Isto, a análise da realidade, oferece-nos um ponto de partida que nos orienta um pouco sobre o que é a realidade. Já vemos aqui que para Descartes a realidade é o “algo” ao qual se refere o pensamento. Mas essa realidade não será posta, afirmada, não terá uma validez plena se eu não julgar, isto é, se eu não formular um juízo que diga que esse pensamento é pensamento dessa realidade. Dizemos que algo é real quando pomos esse algo como sujeito de um juízo. Formulamos juízos. Um juízo é a afirmação ou a negação que fazemos de uma propriedade que atribuímos ou não atribuímos a algo. Quando dizemos que algo é real? Dizemos que algo é real quando o consideramos como o sujeito do juízo, quer dizer, quando assentamos e pomos esse algo como sujeito de um juízo ou de uma série de juízos possíveis. Se eu digo A é, então considero A como real. Por quê? Porque ao lado de A eu pus a partícula, a cópula “é”, que está aguardando que algum predicado venha determinar aquilo que A é, e digo: A é B, C, D, E, o que seja. Assim, pois, dizer que algo é real não é nem mais nem menos que considerar este algo como sujeito possível de uma multidão de juízos, de afirmações ou de negações. Porque eu não posso afirmar ou negar nada de algo, se esse algo não é, se esse algo não tem realidade. Portanto, a realidade que algo tem não é outra coisa que sua capacidade de receber determinações mediante juízos.
A função fundamental dos juízos é, pois, pôr a realidade. Depois que está posta a realidade, determiná-la. Ou melhor dito ainda: no momento mesmo em que determinamos uma realidade, pô-mo-la. De algo que não seja real não podemos nem falar. Mas quando falamos de algo supõe-se já que esse algo de que falamos consideramo-lo como real. Assim, pois, ser real uma coisa é ser sujeito de toda uma série de juízos.
Se, por conseguinte, o juízo é a posição da realidade, ou, invertendo a proposição, se a realidade consiste em ser sujeito de juízo, então a formação mental, a função intelectual de formular juízos será ao mesmo tempo a função intelectual de estatuir realidades. Estatuímos que uma coisa é real tão logo consideramos essa coisa como sujeito de muitos juízos possíveis.
A função intelectual do juízo é, pois, a mesma que a função ontológica de estabelecer uma realidade. Mais ainda: quando não sabemos se algo é ou não é realidade, porém suspeitamos que seja realidade, qual é nossa atitude? Nossa atitude consiste em dizer: que é isso? Se respondemos que isso é isto ou aquilo, fica então estabelecida a realidade disso, realidade que é problemática. Pelo contrário, se respondemos: isto não é nada, então o que nos parecia ser uma realidade não é uma realidade. Portanto, o simples fato de perguntar: que é algo? já constitui uma posição de realidade.
Esta identificação da função lógica do juízo com a função ontológica de pôr a realidade é o ponto de partida de que se serve Kant para deduzir todas as variedades de toda realidade possível.
Com efeito, as variedades de todo juízo possível conterão no seu seio as variedades de toda realidade possível, dado que, como vimos, o juízo lógico é o ato de pôr a realidade. Por conseguinte, as diversas formas do ato de pôr a realidade, ou seja, do juízo, conterão no seu seio as diversas formas da própria realidade posta.
Pois bem; quais são as formas diferentes do ato do juízo? Estão estudadas perfeitamente desde Aristóteles. Precisamente a lógica formal é uma disciplina que atinge desde Aristóteles sua forma mais perfeita sem necessidade de introduzir nela modificação alguma. [Morente]