(gr. morphe, eidos; lat. forma; in. Form; fr. Forme; al. Form; it. Forma). Esse termo tem as seguintes significações principais:
1) Essência necessária ou substância das coisas que têm matéria. Nesse sentido, que está presente em Aristóteles, forma não só se opõe a matéria, mas a pressupõe. Aristóteles usa, portanto, esse termo com referência às coisas naturais que são compostas de matéria e forma, e observa que a forma é mais “natureza” que a matéria, uma vez que de uma coisa diz-se aquilo que ela é em ato (a forma), e não o que é em potência (Fís., II, 1, 193 b 28; Met., IV, 1015 a 11). Desse ponto de vista, não se pode dizer que são forma as substâncias imóveis (Deus e as inteligências motrizes), que são isentas de matéria, mas são forma as substâncias naturais em movimento. Donde a polêmica de Aristóteles contra o platonismo, com o objetivo de afirmar a inseparabilidade entre forma e matéria. Os escolásticos não se ativeram rigorosamente a essa terminologia aristotélica e estenderam o termo forma a qualquer substância, falando de “forma separadas” para indicar as ideias existentes na mente de Deus (Alberto Magno, S. Th., I, q. 6; Tomás de Aquino, S. Th., I, q. 15 a. 1) e de “forma subsistentes” para indicar os anjos que não têm corpo e, portanto, não têm matéria (Tomás de Aquino, S. Th., I, q. 50 a. 2). Além disso, falavam de “forma substanciais ou de forma acidentais” (Ibid., I, q. 76 a. 1), sendo esta última expressão, do ponto de vista aristotélico, no mínimo contraditória. Gilberto Porretano (séc. XII), em De sex principiis, separara as forma inerentes, correspondentes às primeiras quatro categorias de Aristóteles (substância, qualidade, quantidade, relação) das forma assistentes, correspondentes às outras categorias aristotélicas, de caracteres que não constituem a substância das coisas. Em todos os casos, a forma conserva os caracteres que Aristóteles lhe havia atribuído: é causa ou razão de ser da coisa, aquilo em virtude do que uma coisa é o que é; é ato ou atualidade da coisa, por isso o princípio e o fim do seu devir.
O conceito de forma assim entendido foi e continua sendo empregado também fora do aristotelismo e de seus derivados. Não possui determinações diferentes das aqui apontadas a forma de que fala Bacon como objeto da ciência natural: essa forma é ato e causa eficiente, tanto quanto a forma aristotélica (Nov. Org. II, 17), e distingue-se desta apenas porque, como pensava Aristóteles, não pode ser apreendida pelo procedimento dedutivo ou pelo intelecto intuitivo, mas só pela indução experimental. Descartes refere-se à significação tradicional da palavra quando nega que existam “as forma ou qualidades sobre as quais se discute nas escolas” (Discours, V). E é com o mesmo significado que essa palavra é usada por Bergson, ao afirmar que “forma é um instantâneo de uma transição”, ou seja, uma espécie de imagem intermediária da qual se aproximam as imagens reais em sua mudança e que é pressuposta como “a essência da coisa ou a coisa mesma” (Évol. créatr., IV ed., 1911, p. 327).
Deste conceito de forma aproxima-se o sentido com que essa palavra é usada por Hegel, como “totalidade das determinações”, que é a essência no seu manifestar-se como fenômeno (Enc., § 129). Nesse sentido, forma é o modo de manifestar-se da essência ou substância de uma coisa, na medida em que esse modo de manifestar-se coincide com a própria essência. É nesse sentido que Hegel empregava habitualmente essa palavra, p. ex. quando dizia: “O conteúdo humano da consciência, produzido pelo pensamento, nâo aparece primeiro em forma de pensamento, mas como sentimento, intuição, representação, forma que devem ser distinguidas do pensamento como forma” (Enc., § 2). Foi exatamente com esse sentido que Croce e Gentile falaram de “formas do espírito”, seja para estabelecer, seja para negar sua diversidade.
