Filosofia – Pensadores e Obras

aporia

aporia: sem saída, dificuldade, questão, problema

1. A aporia e as suas formas verbais cognatas estão intimamente relacionadas com a dialéctica (dialektike) e por isso com o método socrático do discurso interlocutório. De acordo com a análise de Aristóteles (Metafísica 988b), a filosofia tem a sua raiz no espanto (thauma; Aristóteles salienta aqui que a filosofia e a mitologia compartilham o espanto como um ponto de partida comum) que provém de uma dificuldade inicial (aporia), uma dificuldade experimentada por causa de argumentos em conflito (ver Top. VI, 145b). Quer a aporia quer o seu concomitante espanto podem encontrar paralelo nos frequentes protestos que Sócrates faz da sua própria ignorância (Ménon, 80d, Soph. 244a) e no nolle contendere surgido da sua própria interrogação deliberada (elenchos) (ver Teeteto 210b-c e katharsis).

2. Mas este estado inicial de ignorância, comparado por Aristóteles a um homem acorrentado (Metafísica 995a32), cede a um sentido posterior onde a aporia, ou mais especificamente, a diaporia, uma exploração de vários caminhos, assume as características de um processo dialéctico (Metafísica 995a-b; ver dialektike), e onde a investigação das opiniões (endoxa) dos antecessores filosóficos de cada um é um preliminar necessário para se chegar a uma prova (De anima I, 403; Ethica Nichomacos VII, 1145b). Assim as aporiai são apresentadas, são tecidas prévias opiniões sobre estes problemas e é descoberta uma solução (euporia, lysis, a segunda literalmente uma «libertação» mantendo a metáfora do acorrentar in Metafísica 995a32). A solução pode revestir-se de uma variedade de forma, validando a endoxa (Ethica Nichomacos VII, 1145b), apresentando uma hipótese (De coelo II, 291b-292a), ou mesmo (Eth. Eud. VII, 1235b, 1246a) permitindo a existência de uma contradição racional (eulogon). Mas qualquer que seja a solução, o apresentar do problema e a elaboração desde o problema até à solução, que é o cerne do método filosófico, é uma tarefa difícil e árdua (Metafísica 996a). [FEPeters]


(gr. aporia; in. Aporia; fr. Aporte; al. Aporte; it. Aporia).

Esse termo é usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade inerente a um raciocínio, e não no de estado subjetivo de incerteza. É, portanto, a dúvida objetiva, a dificuldade efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva um raciocínio. P. ex., “As aporias de Zenão de Eleia sobre o movimento”, “As aporias do infinito”, etc. [Abbagnano]


(De origem grega aporia, dificuldade teórica).

a) Zeno de Eleia chamava aporias aos seus famosos argumentos à multiplicidade do ser e ao movimento, entre eles o famoso Argumento de Aquiles (vide), etc.

b) O termo designa, na filosofia grega, uma dificuldade que ocorre na especulação filosófica, e que é considerada insolúvel.

c) Modernamente usado por Nicolai Hartmann, que chama aporética à ciência dos problemas, cingindo-se ao problema e desinteressando-se da solução. Diferencia-se da fenomenologia, que se circunscreve ao fenômeno e prescinde do problema.

Cabe, segundo Hartmann, à teoria, última instância ou grau, propor respostas e soluções às interrogações surgidas da aporética. [MFSDIC]


Significa, literalmente, beco sem saída, dificuldade. Em sentido figurado, entende-se sempre como uma proposição sem saída lógica, como uma dificuldade lógica insuperável. Também pode identificar-se com a antinomia ou o paradoxo. Mas vamos fazer a distinção entre estes dois termos. Usamos antinomia principalmente no sentido kantiano, como algo que deriva da aplicação da razão pura à realidade e especialmente às proposições cosmológicas. Usamos o termo paradoxo no sentido das dificuldades lógicas e semânticas, que surgem tão depressa como uma proposição, depois de se ter afirmado a si mesma, se contradiz a si mesma.

Exemplos típicos das aporias no nosso sentido são, em contrapartida, as argumentações de Zenão de Eleia (v. pré-socráticos) contra o movimento, especialmente a aporia de Aquiles e a tartaruga. A fórmula mais intuitiva, embora menos precisa, desta aporia pode formular-se assim: suponhamos que Aquiles, o mais veloz, e a tartaruga, o animal lento por excelência, partem simultaneamente para uma corrida de velocidade na mesma direcção. Suponhamos também que aquiles corre dez vezes mais depressa do que a tartaruga. Se no instante inicial da corrida se dá à tartaruga um metro de vantagem sobre Aquiles, acontecerá que quando Aquiles tiver percorrido esse metro, a tartaruga terá percorrido já um decímetro; quando Aquiles tiver percorrido esse decímetro, a tartaruga terá percorrido um centímetro; quando Aquiles tiver percorrido esse centímetro, a tartaruga terá percorrido um milímetro, e assim sucessivamente, de tal modo que Aquiles não poderá alcançar nunca a tartaruga, embora se vá aproximando infinitamente dela. Um enunciado mais preciso reduziria aquiles e a tartaruga a dois pontos que se deslocam ao longo de uma linha com uma vantagem inicial por parte do ponto mais lento e uma velocidade superior uniforme por parte do ponto mais rápido. A distância entre os dois pontos dados, embora se vá reduzindo progressivamente a zero, nunca poderá atingir o zero. O propósito de Zenão de Eleia consistia em defender a doutrina de Parmênides, que exigia a negação do movimento real e a afirmação de que todo o movimento é ilusório. Embora de fato, Aquiles alcance a tartaruga, esse fato é, para Zenão, fenoménico e, portanto, não conclui nada contra a aporia. Bertrand Russel tentou outra refutação. Segundo Russel, tanto a série de momentos temporais como a série de pontos da linha são contínuos matemáticos e não há, por conseguinte, momentos consecutivos ou, melhor dizendo, não há terceiros momentos que se vão interpondo até ao infinito entre dois momentos dados. De um ponto de vista estritamente filosófico, Aristóteles aduziu a distinção entre o infinito em potência e o infinito em ato. Potencialmente, a linha ou segmento de tempo são infinitamente divisíveis; atualmente, em contrapartida, são indivisíveis, isto é, podem ser atuados. A refutação tentada por Bergson, em contrapartida, funda-se em sustentar que Zenão espacializou o tempo. Se o tempo fosse redutível ao espaço, a aporia seria insolúvel. Mas se considerarmos o tempo como uma fluência indivisível que, em princípio, não se pode decompor em momentos concebidos por analogia com os tempos espaciais, Aquiles poderá alcançar a tartaruga. Segundo Bergson, toda a dificuldade consiste em ter aplicado ao tempo e ao movimento os conceitos de ser e de coisa, em vez de lhes aplicar os conceitos de fluência de ato. [Ferrater]