Filosofia – Pensadores e Obras

agressão

Enquanto quase todas as teorias em vigor sobre a agressão se desenvolveram no século XX, as questões conceituais básicas e os debates importantes têm raízes bem mais antigas. Discussões recentes sobre até que ponto a agressão está biologicamente enraizada na natureza humana fazem reviver temas do Leviatã, de Thomas Hobbes, e da filosofia liberal de Jean-Jacques Rousseau. Freud (1920), por exemplo, restaura muitas das ideias originais de Hobbes sobre a brutalidade inerente do homem para com seus companheiros, em uma moldura psicanalítica, fornecendo um modelo posteriormente emulado em um campo bastante distinto – o da etologia – por Konrad Lorenz (1966) e os neodarwinistas.

Essas abordagens, concentrando-se em pressuposições bastante simplistas sobre mecanismos instintivos, ao mesmo tempo em que são extensamente revistas em obras didáticas mais importantes, estão amplamente excluídas das tentativas correntes de explicar a agressão. O aspecto da obra de Freud que se concentra na agressão é encarado, com a vantagem do exame em retrospectiva, como uma tentativa um tanto apressada de preencher lacunas evidentes em sua abordagem teórica, que se apoiava excessivamente no princípio do prazer para explicar os processos psicológicos e o comportamento humano. A catástrofe sangrenta da Primeira Guerra Mundial exigia um modelo bastante diferente, e assim surgiu thanatos, ou o instinto de morte: “Como resultado de um pouco de especulação, viemos a supor que esse instinto está em ação dentro de cada criatura viva, lutando para levá-la à ruína e para reduzir a vida à sua condição original de matéria inanimada”.

Uma dificuldade particular com essas antigas teorias do instinto era a ideia central de “espontaneidade”. A agressão não apenas seria geneticamente pré-programada, e portanto inerradicável, como também assumiria a forma de um impulso que devia ser consumado, canalizado ou deslocado. Expressões de agressão, quer na forma de violência interpessoal ou em alguma forma menos direta, eram portanto inevitáveis. O que se enfatizava era a necessidade de direcionar essa força hidráulica, em vez dos meios de reduzi-la. Esportes vigorosos e competição física eram encarados como ingredientes essenciais no controle da agressão máscula (natural), fornecendo boa parte das bases racionais do sistema de ensino público britânico.

Embora essas perspectivas, tal como aspectos de muitas das primeiras teorias psicológicas, tenham sido incorporadas a “representações sociais” leigas da agressão e da violência, as modernas explicações da agressão nas ciências sociais evitam praticamente todas as noções de fatores genéticos e substratos biológicos. A ampla maioria dos trabalhos publicados a partir dos anos 50 dá ênfase ao papel do aprendizado, das condições sociais e da privação. O que se presume essencialmente é que a agressão seja uma forma de comportamento, em vez de uma força psicológica primária, e que, como qualquer outro comportamento, pode ser modificada, controlada e até mesmo erradicada. Isso também fica patente na obra, com base em trabalhos de laboratório, de psicólogos como Bandura (1973) e nas abordagens sociológicas de autores tão variados quanto Wolfgang e Wei-ner (1982) e Downes e Rock (1979). Encontramos semelhante ênfase na compreensão “liberal” da agressão na antropologia social do pós-guerra, com um grande esforço sendo dedicado à descoberta de sociedades totalmente pacíficas em que a agressão não existe, ou não existiu – desse modo desmascarando com firmeza a falsa presunção de um determinante genético. Essas tentativas foram, de modo geral, inconvincentes. De fato, conforme destacou Fox (1968), as visões ingênuas dos bosquímanos do Kalahari como um povo livre de agressão erraram o alvo, uma vez que foi provado que eles tinham uma taxa de homicídios mais elevada que a de Chicago.

