Todas as histórias da classe operária, isto é, uma classe de pessoas completamente destituídas de propriedade e que vivem somente da obra de suas mãos, comportam o mesmo ingênuo pressuposto de que sempre existiu tal classe. Contudo, como vimos, nem mesmo os escravos eram destituídos de propriedade na Antiguidade, e geralmente se verifica que os chamados trabalhadores livres da Antiguidade não passavam de “vendeiros, negociantes e artífices livres” (Barrow, Slavery in the Roman Empire, p. 126). M. E. Park (The plebs urbana in Cicero’s day [1921]) conclui, portanto, que não existiam trabalhadores livres, visto que o homem livre parecia ser sempre algum tipo de proprietário. W. J. Ashley resume a situação na Idade Média até o século XV: “Não existia ainda uma grande classe de assalariados, uma ‘classe operária’ no sentido moderno da expressão. Chamamos hoje de ‘operários’ a um grupo de homens entre os quais alguns indivíduos podem, realmente, ser promovidos a mestres, mas cuja maioria jamais pode esperar galgar uma posição mais alta. No século XIV, porém, trabalhar alguns anos como diarista era apenas um estágio pelo qual os homens mais pobres tinham que passar, enquanto a maioria provavelmente se estabelecia como mestre-artífice assim que terminava o aprendizado” (An introduction to English economic history and theory, p. 93-94).
Assim, a classe operária da Antiguidade não era nem livre nem destituída de propriedade; se, por meio da alforria, o escravo ganhava a liberdade (em Roma) ou a comprava (em Atenas), não se tornava um trabalhador livre, mas tornava-se imediatamente um comerciante ou um artífice independente. (“Aparentemente, a maioria dos escravos, ao se tornarem livres, levavam consigo certo capital próprio” que lhes permitia estabelecer-se no comércio ou na indústria [Barrow, Slavery in the Roman Empire, p. 103]). E, na Idade Média, ser um operário no sentido moderno do termo era um estágio temporário na vida de uma pessoa, uma preparação para a maestria e para a vida adulta. Na Idade Média, o trabalho arrendado era uma exceção, e os trabalhadores diaristas da Alemanha (os Tagelöhner, na tradução luterana da Bíblia) ou os manoeuvres franceses viviam fora das comunidades estabelecidas e eram idênticos aos pobres, os “labouring poor” da Inglaterra (cf. Pierre Brizon, Histoire du travail et des travailleurs [1926], p. 40). Além disso, o fato de nenhum código legal antes do Code Napoléon tratar de trabalhadores livres (cf. W. Endemann, Die Behandlung der Arbeit im Privatrecht [1896], p. 49 e 53) demonstra, de maneira conclusiva, quão recente é a existência de uma classe operária. [ArendtCH, 8]