2) Uma relação ou um conjunto de relações (ordem) que pode conservar-se constante com a variação dos termos entre os quais se situa. P. ex., a relação “Se p, então q” pode ser assumida como a forma da inferência, porque permanece constante quaisquer que sejam as proposições p e q entre as quais se situa. Assim, diz-se habitualmente que a matemática é uma ciência formal porque o que ela ensina não vale apenas para certos conjuntos de coisas, mas para todos os conjuntos possíveis, já que versa sobre certas relações gerais que constituem o aspecto formal das coisas. Nesse sentido, a palavra forma foi usada pela primeira vez por Tetens, para indicar as relações estabelecidas pelo pensamento entre as representações sensíveis que, por sua vez, constituiriam a “matéria” do conhecer (Philosophische Versuche über die menschliche Natur, 1776, I, p. 336). Kant fez distinção análoga na dissertação de 1770: “À representação pertence, em primeiro lugar, alguma coisa que se pode chamar de matéria, que é a sensação, e, em segundo lugar, aquilo que se pode chamar de forma ou espécie das coisas sensíveis, que serve para coordenar, por meio de certa lei natural da alma, as várias coisas que impressionam os sentidos” (De mundi sensibilis et intelligibilis forma et ratione, § 4). Essa distinção entre matéria e forma foi o ponto de partida de toda a filosofia kantiana, mas Kant nunca alterou o significado de forma, que continuou sendo relação ou conjunto de relações, isto é, ordem. Escreveu em Prolegômenos (§ 17): “O elemento formal da natureza é a regularidade de todos os objetos da experiência.” Analogamente, a forma dos princípios morais é a simples relação na qual uma lei se encontra com os seres racionais, ou seja, sua validade para todos esses seres, sua universalidade (Crit. R. Prática, § 4). A partir de Kant o sentido dessa palavra nunca deixou de ser o de relação generalizável, ordem, coordenação ou, mais simplesmente, universalidade. Nesse sentido, Kant distinguiu matéria e forma no conceito: “A matéria do conceito é o objeto; a forma dele é a universalidade” (Logik., Elementarlehre, § 2). É neste sentido que hoje os lógicos utilizam essa palavra para caracterizar o objeto de sua ciência. Era a ele que Peirce se referia (Coll. Pap., 4.611), e é a ele que, mais recentemente, referem-se Strawson (Intr. to Logical Theory, 1952, p. 41), Prior (Formal Logic, 1955, § 1) e Church (Introduction to Mathematical Logic, 1956, § 00). Carnap disse: “Uma teoria, uma regra, uma definição ou coisas semelhantes devem ser chamadas de formais quando não fazem nenhuma referência ao significado dos símbolos (p. ex., das palavras) ou ao sentido das expressões (p. ex., dos enunciados), mas unicamente às espécies e à ordem dos símbolos com os quais as expressões são construídas” (Logische Syntax der Sprache, 1934, § 1).
É a esse significado de ordem ou relação que está ligado o uso da palavra forma (Gestali) na psicologia contemporânea, ao se ressaltar o fato experimental de que impressões simultâneas não são independentes umas das outras, como se fossem pedaços de um mosaico, mas constituem uma unidade com ordem definível (v. psicologia). No mesmo sentido, Born propôs que sejam consideradas como “forma das coisas físicas as invariantes das equações, que têm a mesma realidade objetiva das coisas que nos são familiares” (Experiments and Theory in Physics, 1943, pp. 12-13). Na própria estética há pelo menos uma significação na qual a palavra forma pode ser reintegrada na significação de ordem ou organização das partes; é a significação esclarecida por Dewey: “Só quando as partes constitutivas de um todo têm o fim único de contribuir para a perfeição de uma experiência consciente é que o desenho e a imagem perdem o caráter sobreposto e tornam-se forma” (Art as Experience, cap. VI; trad. it., p. 140). Aproxima-se dessa mesma significação o uso da palavra por Focillon: “As relações formais em uma obra e entre as várias obras constituem uma ordem, uma metáfora do universo” (Vie des formes, 1934, trad. it., p. 53). Em geral, pode-se dizer que, no âmbito desse significado, passa-se à consideração da forma todas as vezes em que certa relação é generalizada, vale dizer, considerada válida para certo número de termos ou de casos possíveis, ou quando não são considerados os termos entre os quais está uma ordem, para atribuir importância ou significado somente a essa ordem.
