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intelectualismo

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

O presente? livro? não nutre a ilusão de contribuir grandemente para modificar essa cena. Nasceu, ele próprio, da perda? de fé no intelecto? e não resultará em nenhuma fé autêntica nova. Tem, no entanto, a vantagem de nascer mais tarde. Em consequência perdeu os restos de ingenuidade e inocência que ainda caracterizam os pensamentos dos seus antecessores, ingenuidade e inocência essas relativas ao alcance do intelecto. O intelecto, isto? é, aquilo que pensa e portanto duvida, tem sido exagerado inclusive por aqueles que nele perderam a fé. Embora muitos tenham ultimamente compreendido o caráter puramente formal do intelecto (como, aliás, o compreenderam já os empiristas dos séculos XVII e XVIII), essa compreensão nunca se tornou parte da vivência autêntica desses pensadores. Nunca, conforme creio, tem sido apreciada e sorvida vivencialmente a esterilidade do intelecto. Nunca, bem? entendido, por pensadores, isto é, pelo próprio intelecto. O desprezo fácil e barato do intelecto, nutrido pelos sentimentais, pelos místicos primitivos e por aqueles que põem sua fé nos sentidos, nada? tem a ver com a vivência aqui descrita. É a vivência intelectual? da futilidade do intelecto. Não é, portanto, um abandono? do intelecto, mas pode ser?, muito pelo contrário, a superação do intelecto por si? próprio.

[21] O anti-intelectualismo? de grande parte da filosofia? atual é um erro? e um perigo. E um erro porque confunde a fé no intelecto (abandonada acertadamente), com o enquadramento do intelecto numa fé em uma realidade? nova a ser encontrada. E é um perigo porque propaga e aprofunda o niilismo? que pretende combater. A vivência intelectual da esterilidade do intelecto, vivência essa que este livro se propõe a elaborar, torna o anti-intelectualismo uma atitude superada. Aquele que experimentou autenticamente em seu intelecto a futilidade do intelecto, nunca mais será anti-intelectual. Pelo contrário, essa vivência intelectual produzir?á nele uma atitude positiva para com o intelecto, agora intelectualmente superado. Está numa situação comparável àquela que surge após o desencanto com uma grande soma? de dinheiro. O acumular da soma era acompanhado de uma fé no poder? salvador do dinheiro. A posse do dinheiro dissipou essa fé. Não surgiu ainda uma fé nova para substituir a perdida. Entretanto o dinheiro está disponível para servir a essa nova fé, se e quando encontrada. O anti—intelectualismo é prova da persistência de restos de fé no intelecto, e é superado com o desaparecimento desses restos.

A vivência da esterilidade do intelecto torna experimentáveis, embora não compreensíveis, os fundamentos dos quais o intelecto brotou e continua brotando. Fundamentos extraintelectuais, que o são por definição, não são alcançáveis intelectualmente. Não podem ser, portanto, [22] autenticamente incluídos na disciplina? da filosofia, que é uma disciplina intelectual. A tentativa de filosofar a respeito? desses fundamentos é mais um erro de muita filosofia da atualidade?. Entretanto justamente na sua eliminação do campo? da filosofia reside a possibilidade? de sua inclusão num campo mais apropriado. Essa eliminação é uma das tarefas deste livro.

Embora o intuito dessa corrente de pensamentos não possa ser a superação da situação existencial absurda na qual nos encontramos, embora não possa esperar ultrapassar o niilismo dentro do qual nos precipitamos, pretende iluminar-lhe alguns aspectos para tornar uma posterior superação mais viável. Esse intuito, em si só, já prova a existência de algo parecido remotamente com uma fé: a saber?, uma esperança, embora precária, na possibilidade de uma superação, e portanto na sobrevivência daquilo que chamamos, muito inadequadamente, de civilização ocidental. A essa esperança o presente esforço está dedicado. [FlusserDuvida:20-22]


LÉXICO: intelectualismo