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Wahl: Filosofias da existência - generalidades

quarta-feira 23 de março de 2022

L’Être et le Néant (O Ser e o Nada) acaba por uma condenação daquilo que Sartre chama o espírito de sério. Mas, por outro lado, Kierkegaard diz-nos que uma das categorias essenciais mais necessárias é a categoria de sério.

Há, deste modo, não só diversidade, mas profundas oposições entre os filósofos chamados da existência. Poderemos dizer, depois de observarmos todas estas divergências, que há realmente um corpo de doutrinas a que será lícito dar o nome de filosofia da existência? Falemos antes de uma atmosfera, de um clima que poderemos sentir. A prova de que há qualquer coisa que é a filosofia da existência é que podemos legitimamente aplicar este termo a umas filosofias e não a outras. Isto quer, portanto, dizer que há qualquer coisa que caracteriza verdadeiramente as filosofias da existência; tentaremos esclarecer aquilo em que essa qualquer coisa consiste, sem que nunca talvez consigamos atingi-lo.

Apresenta-se-nos uma segunda dificuldade, se refletirmos sobre o facto de que procuramos encontrar a essência das filosofias da existência, que são filosofias que negam a essência. Mas teremos ocasião de ver que as filosofias da existência, em particular a de Heidegger, se a classificarmos entre elas, conforme tínhamos estabelecido, não negam a essência. Veremos como Heidegger pensa que é a essência do homem que ele quer definir e como diz que a essência do homem é a sua existência. E a palavra «essência» aparece, por assim dizer, em cada página do último livro de Heidegger. Esta última dificuldade é, sem dúvida, apenas aparente.

Encontramo-nos perante uma dificuldade mais séria ao observarmos que o caráter específico destas filosofias corre o risco de desaparecer quando a elas nos referimos de uma maneira objectiva. Não é a existência, para um Kierkegaard, para Jaspers, problema do Indivíduo solitário, da subjetividade ? Não se corre o risco de transformar a existência pela simples razão de se falar dela, de transformar existência autêntica em existência inautêntica? Não corremos o risco de a forçar a descer a este domínio do nós, do qualquer, domínio que, precisamente, é necessário evitar? Não será necessário abandonar a existência à meditação solitária, ao diálogo de alguém consigo próprio?

Mas só poderemos reconhecer se é possível escapar a este perigo se nos esforçarmos por estudar esta filosofia, este modo de pensamento.

Será possível dar definições das filosofias da existência? Veremos que toda e qualquer definição será mais ou menos inadequada.

Por exemplo, num estudo publicado numa revista filosófica americana, define-se a filosofia da existência como a reação contra o idealismo absoluto e o positivismo   e como um esforço constante para dominar o homem na sua totalidade. Facilmente se vê que esta definição do P. Culbertson não é satisfatória: pode aplicar-se tanto ao pragmatismo, aos filósofos da vida, como aos filósofos da existência.

O existencialismo foi definido em Roma por uma alta autoridade religiosa como uma filosofia do desastre, um irracionalismo pessimista e um voluntarismo religioso. Mas este juízo contém em si uma condenação, e não o podemos tomar como ponto de partida.