Página inicial > Nietzsche, Friedrich > Giacóia (2021:32-34) – sentimentos e afetos
Giacóia (2021:32-34) – sentimentos e afetos
terça-feira 27 de fevereiro de 2024, por
“‘Mas, se tudo é necessário, como posso eu dispor de minhas ações’? O pensamento e a crença são uma gravidade que, ao lado de todos os outros pesos, exercem pressão sobre ti e mais do que eles. Tu dizes que o alimento, o lugar, o ar, a sociedade te modificam e determinam? Ora, tuas opiniões fazem-no ainda mais, pois elas te determinam a esse alimento, lugar, ar, sociedade. — Se tu incorporas o pensamento dos pensamentos, então ele te transformará. A [32] propósito de tudo, a pergunta: ‘isto é de tal maneira que eu o quero fazer inumeráveis vezes?’ é a maior gravidade”. [1] Em face de textos—chave como este, impõe-se a associação entre as noções de peso e gravidade, com a ambiência afetiva em torno da seriedade (Ernst —que ocupa um lugar central na genealogia dos ideais ascéticos); como circunspecção, a seriedade carrega consigo um sentimento de pesar adstrito ao passado, que, em seu todo, se torna cativo desta disposição geral de ânimo. Nas malhas desta rede semântica, a seriedade é, então, decodificada como gravidade, e remetida a pesar, a arrependimento e remorso, a afetos aflitivos, opressivos e angustiantes, à procura de resolução.
Já no período de composição de Aurora, à vista da alternativa teórica entre determinismo e liberdade, Nietzsche se preocupava com o sentido ético de sua obra: se, como pareciam indicar as ciências da natureza, tudo o que ocorre é resultado de uma necessidade inflexível, então que sentido pode ter qualquer pretensão ética? Já em anotações preparatórias para Aurora e depois transpostas para o interior do livro, Nietzsche reflete intensamente sobre essa questão. Por detrás de nossos pensamentos, conceitos e fundamentações, escreveu ele então, encontram-se sentimentos e afetos, inclinações e aversões; mas, também por detrás dos sentimentos e afetos encontram-se, por sua vez, juízos. Sendo assim, argumentar com sentimentos não implica demonstrar algo determinante em derradeira instância, pois sentimentos nada têm de originário: por detrás deles encontram-se sempre, segundo Nietzsche, juízos e apreciações, cuja protoforma são inclinações e aversões incorporadas e herdadas. [33]
Sentimentos e afetos são, pois, netos de juízos — com frequência de falsos juízos, e, em todo caso, não de juízos que nos sejam próprios [2]. Por essa razão, pela qual se torna imprescindível uma terapia dos afetos, capaz de conduzir a uma reforma do entendimento, com capacidade de retroação sobre a esfera emocional dos sentimentos —tudo isso com vistas a uma descoberta de Si, um retorno a um autêntico Si-Mesmo. Na filosofia madura de Nietzsche, esse despertamento tomará a forma do tornar-se quem se é, condição na qual figura como subtítulo de Ecce Homo.
Ver online : Oswaldo Giacóia Jr.
GIACÓIA Jr., Oswaldo. Ressentimento e Vontade. Para uma Fisio-Psicologia do Ressentimento em Nietzsche. Rio de Janeiro: Via Verita, 2021
[1] “Aber wenn alles nothwendig ist, was kann ich über meine Handlungen verfügen?1” Der Gedanke und Glaube ist ein Schwergewicht, welches neben allen anderen Gewichten auf dich drückt und mehr als sie. Du sagst, daß Nahrung Ort Luft Gesellschaft dich wandeln und bestimmen? Nun, deine Meinungen thun es noch mehr, denn diese bestimmen dich zu dieser Nahrung Ort Luft Gesellschaft. — Wenn du dir den Gedanken der Gedanken einverleibst, so wird er dich verwandeln. Die Frage bei allem, was du thun willst: ‘ist es so, daß ich es unzählige Male thun will?’ ist das größte Schwergewicht”. Nietzsche, F. Fragmento Inédito de 1881, n° 11 [143]). In: Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. G. Colli; M. Montinari. Berlin; New York; München: de Gruyter; DTV. 1980. Band 9; p. 496.
[2] Cf. Morgenröte (Aurora). Aforismo n° 34; 35. In: Nietzsche, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. C. Colli; M. Montinari. Berlin; New York; München: de Gruyter; DTV. 1980. Band 3, s. p. 42s. Trad. bras. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 35.