Filosofia – Pensadores e Obras

história

VIDE História

O conhecimento do passado da humanidade; desenvolvimento atual da vida humana. — Em seu sentido imediato, a história é o conhecimento da origem e da evolução da humanidade, particularmente dos povos e nações. A questão fundamental que se coloca a respeito dela é saber se pode tomar a forma de uma ciência. 1.° A história pura, tal como era entendida outrora, tinha o hábito de só considerar os “acontecimentos”, isto é, os fatos únicos, sem repetição, ligados em geral à existência de personagens históricos. “Os tenentes de Napoleão escrutavam seu humor para conhecer o destino do mundo.” Desse ponto de vista, não há ciência, e sim uma constatação dos fatos. 2.° A ciência define-se como um conhecimento das leis. Ora, a análise moderna da história descobriu precisamente nela leis que ultrapassam toda vontade individual. É a concepção dita “sociológica” da história. Em Guerra e paz, Tolstoi mostra Kutuzov recusando a tomar qualquer iniciativa individual, deixando agir o conjunto de leis sociais e humanas cujo brinquedo somos nós. Karl Marx buscou na infra-estrutura econômica de um país a lei de seu futuro político e social. Na realidade, se é verdadeiro que o desenvolvimento econômico de um país obedece a leis gerais (como mostrou F. Simiand), a história, em sua realidade concreta, é absolutamente imprevisível: uma guerra pode modificar o mundo sem que ninguém a tenha previsto. É que a história das sociedades, no fundo, é de natureza política e depende de fatores humanos para os quais não existe lei absoluta. Correlativamente, o conhecimento histórico de uma época requer, além da ciência dos fatos que a marcaram, uma simpatia, uma compreensão interna do meio, da atmosfera humana que nela reinava. Devido a isso* o historiador é mais um intérprete do que sábio: um historiador comunista negligenciará a importância da revolução burguesa de 1789 e se estenderá longamente sobre o papel de Robespierre. Não explicamos objetivamente o passado, compreendê-mo-lo subjetivamente. Em seu segundo sentido, a história atual coloca um problema de “prospectiva”. É o que os governantes encontram todos os dias para resolver as questões relativas ao desenvolvimento e à divisão da economia de um país, às tendências das populações etc: só o conhecimento conjugado do passado, das leis econômicas, das realidades psicológicas e humanas pode dar às prospectivas um valor objetivo. [Larousse]


Em sentido muito amplo (1) é todo acontecer. Assim, falamos de uma história da terra, de uma historia natural. Mas, em sentido estrito e próprio (2), o vocábulo “história” desliga-se do acontecer da natureza, necessário e univocamente explicável por suas causas eficientes, o qual é simples caso de uma lei, e designa o acontecer humano, que tem sua raiz na livre auto-realização e decisão do espírito. Realiza-se no espaço e no tempo, na coexistência e sucessão de raças e povos, dentro das múltiplas limitações da natureza infra-espiritual exterior e interior ao homem. Tais limitações da humana atuação, não sobrevêm acidentalmente; pelo contrário, dimanam da natureza humana (Homem). Por esta forma, a história (2) mostra ser como que o modo de operar especificamente humano (história como espaço vital e ordenação vital do homem). Pertence à essência do homem estar na história e fazer história; tudo quanto faz, fá-lo como ente histórico. Inclusive o caminho direto de seu espírito para Deus é transcendência, superação, que nunca, até à morte, abandona inteiramente o mundo e a história. Por isso, o homem só pode desempenhar-se de sua missão supratemporal cumprindo honrosamente sua tarefa histórica (história como campo de prova do homem).

Para que um acontecer seja histórico, deve ter relação com o homem, e não só com o indivíduo enquanto tal, senão com o humano em geral. O homem é membro da humanidade não imediatamente, mas através de um grupo, raça ou nação. Sem dúvida, o acontecer histórico parte sempre de pessoas individuais responsáveis, mas está essencialmente relacionado com a comunidade. Podemos falar de necessidade histórica no sentido de uma limitação da liberdade e de suas possibilidades, devida à parte infra-espiritual da natureza humana, aos limites de sua inteligência, a fatos historicamente ocorridos, dotados de lógica interna e de seu peso natural, nunca porém no sentido de suprimir a decisão livre e responsável. Historicamente fecundo é só o acontecer que, alimentado pelas forças maternas do passado (tradição), satisfaz aos impulsos que apontam para o futuro. As decisões eticamente defeituosas trazem consigo sua vingança, senão nos efeitos próximos, certamente nos remotos. —? A história é importante para a antropologia filosófica, tanto no que tange à sua essência geral (enquanto desenvolvimento dinâmico da humana natureza e, por isso, enquanto caminho para conhecê-la), quanto em sua forma concreta, porque a essência da história só se patenteia no concreto.

