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Sartre (SNc:535) – ser para poder ter

quinta-feira 30 de julho de 2020

  

Paulo Perdigão

Ter, fazer e ser são as categorias cardeais da realidade humana. Classificam em si todas as condutas do homem. O conhecer, por exemplo, é uma modalidade de ter. Essas categorias não carecem de conexões mútuas, e muitos autores insistiram em tais relações. Foi uma relação dessa espécie que Denis de Rougemont deixou clara ao escrever em seu artigo sobre Don Juan: "Ele não era suficientemente o seu próprio ser para poder ter". E é também semelhante conexão que transparece quando mostramos um agente moral que faz para se fazer e que se faz para ser.

Todavia, tendo triunfado na filosofia moderna a tendência antissubstancialista, a maioria dos pensadores tentou imitar no campo das condutas humanas aqueles predecessores que, em física, haviam substituído a substância pelo simples movimento. O objetivo da moral foi por longo tempo prover o homem com o meio de ser. Tal era a significação da moral estoica ou da Ética de Spinoza  . Mas, se o ser do homem há de reabsorver-se na sucessão de seus atos, a meta da moral já não será elevar o homem a uma dignidade ontológica superior. Nesse sentido, a moral kantiana é o primeiro grande sistema ético que substitui o ser pelo fazer como valor supremo da ação. Os heróis de L’Espoir [1] estão quase sempre no terreno do fazer, e Malraux nos mostra o conflito entre os velhos democratas espanhóis, que ainda tentam ser, e os comunistas, cuja moral se resolve em uma série de obrigações precisas e circunstanciadas, cada uma visando um fazer particular. Quem tem razão? O valor supremo da atividade humana é um fazer ou um ser? E, qualquer que seja a solução adotada, que será do ter? A ontologia deve poder informar-nos sobre esse problema; é, além disso, uma de suas tarefas essenciais, se o Para-si é o ser que se define pela ação. Portanto, não devemos concluir esta obra sem esboçar, em seus grandes traços, o estudo da ação em geral e das relações essenciais entre o fazer, o ser e o ter. [SNc  , p. 535]

Original

Avoir, faire et être sont les catégories cardinales de la réalité humaine. Elles subsument sous elles toutes les conduites de l’homme. Le connaître, par exemple, est une modalité de l’avoir. Ces catégories ne sont pas sans liaison entre elles, et plusieurs auteurs ont insisté sur ces rapports. C’est une relation de cette espèce que Denis de Rougemont met au jour lorsqu’il écrit dans son article sur DonJuan : « II n’était pas assez pour avoir. » Et c’est encore une semblable liaison qu’on indique lorsqu’on montre un agent moral faisant pour se faire et se faisant pour être.

Cependant, la tendance antisubstantialiste ayant vaincu dans la philosophie moderne, la plupart des penseurs ont tenté d’imiter sur le terrain desconduites humaines ceuxde leurs prédécesseurs quiavaient remplacé en physique la substance par le simple mouvement. Le but de la morale a été longtemps de fournir à l’homme le moyen d’être. C’était la signification de la morale stoïcienne ou de l’Ethique de Spinoza. Mais si l’être de l’homme doit se résorber dans la succession de ses actes, le but de la morale ne sera plus d’élever l’homme à une dignité ontologique supérieure. En ce sens, la morale kantienne est le premier grand système éthique qui substitue le faire à l’être comme valeur suprême de l’action. Les héros de L’Espoir sont pour la plupart sur le terrain du faire et Malraux nous montre le conflit des vieux démocrates espagnols, qui tentent encore d’être, avec les communistes dont la morale se résout en une série d’obligations précises et circonstanciées, chacune de ces obligations visant unfaire particulier. Qui a raison ? La valeur suprême de l’activité humaine est-elle un faire ou un être ? Et, quelle que soit la solution adoptée, que devient l’avoir ? L’ontologie doit pouvoir nous renseigner sur ce problème ; c’est d’ailleurs une de ses tâches essentielles, si le pour-soi est l’être qui se définit par l’action. Nous ne devons donc pas terminer cet ouvrage sans esquisser, dans ses grands traits, l’étude de l’action en général et des relations essentielles du faire, de l’être et de l’avoir.


Ver online : Jean-Paul Sartre


[1MALRAUX, André. L’Espoir (1937), (N. do T.)