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Patocka (1983:177-178) – problema da manifestação

sexta-feira 13 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Ora, nossa tese inicial era a seguinte: o problema da manifestação é mais profundo, mais fundamental, mais original que o problema do ser. Simplesmente porque só posso chegar ao problema do ser por meio do problema da manifestação, ao passo que se parto do problema do ser no sentido abstrato do termo, o conceito de ser se torna para mim um conceito abstrato, algo como um signo puramente formal; nem mesmo uma categoria, mas algo que está acima das categorias no sentido de que é inteiramente desprovido de conteúdo. As categorias são sempre determinadas do ponto de vista do conteúdo, enquanto o ser é um transcendental puro e simples, ainda mais geral do que as categorias. A partir desse ponto de vista, torna-se impossível para mim dar vida, de qualquer forma que seja, ao problema do ser. Para mim, ele se torna uma questão puramente formal, sujeita à crítica dos lógicos que dirão: Isso é apenas uma palavra, um συνσημαντικόν, algo que tem significado apenas em correlação com outros termos, mas cujo significado concreto desaparece inteiramente. Em suma — der langen Rede kurzer Sinn — é por essa razão que somente o problema da manifestação dá ao problema do ser seu significado e profundidade adequados.

Alguém poderia objetar da seguinte forma: é claro que a manifestação nos leva a concretizar o sentido do ser, mas a manifestação das coisas pressupõe algo no interior do qual ela se manifesta, pressupõe características de dado. É somente dentro dessas características de dado — como presença em pessoa, dação não originária, acessibilidade não originária, intuição pura e simples, dação não intuitiva, etc. — que nosso sentido do ser pode "fazer sinal de sua via". É claro que somente o fato de que o que é expresso nesses caracteres é algo mais profundo — nosso sentido do ser — dá a tudo isso uma estrutura coerente. Mas o estudo dos caracteres de dado e de todo este aparato pelo qual damos a entender qual nossa situação exata em relação ao que é, é algo de primário cuja tarefa é nos informar sobre o ser no sentido próprio do termo e sobre suas possibilidades de manifestação. Além disso, aqui parece que não apenas o ente, mas também o quase-ente se manifestam para nós, que o ente se mostra como o que é e também como o que não é, donde a possibilidade do problema da verdade. Pois a verdade, como já disse Aristóteles, reside no fato de que, por meio de nossa compreensão, apreendemos sinteticamente o que é, de maneira a reunir o que se acorda e a desunir o que não se acorda.

Tudo isso mostra que o estudo da aparição, embora inseparavelmente ligado ao estudo do ser, tem, no entanto, uma certa autonomia própria. O mesmo se aplica ao problema do tempo. Heidegger   percebeu, com razão e profundidade, que o tempo é algo que, sem ter sido tematizado, mas por uma espécie de necessidade instintiva, sempre foi considerado o horizonte dentro do qual o ente se determina, se descobre e se define. Mas o horizonte é outra coisa que não a própria coisa que é descoberta no horizonte. O ser não pode se mostrar a nós sem o tempo, mas o ser não é o tempo e o tempo não é o ser.


Ver online : Jan Patocka


PATOCKA, Jan. Platon et l’Europe. Tr. Erika Abrams. Paris: Verdier, 1983