Até certo ponto, a rejeição das teorias biológicas da agressão deve-se não apenas à manifesta inadequação dessa teorias, mas também à gradual introdução do conceito de “politicamente correto” nos debates acadêmicos e nas ciências sociais. Não se pode dizer que as pessoas são naturalmente agressivas porque isso significaria assumir que a violência e a destruição jamais poderiam ser erradicadas. Isso, ao contrário do que acontecia nas primeiras décadas do século, não se enquadra absolutamente no Zeitgeist intelectual contemporâneo.

Essa nova polarização, e o acalorado debate natureza-educação que ocupou a maior parte do século, provavelmente depreciou, mais do que qualquer outra coisa, uma compreensão “sensata” da agressão. Marsh (1978, 1982) sustentou que a discussão sobre se a agressão tem uma raiz biológica ou é aprendida é eminentemente irrelevante, uma vez que (a) ela é indubitavelmente ambas as coisas e (b) os prognósticos de modificação de comportamento não são muito diferentes em ambos os casos. Pode-se fazer aqui uma analogia com o comportamento sexual. Seria tolice supor que a sexualidade humana não tem bases genéticas, biológicas e hormonais. Mas o comportamento sexual é, em grande parte, controlado por meio de quadros de regras culturais e sociais. As pessoas, no geral, não consumam seus impulsos sexuais de forma aleatória e espontânea – são obrigadas a seguir convenções sociais e a observar exigências rituais. Todas as culturas desenvolvem “soluções” que maximizam as vantagens da sexualidade e inibem suas consequências potencialmente negativas.

Tornou-se cada vez mais fora de moda nas ciências sociais sugerir que a agressão tenha qualquer valor positivo. De fato, muitas definições correntes da agressão excluem tal possibilidade. Em psicologia, a definição predominante é a de “comportamento intencional destinado a ferir outra pessoa que está motivada a evitá-lo”. Em outros campos das ciências sociais, a agressão é com maior frequência encarada como um comportamento “inadaptado”, ou como uma reação infeliz a condições sociais patológicas (ver também crime e transgressão). Somente em campos como a sociologia marxista podemos encontrar o ponto de vista de que a agressão é uma forma de conduta racional e justificada.

No discurso ordinário, no entanto, fica claro que a agressão é encarada como tendo conotações tanto positivas quanto pejorativas. No mundo dos esportes, é comum elogiarmos o atleta por fazer uma corrida agressiva, ou termos em grande estima o zagueiro valente e agressivo. Nessas arenas, a agressão não é apenas permissível. Ela é um ingrediente essencial para a distinção. Da mesma forma, no mundo dos negócios a agressão é a marca do empreendedor altamente considerado, sem o qual tanto a Grã-Bretanha pós-Thatcher quanto o Estilo Americano do século XX poderiam definhar e morrer.

Não surpreende que autores como Bandura (1973) tenham classificado o campo da agressão como uma “selva semântica”. Com muitas centenas de definições da agressão permeando as ciências sociais, é inevitável que reine a confusão e que discussões desnecessárias dominem o debate. As abordagens mais promissoras são as que deixaram para trás o debate natureza-educação e se concentraram na compreensão de formas específicas de comportamento agressivo e nos fatores que o influenciam. A análise dos quadros sociais que estimulam ou inibem exibições de agressão também se mostrou fértil na explicação de fenômenos sociais como o vandalismo das torcidas de futebol (Marsh, 1978), a violência feminina (Campbell, 1982), a violência política extremista (Billig, 1978) etc. Trabalhos voltados para o papel de mecanismos fisiológicos específicos (como Brain, 1986) também têm contribuído para um debate mais racional, em que existem bem menos obstáculos para se examinar a interação complexa entre fatores biológicos e sociais. Quer encaremos a agressão como uma patologia evitável ou como um componente inevitável da condição humana, nossa compreensão dos fenômenos só irá aumentar se o foco se concentrar em tentar saber por que certos indivíduos em certos contextos sociais demonstram extrema antipatia uns para com os outros a fim de atingirem metas específicas, quer essas metas sej am causar dano a outrem ou desenvolver prestígio e status social. [DPSSXX]