Filosofia – Pensadores e Obras

interrogação

Ganharíamos alguma coisa exprimindo o sentido sob uma forma interrogativa, de preferência a uma infinitiva ou participial (“Deus é?”, de preferência a Deus-ser ou o ente de Deus)? À primeira vista, o ganho é pequeno. Mas ele é pequeno porque uma interrogação é sempre calcada sobre respostas passíveis de serem dadas, sobre respostas prováveis ou possíveis. Ela própria é, pois, o duplo neutralizado de uma proposição que se supõe preexistente, que pode ou deve servir de resposta. O orador põe toda sua arte na construção de interrogações que estejam em conformidade com as respostas que ele quer suscitar, isto é, com as proposições de que ele nos quer convencer. E mesmo quando ignoramos a resposta, nós apenas interrogamos supondo-a já dada, preexistindo, de direito, numa outra consciência. Eis por que a interrogação, de acordo com sua etimologia, é sempre feita no quadro de uma comunidade: interrogar implica nãoum senso comum, mas um bom senso, uma [257] distribuição do saber e do dado em relação às consciências empíricas, de acordo com suas situações, seus pontos de vista, suas funções e suas competências, de tal maneira que uma consciência é tida como já sabendo o que a outra ignora (que horas são — você, que tem ou que está junto de um relógio. Quando nasceu César? — você, que conhece história romana). Apesar desta imperfeição, a fórmula interrogativa não deixa de ter uma vantagem: ao mesmo tempo em que nos convida a considerar a proposição correspondente como uma resposta, ela nos abre uma nova via. Uma proposição concebida como resposta é sempre um caso particular de solução, considerado por sisi mesmo abstratamente, separado da síntese superior que o relacionaria, juntamente com outros casos, a um problema enquanto problema. A interrogação, por sua vez, exprime, portanto, a maneira pela qual um problema é desmembrado, cunhado, traído na experiência e pela consciência, de acordo com seus casos de solução apreendidos como diversos. Embora nos dê uma ideia insuficiente, ela nos inspira, assim, o pressentimento do que ela desmembra. [DeleuzeDR:256-257]