A “mesmidade” valendo para as coisas (pergunta O quê?), cujo modo de ser em termos heideggerianos é a Vorhandenheit (“o ser-sob-a-mão” no léxico de E. Martineau). [LiberaAS:44 Nota]
Do ponto de vista da reflexão, e se não saio do fato de consciência, nenhum fundamento a esta proposição poderia encontrar: eu sou uma coisa que pensa, porque estaria faltando que o pensamento fosse sentido ou advertido como o modo fundamental ou o atributo imanente da substância, de modo que houvesse na consciência uma verdadeira dualidade, ou uma referência a dois termos distintos, dos quais um seria a substância e o outro o modo ou atributo. Certamente, o fato de consciência não nos manifesta nada parecido. Enquanto digo eu e dou-me testemunho de minha própria existência, sou para mim mesmo não uma coisa ou um objeto, do qual afirmo a existência dando-lhe por atributo o pensamento, mas um sujeito que se reconhece e afirma-se em sisi mesmo sua existência, na medida em que se dá conta interiormente ou pensa. Esta apercepção ou este pensamento interior, constituindo toda a existência do sujeito, não pode ser atributo de outro sujeito anterior, já que, fora do eu, nada há para a consciência; menos ainda pode ser atributo de um objeto, porque ainda não há objeto. A fórmula: eu sou uma coisa pensante, implica, pois, contradição com o fato primário, e é preciso sair deste fato, ou empregar outra faculdade, para dar-lhe o sentido de uma proposição lógica, universal, necessária. Não seria preciso, no entanto, concluir que o fato de consciência está reduzido a um só termo, o sujeito absoluto. Faremos ver, pelo contrário, que há uma verdadeira dualidade, ou uma relação com dois termos de natureza homogênea. Tudo o que está na consciência, o está a título de relação; e para que uma relação esteja na consciência, é necessário que seus dois termos estejam igualmente, se não como substância e atributo, pelo menos como causa e efeito.
(…)
O sujeito metafísico propriamente dito não pode ser concebido como uma coisa, e toda a dificuldade que há para compreender o valor do sujeito eu, por meio do ato de reflexão, consiste precisamente em que é preciso excluir toda ideia de coisa ou objeto, o que contraria todos os hábitos da imaginação.
(Essai sur les fondements de la psychologie et sur ses rapports avec l’étude de la nature, parte I, seção 1.a, cap. I, 1.°) [Maine de Biran]