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Patocka (1995:14-16) – efetuação da experiência

sábado 14 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Se não estou enganado, o tema cartesiano não é o ponto de partida, mas sim um ponto de passagem para a fenomenologia. O princípio fundamental com base no qual a fenomenologia chega ao cartesianismo é o conhecido princípio do mostrar-se, o princípio que nos compromete a acolher o aparecimento como tal, na medida em que é dado, mas sem ultrapassar os limites do presente dado. "Acolher as coisas como elas se dão", sem introduzir nada estranho, não é uma atitude fácil de se alcançar. Os positivistas, que foram os primeiros a fazer da "experiência pura" um requisito, projetaram toda a estrutura das modernas ciências matemáticas da natureza na "experiência sensível". Devemos primeiro aprender a compreender os fenômenos como sentido da experiência, e não conceber a experiência como apenas mais um processo objetivo, pois isso seria uma ofensa ao princípio fundamental desde o início. O sentido deve ser intuído ao olharmos para o que é, e não imposto de fora. Só então poderemos responder a ele, ou seja, penetrar em seu âmago. Devemos ser capazes de acompanhar a construção do sentido, descobrir suas relações internas e suas referências em sua relatividade; isso deve ser possível, em princípio, sempre de novo — ou seja: o fenômeno, aquilo que se dá a si mesmo, é uma efetivação esclarecida de nossa experiência. Para garantir metodicamente essa efetivação, recorremos a procedimentos especiais, como a "redução fenomenológica", ou seja, a redução à consciência pura que, não estando vinculada a nenhum pressuposto "mundano", é absolutamente efetiva e da qual todo sentido deve ser, em última análise, a realização. É aqui que o tema cartesiano entra em ação, em uma forma totalmente original, como uma distinção entre dois sentidos do ente — o ser relativo do objeto e o ser absoluto da consciência. Ao levar isso adiante, a fenomenologia por um tempo realmente levou a um espiritualismo da consciência absoluta que efetua todo o ser enquanto seu sentido, "efetuar" aqui tendo o significado de "criar".

No fundo, entretanto, o que está em jogo é o sentido da experiência, nossa liberdade para a verdade, a possibilidade de olhar para o que é e ver o que é. Em relação a esse objetivo, a consciência absoluta é o que está em jogo. Em relação a esse objetivo, a concepção absoluta de efetivação vai longe demais. Pode-se perguntar se tal garantia de verdade, tal efetivação de sentido enquanto capaz de intuição e vinculação, mas não, como no processo da natureza, simplesmente produzida causalmente, é possível exclusivamente ao se embarcar no caminho de uma autoconsciência absoluta que reflexivamente se agarra a si mesma e produz o mundo como seu sentido sustentado de forma unitária. Também pode ser chamada de "efetuação de sentido", ou seja, a compreensão principial dos fenômenos do ente, dos seres humanos e dos animais, das coisas de nosso uso e do mundo cultural, dos objetos da natureza e dos signos, em sua edificação e na possibilidade de experimentá-los, sem que tudo isso fosse relacionado a um sujeito absoluto, mas colocando-o em relação ao sujeito que compreende a si mesmo em sua finitude. Adquirir essa compreensão principial de si mesmo seria, portanto, uma tarefa que precede as investigações no terreno da consciência pura.

Se esse é de fato o caso, se a efetuação da experiência deve ser entendida no sentido de uma subjetividade finita, surge imediatamente a questão das relações dessa subjetividade com outros entes finitos. Quais devem ser essas relações se a liberdade para a verdade e a abertura autêntica para as coisas não devem ser prejudicadas? Já em Husserl  , a fenomenologia vê que a finitude está intimamente ligada à corporeidade, e que o sujeito finito é sempre um sujeito corporificado, inserido e unido ao mundo por um corpo próprio. É claro que essa relação com o mundo nunca pode ser definida como uma relação de causa e efeito, no sentido das ciências naturais, mas, no máximo, como uma relação motivacional que se permite ser determinada por impulsos provenientes do dado. Husserl não vai tão longe a ponto de conceber a dependência do corpo como uma finitude definitiva que nunca pode ser penetrada pelo olhar da consciência, que está fechada, em princípio, para a elucidação na consciência e, consequentemente, não pode ser recapturada na reflexão.

Os fenomenólogos franceses, guiados, sem dúvida, pelo menos em parte, pelo exemplo de Maine de Biran  , têm outra maneira de ver e trabalhar. Seu ponto de vista sobre a relação entre o corpóreo e o subjetivo poderia ser ilustrado, grosso modo, por uma analogia, tomando como exemplo a linguagem e os objetos culturais, como a louça. A linguagem é impossível por si só, sem algo externo ao qual ela esteja ligada em sua expressividade. Embora também exija a faculdade subjetiva de distanciamento abstrato como a aquisição de sentidos, a linguagem é, acima de tudo, uma objetividade na qual nos encontramos, que a criança gradualmente compreende à medida que cresce e que é mantida por nossa fala, por atos de fala. São esses atos de fala, nos quais a linguagem toma forma (sich verkorpert) e que são como os gestos do corpo vivo, que tornam possível a interioridade, ou seja, o pensamento, o julgamento em seu sentido pleno. O interior subjetivo depende desse exterior, sem o qual seria impossível, sem o qual não poderia alcançar seu pleno desenvolvimento. O subjetivo é sempre direcionado a objetos, a algo externo, mas, ao mesmo tempo, só é possível na medida em que depende de um exterior. Em muitos objetos culturais — nosso exemplo foram xícaras e pratos —, certos gestos humanos fundamentais são, por outro lado, como que concretizados, transformados em objetos sólidos; é somente confiando nessas concretizações que a vida pode receber uma forma que a torna humana. Assim, objetividades como a linguagem, originadas em uma doação subjetiva de sentido, condicionam o surgimento de uma vida subjetiva superior. Dessa forma, os corpos físicos, como os objetos culturais, produzidos pela subjetividade que cria e dá sentido, revelam suas possibilidades mais profundas nessa mesma produção — sem essa fixação de nossos gestos, a dimensão da arte, por exemplo, provavelmente nunca teria sido descoberta. Mas esses não são processos naturais que só podem ser observados e registrados; pelo contrário, eles são parte integrante de nossa história, nossa motivação, nosso dom de sentido. Aqueles que sonhavam com uma história natural das artes e dos ofícios, seguindo o modelo da biologia, não poderiam estar mais equivocados.


Ver online : Jan Patocka


[PATOCKA, J. Papiers phénoménologiques. Erika Abrams. Grenoble: J. Millon, 1995, p. 14-16]