3) Uma norma de procedimento. Nesse sentido, fala-se de forma em direito, no sentido de que
uma “questão de forma” diz respeito à relação entre o caso em exame e as normas de procedimento, e não ao problema que constitui a substância ou o mérito do caso. Às vezes o recurso à “forma” expressa a exigência de autonomia num procedimento ou numa técnica. Esta é, frequentemente, a significação da insistência no caráter formal da arte. Quando, em arte, o recurso à forma não expressa exigência de organização e ordem (que diz respeito ao significado 2), expressa a exigência de que os procedimentos ou as técnicas da arte sejam independentes dos procedimentos ou das técnicas de outras atividades, como o conhecimento, a moral, etc. (cf. Croce, Breviário de estética, p. 53). Nesse sentido, passa-se a considerações formais, em certo campo, quando se reconhece a independência entre as técnicas utilizáveis nesse campo e as empregadas em outros campos. [Abbagnano]
FORMA. I. — (Em latim: forma, em grego: morphe). Esta palavra designa (1), originariamente, a configuração exterior, o contorno, a figura, a estrutura visível de um corpo; como a forma, neste sentido, oferece, dentro do mundo corpóreo, uma importante base de diferenciação e de determinação, a “morfologia” dedica-lhe especial atenção. Com este significado primitivo está conexo uma segunda acepção (2), segundo a qual, forma é a expressão exterior, regulada por normas de validade universal, de um pensamento ou de uma decisão da vontade, em especial a índole e a maneira legalmente determinadas de um ato jurídico (p. ex., de um testamento). Neste sentido, uma demonstração “em forma” é aquela em que cada uma de suas fases e a articulação lógica das mesmas aparecem claras na formulação oral.
Uma vez que a configuração, a forma (1) caracteriza melhor, que, p. ex., a cor, as distintas espécies de coisas, a filosofia, nomeadamente desde Aristóteles, dá metaforicamente o nome de forma ao fundamento essencial interno da peculiaridade específica dos seres. A forma nesta acepção (3), a forma essencial (forma substancial), contrapõe-se, nos corpos, à matéria (hilemorfismo). Ela é o princípio substancial do ser específico próprio e do operar teleológico (enteléquia) (dinamismo). Nos seres vivos, a forma é a alma ou o princípio vital. Portanto, a forma é só uma parte essencial do ente total; parte, incapaz de existência separada, tratando-se de animais e plantas; ao passo que, no caso da alma espiritual do homem, é forma “subsistente cm si”, isto é, capaz de existir separadamente. O espírito puro é “forma pura”, ou seja, uma forma que, essencialmente separada da matéria, constitui por si só um todo.
Da composição substancial dos corpos integrados por matéria e forma, a palavra “forma” foi transferida a toda composição constituída por um substrato determinável (não necessariamente corpóreo), ou seja, a matéria, e por um princípio determinante, que é a forma (4). O binário conceitual matéria-forma aproxima-se, assim, do binário potência – ato. Segundo esta acepção, todo acidente, em oposição à substância, pode denominar-se forma acidental. S. Tomás de Aquino, opondo a existência à essência, dá àquela o nome de forma, e chega até a designá-la de forma no máximo grau (maxime formale). Em lógica, os conceitos de sujeito e de predicado chamam-se matéria do juízo, designando-lhe a cópula “é”, mercê da qual tais conceitos passam a constituir a relação judicativa, como forma daquele. Em frente desta forma sempre igual, a matéria do juízo é o seu “conteúdo” mutável. O mesmo se diga do raciocínio. No domínio ético, o dever, o caráter obrigatório do bem, recebe o nome de forma da lei moral, considerando-se os diversos valores éticos como matéria ou conteúdo dela. — Em todos estes casos, a forma opõe-se a uma matéria também já por si determinada. Outras vezes, à forma (5) opõe-se, um sujeito inteiramente indeterminado, o qual, enquanto “este” indivíduo, é considerado como “suporte” último que “tem” todas as determinações ontológicas ou formas. Forma, neste sentido, é, p. ex., a natureza humana, da qual se diz que tal ou tal indivíduo (p. ex., Pedro) a “tem”. A forma, neste sentido, não coincide com a forma (3) como parte essencial. Enquanto esta é só a alma, à natureza humana pertence indiscutivelmente também o corpo ou a matéria em geral. Muitos distinguem a forma neste sentido, chamando-a “forma metafísica”, da “forma física”’, da forma como parte essencial. A forma assim compreendida constitui sobretudo o fundamento da cognoscibilidade do ente, diante do sujeito individual sempre envolta para nós em certa obscuridade.
