Filosofia – Pensadores e Obras

angústia e nada

Mas nesta carreira da vida, quando a vida corre atrás de si mesma; nesta ocupação que é preocupação; neste presente que é um futuro que chegou a ser; em tudo isto se manifesta a vida essencialmente como não-indiferença; e a não-indiferença se manifesta na angústia. A angústia é o caráter típico e próprio da vida. A vida é angustiosa. E por que é angustiosa a vida? A angústia da vida tem duas facetas. De um lado, é necessidade de viver; a angústia da vida é afã de viver; é não-indiferença ao ser, que antes descrevia eu nos seus dois aspectos de existir e de existir deste ou daquele modo; nos seus dois aspectos existencial e essencial. De modo que, de um lado, a angústia é afã de ser, anseio de ser, de continuar sendo, para que o futuro seja presente; mas, de outro lado, esse anseio de ser leva dentro o temor de não ser, o temor de deixar de ser, o temor do nada. Por isso a vida é, de um lado, anseio de ser, e de outro lado, temor do nada. Essa é a angústia.

A angústia contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a radical temerosidade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir. Justamente o viver e ocupar-se o homem com as coisas, parte de que ele, no fundo de sua alma se diz a si mesmo: isto é algo; o que é isto? e se lança em busca do ser. Quando tropeça com alguma dificuldade, quando encontra os limites de sua ação, quando vê que sua ação não pode chegar a um término completo, antes há obstáculo, contra ela, então o homem sente a angústia e vê diante de si o espectro do nada; e reage contra essa angústia e contra esse espectro do nada supondo que as coisas são e procurando-lhes o ser pelos meios científicos que tiver à sua mão: com o pensamento, com os aparelhos do laboratório etc. etc.

Dentro da necessária brevidade desta lição, temos já um vislumbre de um dos problemas mais importantes que apresenta a ontologia da vida. O mais importante de todos é o de procurar e encontrar, não somente uma terminologia adequada — que se procura por todas as partes — mas também, e sobretudo, conceitos lógicos adequados para apresar essa realidade vivente, essa realidade vital que está, para um pensamento de certo estilo lógico, semeada de contradições, as quais na realidade são contradições que desapareceriam se tivéssemos instrumentos finos, suficientemente delicados para poder manejar esses conceitos aparentemente contraditórios dentro de uma lógica dinâmica do mudar e do “não-ser-já”, juntamente com o ser. Esta é a primeira tarefa, à qual é preciso atender o quanto antes. [Morente]