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Sartre (TE) – a ação ou o estado volta-se ao Ego a fim de qualificá-lo

sexta-feira 13 de setembro de 2024

  

Em virtude dessa passividade, o Ego é suscetível de ser afetado. Nada pode agir sobre a consciência, porque ela é causa de si. Mas, ao contrário, o Ego produtor sofre, em retorno, o choque daquilo que produz. Ele fica “comprometido” por aquilo que produz. Aqui a relação se inverte: a ação ou o estado se volta sobre o Ego para qualificá-lo. Isso nos leva de volta à relação de participação. Todo novo estado produzido pelo Ego tinge e matiza o Ego no momento em que o Ego o produz. O Ego é, de algum modo, enfeitiçado por essa ação, ele participa dela. Não é o crime cometido por Raskolnikoff que se incorpora ao Ego deste. Ou melhor, para ser exato, é o crime, mas sob uma forma condensada, sob a forma de um golpe mortal. Assim, tudo o que o Ego produz deixa nele sua impressão. Devemos acrescentar: e somente o que ele produz. Alguém poderia objetar que o Moi pode ser transformado por eventos exteriores (catástrofes, luto, decepções, mudança de ambiente social etc.). Mas é apenas enquanto constituem para ele a ocasião de estados ou de ações. Tudo se passa como se o Ego estivesse protegido por sua espontaneidade fantasmal de todo contato direto com o exterior, como se ele pudesse comunicar-se com o Mundo apenas por intermédio dos estados e das ações. Vejamos a razão desse isolamento: é simplesmente devido ao fato de que o Ego é um objeto que aparece apenas à reflexão e que, por isso, é radicalmente separado do Mundo. Ele não vive no mesmo plano.

[SARTRE  , J.-P. A transcendência do ego: esboço de uma descrição fenomenológica. Petrópolis: Editora Vozes, 2021]


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