Página inicial > Wahl, Jean > Wahl: Filosofias da existência - generalidades

Wahl: Filosofias da existência - generalidades

quarta-feira 23 de março de 2022

  

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Coleção Saber
Publicações Europa-América, 1962

CAPITULO I - GENERALIDADES

Quem se ocupe da filosofia da existência encontra-se na presença de um certo número de dificuldades. As primeiras surgem da diversidade extrema dos diferentes pensamentos filosóficos que se designam com esse nome.

Preferiremos a expressão «filosofia da existência» à palavra «existencialismo» pela razão de que alguns dos filósofos mais importantes de que queremos falar, Heidegger   e Jaspers   em particular, não queriam ser qualificados de existencialistas.

Heidegger, em alguns dos seus cursos, manifestou-se contra uma teoria a que chama existencialismo, e Jaspers escreveu que o existencialismo é a morte da filosofia da existência. Estes filósofos veem no existencialismo uma doutrina e temem as doutrinas assim estabilizadas.

Por outro lado, há filósofos — Sartre  , Merleau-Ponty  , Simone de Beauvoir — que aceitam o título de existencialistas, e acontece que Gabriel Mareei, de vez em quando, aceita que lhe chamem existencialista cristão, e Lavelle   e Le Senne não repudiam o termo «existencialismo».

Mas, se quisermos adotar de um modo geral esta doutrina, será preferível dizer «filosofia da existências, o que ainda não é completamente satisfatório, porque Heidegger não só não queria ser chamado existencialista, mas também recusava o título de filósofo da existência. A filosofia da existência, para ele, é essencialmente a de Jaspers. Quanto a ele, pensa que o problema filosófico essencial, e até mesmo o único problema filosófico, é o problema do ser, e se se ocupou, em Sein und Zeit (O Ser e o Tempo), da existência, é porque pensa que é passando pela nossa existência que poderemos alcançar o ser. Mas é o ser que é o objeto essencial do filósofo, e ele quer ser não um filósofo da existência, mas um filósofo do ser. Deste modo, devíamos recusar a Heidegger o nome de existencialista e mesmo o de filósofo da existência.

Por outras razões, Kierkegaard  , que está na origem de todas estas filosofias, recusaria o nome de filósofo da existência; não negaria a palavra «existência», mas recusaria a palavra «filosofo». Ele não é um filósofo, é um homem religioso, e não tem unia filosofia que seria a filosofia da existência, que quereria opor às outras filosofias.

A filosofia da existência teve o seu início na meditação essencialmente religiosa de Kierkegaard. E hoje, quando se fala da filosofia da existência, pensa-se frequentemente em Sartre, que é um filósofo não religioso e às vezes mesmo anti-religioso.

Uma brochura de Sartre chama-se L’existentialisme est un humanisme (O Existencialismo é um Humanismo); mas, por outro lado, há uma carta de Heidegger, a Carta a Beauffret, em que Heidegger toma posição contra a ideia de humanismo. E, na verdade, Kierkegaard não era um humanista.

Eis, portanto, dois pontos essenciais em que se verifica oposição entre as doutrinas de certos filósofos chamados da existência.

Acontece o mesmo com a ideia da interioridade e do segredo. Se a filosofia de Hegel não se afigura satisfatória para Kierkegaard, é em grande parte porque ela não toma em linha de conta o elemento de interioridade absoluta, pelo facto de não nos podermos explicitar completamente. E teremos ocasião de dizer que toda a filosofia existencial nasce da meditação de Kierkegaard sobre os acontecimentos privados da sua vida, sobre o seu noivado e a impossibilidade em que esteve de comunicar com a noiva. Mas, se lermos Sartre, veremos, pelo contrário, que, para ele, um homem é a vida desse homem na medida em que ela se exprime pelo conjunto dos seus atos, na medida em que não há segredo. Quanto a este ponto, é a influência de Hegel, á influência do adversário contra o qual se tinha erguido Kierkegaard, que domina o pensamento de Sartre.