Todas as formas mencionadas (1-5) são formas do ser; opõe-se-lhes a forma do conhecimento (6) (a imagem cognoscitiva, a species), forma ora sensível, ora intelectual. Nela o objeto representado não possui nenhuma existência real, mas só intencional. Quando a forma do objeto é designada como conteúdo da imagem cognoscitiva, não se deve pensar primariamente na forma essencial (3), mas no elemento formal em sentido mais lato (4 e 5), o qual, como fica dito, é o fundamento da cognoscibilidade. Tampouco a matéria, ou o sujeito, fica inteiramente excluída da representação, visto que é co-apreendida na percepção sensorial e no conceito concreto. VIDE hilemorfismo. — De Vries. [Brugger]
Ao supor que um objeto tem não só uma figura patente e visível, mas também uma figura latente e invisível, os gregos forjaram a noção de forma enquanto figura interna captável só pela mente. Platão chama a esta figura interior ideia ou forma. Aristóteles introduz a noção de forma, especialmente na física e na metafísica. A matéria é aquilo com que se faz alguma coisa; a forma é aquilo que determina a matéria para ser alguma coisa, isto é, aquilo por que alguma coisa é o que é. Assim, numa mesa de madeira, a madeira é a matéria com que a mesa foi feita, e o modelo com que o carpinteiro seguiu é a sua forma. Diferentemente da relação potência-ato, que nos faz compreender como as coisas mudam -, a relação matéria-forma permite-nos compreender como estão compostas as coisas. Por isso, o problema do par de conceitos matéria-forma é equivalente à questão das composição da substâncias e, em rigor, de todas as realidades. Por exemplo, enquanto as substância sublunares mudem e se movem e os astros se movem e ainda o primeiro motor, embora não se mova, constitui um centro de atração para todo o movimento, as entidades matemáticas não mudam, nem se movem, nem constituem centros de atração para o movimento. E, no entanto, tais entidades têm também matéria e forma. Por exemplo, numa linha a extensão é a matéria e a pontualidade (ou fato de estar constituída por uma sucessão de pontos) a forma, que pode ser extraída da matéria mesmo quando nunca tenha existência separada. O problema da forma tem alcance universal.
Embora se considere o termo forma como um termo relativo (relativo ao de matéria), isto não dispensa de considerar a forma também como realidade. Os autores escolásticos trataram com minuciosidade o problema das diversas espécies de formas e falaram assim de formas artificiais, como a forma da mesa ou da estátua; formas naturais, como a alma; formas substanciais, como as que compõem as substâncias corpóreas e as doutrinas do hilemorfismo, estudadas pormenorizadamente; formas acidentais, que se agregam ao ser substancial para o individualizar, como a cor; formas puras ou separadas, que se caraterizam pela sua pura atualidade ou realidade, etc.
Interessa sublinhar que na lógica clássica distingue-se entre a forma e a matéria do juízo. A matéria é o que muda num juízo; assim, o sujeito “João” e o predicado “bom” com o juízo “João é bom” constituem a matéria. A forma é o que continua inalterável; assim, no juízo anterior, a cópula é constitui a forma. Na lógica atual costuma chamar-se constante, ou elemento constante, à forma e, variável, ou elemento variável, à matéria. Assim, na proposição “todos os homens são mortais”, todos e são chamam-se constantes (ou formas) e homens e mortais são variáveis (ou matéria) da proposição. [Ferrater]