A relação entre corpo e alma, em parte empiricamente objeto de vivência, em parte relação ôntica, só deduzível mediante exame filosófico, entre o corpo animado e a alma espiritual que o vivifica e dirige, tem proposto, desde tempos imemoriais, à pesquisa e à filosofia um sem-número de problemas. — O corpo apresenta-se à observação empírica como objeto peculiar, como base e campo de expressão da vivência psíquica ( Corpo II). — Das Teorias metafísicas acerca do corpo e da alma, umas acentuam de maneira unilateral apenas a unidade do ser humano ( monismo); outras, a dualidade e oposição entre ambos (puro dualismo); outras, finalmente, procuram satisfazer, a um tempo, a unidade e a dualidade do ser humano, consoante são vivencialmente apreendidas (duo-monismo).
O monismo materialista admite apenas a realidade da matéria e nega a existência de uma alma imortal (materialismo, alma). O monismo espiritualista vê no somático apenas o modo exterior de manifestação da realidade única, espiritual (Wundt, espiritualismo). O moderno paralelismo psicofísico ou a teoria da identidade considera o espiritual e o somático como as duas faces ou modos de manifestação de uma realidade única, em si incognoscível. Consequentemente afirma e deve pressupor que os processos somáticos e psíquicos (vivências) mantêm entre si rigoroso paralelismo (G-Th. Fechner e a forma de monismo dominante em fina do século XIX). O monismo, sejam quais forem as formas em que se apresente, contesta a realidade demonstravel e a oposição essencial entre o mundo da matéria e o mundo do psiquismo (já em seu grau inferior: o do principio vital, com maior razão o da vida consciente e, muito mais ainda, o do ser espiritual). Não explica como é que o material “aparece” como espiritual, e o espiritual como material. O duplo fato de, por um lado, a vida espiritual se efetuar sem intrínseca colaboração da matéria, e de, por outro lado, o inconsciente se verificar sem vivência psíquica, contradiz a hipótese de uma disposição absolutamente paralela de vivências psíquicas e de processos materiais.
O dualismo puro em sua forma extrema (Malebranche, Leibniz), preparada pela separação demasiado vincada por Descartes entre o psíquico (da res cogitans) e o corpóreo (res extensa), negava toda interação entre o corpo e a alma, reduzia os fatos manifestamente indicativos de uma relação mútua à circunstância de o Criador haver ordenado, desde o princípio, os processos somáticos e os psíquicos por uma forma tal, que estão entre si coordenados numa harmonia pré-estabelecida (harmonia praestabilita), sem influência recíproca. Semelhante concepção, hoje só historicamente importante, contradizia com demasiada clareza a global experiência vivida que o homem tem de si mesmo, em especial a consciência da responsabilidade pelas ações do corpo, e explicava de maneira cientificamente inadmissível, pelo recurso imediato a Deus, Causa Primeira, o que primariamente exige uma interpretação natural. Mais chegado ao que sucede na natureza é o dualismo da teoria da ação recíproca (defendida por Platão e por muitos neovitalistas modernos, como Becher), segundo a qual o corpo e a alma são duas substâncias completas que mutuamente se influem por uma causalidade eficiente acidental. (Relembre-se a velha imagem da alma como piloto no navio que seria o corpo ou mesmo como prisioneira no cárcere do corpo). Os modernos defensores desta concepção estavam em disposição de refutar as objeções movidas contra toda forma de dualismo em nome da lei de conservação da energia. Porém a teoria da ação recíproca mostra-se muito pouco conforme com a unidade do ser vivo orgânico (não é só a enteléquía nem só a matéria que “vive”, mas a vida é um modo de ser do todo indivisível, que é todo o vivente). Vital (Princípio).
O duo-monismo, concepção hilemórfica (hilemorfismo) elaborada por Aristóteles, considera o corpo e a alma como duas “substâncias incompletas” em seu ser substancial. Estas não se influem mutuamente com atos individuais eficientes de caráter acidental, mas estão unidas em seu ser substancial, de sorte que formam o todo de uma substância completa vivente, que é o sujeito da atividade vital. Sendo assim, a alma considera-se como sendo o princípio determinante, informante, a forma do corpo, pela qual a outra substância comparte — o princípio material — é elevada a participar no ser vivente do todo. Segundo concepção posterior, mitigada, do hilemorfismo, este princípio material conserva seu ser próprio material com suas determinações físico-químicas, limitando-se a alma informante a dar a específica natureza de ser vivente. Talvez já segundo o próprio Aristóteles, e decerto segundo S. Tomás e outros defensores do hilemorfismo rigoroso, existe, ao invés, a par da forma (a alma) um único princípio puramente, passivo, indeterminado e em si privado de existência (a matéria prima), o qual tão-somente por meio da forma é chamado a participar tanto do ser quanto da vida. Ambas opiniões apelam para considerações de ordem metafísica e empírica. Prescindimos aqui das discrepâncias de escola entre os escolásticos. O hilemorfismo, pelo menos em sua forma mitigada, é, por exclusão do dualismo extremo e do monismo, a única teoria que satisfaz por igual a unidade e a dualidade do ser humano, muito embora contenha seus pontos obscuros (mas não contradições!).
Um problema particular, não resolvido claramente por Aristóteles, e para o qual S. Tomás elaborou em termos inteligíveis a fórmula de solução, é o seguinte: como pode a alma espiritual unir-se tão intimamente ao corpo para constituir com ele uma unidade substancial ? Não existem no homem duas almas, uma vital e outra espiritual desligada do corpo (hoje muitas vezes designada como pneuma, por uma aplicação teologicamente falsa de uma palavra de S. Paulo), nem a alma espiritual tem partes subordinadas mediante as quais somente vivifique o corpo (J. P. Olivi). Pelo contrário, a alma, una, simples e espiritual, é também alma vital ou vegetativa ao mesmo tempo que, sozinha, perfaz suas atividades espirituais. — A unidade substancial de alma e corpo, a despeito da diversidade essencial deste e daquela, permite compreender no plano metafísico os fatos empiricamente conhecidos: por um lado, o condicionamento da atividade espiritual do homem pelo ser material (influências cósmicas, hereditariedade, enfermidade) e, por outro lado, a tendência espontânea de as vivências espirituais se exprimirem também no corpóreo (com a repercussão ou redundância na esfera vital) Corpo II. A totalidade do ser humano, de novo tão acentuada pela moderna antropologia empírica encontra no duo-monismo suas substruções metafísicas. — Willwoll. [Brugger]