue-se da necessidade, simples incitação fisiológica. Por exemplo, posso ter necessidade de comer, experimentar cãibras no estômago sem saber que o que experimento referem-se à falta de alimento. O desejo relaciona-se em geral a um objeto determinado: desejo beber vinho. O desejo, que supõe uma certa insatisfação, dá à vida afetiva sua tonalidade, suscita os sentimentos e as paixões, está na base da vida ativa. Todavia, sendo os desejos em número infinito, o homem que se preocupasse em satisfazer a todos eles perderia todo distanciamento em relação a si próprio e toda liberdade (Platão). O desejo que sofreu o controle do cálculo e da reflexão torna-se ato voluntário. Este não é o impulso do desejo, mas o ato de vontade que é expressão da personalidade. [Larousse]
Durante séculos, utilizaram-se as expressões apetite e desejo para designar afecções ou movimentos da alma, entendida esta num sentido muito geral. Como o primeiro desses já caiu em desuso, preferimos referir-nos aos dois neste artigo. Para Aristóteles, o desejo é uma das classes do apetite. O desejo não é necessariamente irracional; pode ser e é muitas vezes, um ato deliberado (ÉTICA A NICÔMACO), que tem como objeto algo que está em nosso poder de deliberação. Em rigor, aquilo a que se chama eleição ou preferência é é um “desejo deliberado”. Com estas análises, Aristóteles parecia rejeitar o contraste estabelecido por Platão entre desejo e razão (REPÚBLICA), mas deve ter-se em conta que a concepção platônica de desejo é mais complexa do que parece se considerarmos unicamente o texto citado; com efeito, Platão admitia não só a distinção entre desejos necessários e desejos desnecessários. Mas considerava ainda a possibilidade de um desejo que pertenceria exclusivamente à natureza da alma (FILEBO).
Era normal, no mundo antigo, a referência ao desejo como uma paixão da alma, embora não se deva dar sempre ao termo paixão um sentido pejorativo. Quando se acentuava o caráter racional da alma, contudo, qualquer das suas paixões podia aparecer como um obstáculo para a razão. Assim acontecia com os velhos estoicos; por exemplo, Zenão de Citio falava do desejo como uma das quatro paixões juntamente com o temor, a dor e o prazer. Na sua discussão da noção de concupiscência, S. Tomás (SUMA TEOLÓGICA)nega que a concupiscência, ou desejo estejam unicamente no apetite sensitivo. Isto não quer dizer que se estenda sem limites por todas as formas do apetite. O desejo pode ser sensível ou racional, e aspira a um bem que não se possui. Mas não deve confundir-se o desejo com o amor ou a deleitação. Em S. Tomás, a bondade ou maldade do desejo dependem do objeto considerado. Os autores modernos trataram do desejo fundamentalmente como uma das chamadas “paixões da alma”. O principal interesse que move esses autores é psicológico (num sentido muito amplo do termo). Assim acontece com Descartes, quando escreve que “a paixão do desejo é uma agitação da alma causada pelos espíritos que a dispõem a querer para o porvir coisas que se representam como convenientes para ela” (AS PAIXÕES DA ALMA). Também em Locke: “a ansiedade que um homem encontra em si por causa da ausência de algo cujo gozo presente leva consigo a ideia de deleite é aquilo a que chamamos desejo, o qual é maior ou menor, consoante essa ansiedade seja mais ou menos veemente” (ENSAIO). Semelhante ansiedade não é, em si mesma, má; em rigor, pode ser o incentivo para a destreza humana. Espinosa não estabelece nenhuma distinção entre apetite e desejo: “o desejo é o apetite acompanhado da consciência de si mesmo” (ÉTICA).
Hegel, por seu lado, afirma que “a consciência de si mesmo é o estado de desejo em geral” (FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO). A condição do desejo e do trabalho (ou esforço) aparece no processo em que a consciência volta a si mesma no decurso das suas transformações como consciência feliz. Para Sartre, o desejo não é pura subjetividade, tão-pouco é pura apetência, análoga à do conhecimento. A intencionalidade do desejo não se esgota num “para algo”. O desejo é algo que “eu faço a mim próprio” ao mesmo tempo que estou fazendo ao outro desejado, como desejado. Por isso Sartre diz que o desejo – que exemplifica no desejo sexual – tem um ideal impossível, porque aspira a possuir a transcendência do outro “como pura transcendência e, contudo, com corpo”, isto é, porque aspira a “reduzir o outro à sua simples fatuidade, já que se encontra então no meio do meu mundo” e, ao mesmo tempo, quer que“esta felicidade seja uma perpétua apresentação da sua transcendência aniquiladora” (O SER E O NADA) [Ferrater]
Esse termo pode ter dois significados: 1) geral, de apetite, de princípio que impele um ser vivo à ação; para tal significado, v. apetite; 2) mais restrito, de apetite sensível, pelo qual corresponde ao grego epithymia ao latim cupiditas. Nesse sentido, segundo Aristóteles, o desejo é “o apetite do que é agradável” (De an., II, 3, 414 b 6). Analogamente, Descartes o definiu como “a agitação da alma causada pelos espíritos que a dispõem a querer no futuro as coisas que a ela se afiguram convenientes” (Pass. de l’âme, § 86). Equivalente a esta é a definição de Spinoza: “Tristeza ligada à falta da coisa que amamos” (Et., III, 36, scol). Esses significados repetem-se ao longo da história da filosofia.
Na literatura contemporânea essa palavra assumiu alguns significados novos. Dewey definiu o desejo como “atividade que procura agir no sentido de romper o dique que a retém. O objeto que se apresenta no pensamento como meta do desejo é o objeto do ambiente que, se estivesse presente, garantiria a reunificação da atividade e a restauração de sua unidade” (Human Nature and Conduct, pp. 249 ss.). Heidegger vinculou o desejo à natureza do homem como ser projetante: “O ser para as possibilidades manifesta-se em geral como puro desejo. No desejo, o ser-aí projeta seu ser para possibilidades que não somente não são captadas na ocupação, como também não se examina seriamente nem se espera a sua realização (Sein und Zeit, § 41). [Abbagnano]