Recebe ainda o nome de história (3) a investigação da história (2) (= ciência história) e sua exposição (p. ex., história da Guerra de Trinta Anos). Segundo a maneira desta exposição, a história será narrativa, pragmática (de finalidade prática, docente) ou genética (evolutiva). — Brugger.


O problema historiográfico consiste em reconstituir acontecimentos passados a partir de documentos presentes e em chegar a compreender estes acontecimentos. Decompõe-se, portanto, em dois subproblemas: primeiro, trata-se de passar dos documentos aos acontecimentos e, em seguida, de explicar estes últimos. O primeiro subproblema nos conduz a uma teoria da objetivação. Precisamos compreender como as intenções e as ações dos atores se projetam nos signos exteriores, cujo vestígio pode se conservar, a maneira como vêm a depositar-se nos suportes transmissíveis através do tempo. Se conseguirmos elaborar tal teoria, teremos à nossa disposição um instrumento que nos permitirá ascender dos signos às ações e intenções dos atores, ou seja, aos acontecimentos e à sua significação.
(…)
Não é possível abstrair o papel representado pela situação histórica do historiador na elaboração de seu sistema de explicação. Uma verdadeira validação dos processos da história supõe que se esclareça a situação do historiador. Para tanto, em se tratando de uma explicação em termos de projeto, será preciso poder elucidar completamente a natureza do projeto. Em outras palavras, será preciso poder efetuar uma reflexão total. Mas tal reflexão é possível? Não existe, em todo projeto, um aspecto implícito que não se deixa apossar integralmente pela reflexão? Não se fará necessário levar em conta também as motivações inconscientes, inatingíveis pela reflexão, acessíveis apenas através de uma análise de tipo hermenêutico, tal como a psicanálise, de que mais adiante trataremos? Por outro lado, em se tratando de uma explicação em termos de sistemas, no caso em que a explicação considerada apoiar-se numa teoria de tipo físico, será necessário conseguir reduzi-la completamente a uma explicação em termos físicos, como, por exemplo, a uma explicação de tipo cibernético, e, no caso em que a explicação apoiar-se numa filosofia, fornecer uma justificação completa desta filosofia e do papel que se lhe atribui.

Num caso como no outro, a teoria histórica é incapaz de fundar-se a si mesma; para justificá-la, é mister passar para um outro tipo de discurso. Entretanto, poderíamos pensar em dois outros tipos de justificação, seja por uma metateoria, seja em nome de um critério pragmatista. Poderíamos tentar deixar ao discurso do historiador sua especificidade e justificá-lo por meio de uma metateoria que fosse capaz de considerar de fora a situação do historiador. Mas tal metateoria haveria de ser ou de tipo formalizado, ou não; no primeiro caso, estaremos novamente implicados em outro tipo de discurso, e no segundo, ou reencontramos uma teoria física ou filosófica, ou nos envolveremos com uma teoria em torno da qual reco-locar-se-ão os mesmos problemas que se colocam para a própria teoria histórica. Todavia, poderíamos ainda apelar para um critério pragmatista. Diremos, por exemplo, que o ponto de vista adequado e que deve ser tido como justificado é o ponto de vista mais progressista. E definiremos tal ponto de vista como aquele que é capaz de exprimir a totalidade. Mas isto pressupõe uma certa filosofia, segundo a qual, além de efetivamente existir a cada instante um ponto de vista da totalidade, este ponto de vista pode ser explicitado e descrito num discurso apropriado. Somos novamente obrigados a invocar um discurso de outro tipo. Em suma, qualquer que seja o caminho seguido, somos sempre reconduzidos a uma outra instância. Assim, o problema da justificação da hermenêutica histórica vem a ser o problema da justificação de uma redução a um discurso psicanalista, ou o problema do fundamento de um discurso filosófico, ou o da capacidade fundadora de um discurso metateórico formal. [Ladrière]