Esforcemo-nos por penetrar mais profundamente na natureza do ser que conhece. Se compararmos os dois modos precedentes de recepção das formas, seremos levados a dizer que: enquanto na recepção subjetiva há como que um encerramento da forma pelo sujeito que lhe confere assim um ser determinado, “esse determinatum”, na recepção objetiva nada de semelhante se produz, o que faz com que a forma não receba “esse determinatum”. Ora, é um princípio geral em hilemorfismo que a forma é encerrada ou determinada pela matéria: “coarctatio formae est per materiam”. Segue-se que, para um sujeito estar em condições de receber uma forma sem a encerrar em seus limites ou sem a determinar, é necessário que seja imaterial. Donde se conclui que a imaterialidade é para uma coisa aquilo que a situa no nível do conhecimento:
“Patet igitur immaterialitas alicujus rei est ratio quod sit cognoscitiva”. S. Th. Ia Pa, q. 14, a. 1
O que se deve entender aqui por imaterialidade? Não certamente a simples carência de matéria física, pois neste caso os anjos que, como Deus, não têm matéria física alguma, estariam no mesmo nível noético que Ele Imaterialidade é aqui co-extensiva a não-potencialidade: assim, por esta expressão afasta-se tudo o que é imperfeição no ser. Se, todavia, preferimos falar aqui de imaterialidade, é porque a inteligência humana, elevando-se no conhecimento por abstração da matéria, faz com que a escala de elevação dos seres no conhecimento apareça, ao nosso ponto de vista, na linha dessa noção.
Outra precisão: o termo imaterialidade não tem aqui uma significação puramente negativa, designa também uma perfeição de ser. Assim Tomás de Aquino, em diversas passagens, liga a intelectualidade à atualidade: “toda coisa é inteligível pelo fato de estar em ato (Ia Pa, q. 12 a. 1)… conforme o modo de ser de seu ato (Ia Pa, p. 14, a. 12) “. Tais fórmulas apenas retomam, sob um modo positivo, a verdade precedente. Dizer que um ser é inteligível na medida em que é imaterial ou pelo fato de estar em ato é, no fundo, a mesma coisa.
Convém acrescentar, enfim, que a imaterialidade, de que se trata aqui, concerne tanto ao sujeito como ao objeto do conhecimento: quanto mais um ser é imaterial ou em ato, tanto mais é inteligível e, correlativamente, mais é elevado na hierarquia das inteligências. Uma restrição, todavia, se impõe, pois é claro que nos graus inferiores da escala dos seres encontramos muitos objetos de conhecimento, e que, semelhantemente, entidades puramente espirituais, tais como a vontade, não conhecem. Outras condições portanto impõem-se para o sujeito. [Gardeil]