Filosofia – Pensadores e Obras

modelo

(in. Model; fr. Modèle, al. Modell; it. Modelló).

1. Uma das espécies fundamentais de conceitos científicos (v. conceito), mais precisamente o que consiste na disposição caracterizada pela ordem dos elementos de que se compõe, e não pela natureza desses elementos. Por isso, dois modelo são idênticos se a relação de suas ordens puder ser expressa como correspondência biunívoca, ou seja, tal que a um termo de um corresponda um, e apenas um, do outro, e que a cada relação de ordem entre os elementos de um corresponda idêntica relação entre os elementos correspondentes do outro. O cálculo numérico ordinário é o melhor exemplo de correspondência biunívoca: se, de um lado, houver cinco livros e, de outro, cinco lápis, essas duas séries de objetos podem ser alinhadas na mesma ordem ou os objetos podem ser colocados um sobre o outro. Do mesmo modo, a série dos números inteiros tem correspondência biunívoca com os números pares, e assim por diante. Para ser útil, um modelo deve ter as seguintes características: 1) simplicidade, para que seja possível sua definição exata; 2) possibilidade de ser expresso por meio de parâmetros suscetíveis de tratamento matemático; 3) semelhança ou analogia com a realidade que se destina a explicar.

Os modelo mecânicos pareciam indispensáveis à ciência do séc. XIX, mas hoje diferentes disciplinas utilizam modelo puramente teóricos: economia (que utiliza jogos), psicologia, biologia, antropologia (cf. Hempel, Aspects of Scientific Explanation, 1965, p. 445 e nota 28). Lévi-Strauss considerou a estrutura como um modelo desse gênero, para a explicação dos fatos sociais (Anthropologie structurale, 1958, cap. XV).

2. O mesmo que arquétipo. [Abbagnano]


A noção de modelo é empregada em vários sentidos: o sentido formal (“matemático”), o sentido operacional, o sentido epistemológico. Todos esses empregos possuem características em comum, de modo que procuraremos mostrar as principais diferenças e as principais semelhanças envolvidas. O modelo como formalismo. A estrutura formal de um sistema matemático define sua sintaxe; nos formalismos mais rigorosos, nenhum dos objetos envolvidos é “explicado” fora do sistema; a significação de cada um dos termos da estrutura é é dada por suas relações aos diversos outros termos. Mas estruturas formais podem ser “interpretadas” através de modelos; quando construímos um modelo para dada estrutura, associamos a cada elemento (“sem significado”) na estrutura um certo significado. O modelo é a “base” semântica para uma dada estrutura. Dar exemplos não é simples, em virtude da própria dificuldade da linguagem envolvida, mas duas situações, pelo menos, podem nos esclarecer a respeito das diferenças entre “estrutura’’ e “modelo”. Uma álgebra de Boole é um conjunto de objetos possuindo certas “leis internas de composição” e relacionados por alguns axiomas formalmente apresentados. O significado destes objetos e destas leis será dado quando “interpretarmos” através de um modelo a estrutura de álgebra de Boole: ela poderá “ser” uma álgebra de conjuntos (e então os objetos serão “conjuntos”, e as leis internas serão “uniões”, “interseções”, e análogas) ou poderá ser uma lógica proposicional (e então os objetos serão “proposições”, e as leis internas serão dadas pelos conectivos lógicos), ou poderá ser ainda uma série de outras teorias matemáticas que possuem, em certo nível, estrutura booleana (isto é, que podem, de certa maneira, ser modelos para uma estrutura de álgebra de Boole). O segundo exemplo é mais físico. A análise linear estuda objetos que, dentro do formalismo, ganham os nomes de “vetor”, “espaço vetorial”, “transformação linear”, “transformada de Laplace”, ‘transformada de Fourier”. Uma equação diferencial linear, resolvida pelas técnicas da análise linear, oferece como solução uma função linear, possuindo determinadas características. Agora, esta equação diferencial pode, se interpretarmos convenientemente os seus termos, ser um “modelo” de um processo físico — por exemplo, de um determinado circuito elétrico. Algumas vezes, à mesma equação correspondem processos físicos inteiramente “diferentes” na sua natureza “material” — a esta mesma equação diferencial poderemos, na maioria das vezes, associar um sistema mecânico. Qual a relação que têm entre si o sistema elétrico e o sistema mecânico associados à mesma equação diferencial? São ambos modelos da mesma estrutura, e, dentro das relações desta estrutura, um pode “representar” o outro. Assim, o funcionamento de um circuito elétrico pode ser “explicado” pelo funcionamento do circuito hidráulico associado, mostrando-se como à corrente elétrica vai corresponder o escoamento da água; como às resistência elétricas corresponderão resistências mecânicas (estreitamentos de tubulação, atritos), e assim em diante.

Modelos desta espécie possuem uma séria desvantagem; tratam-se de sistemas conceitualmente “fechados”, isto é, que falham ou que não explicam um grande conjunto de fenômenos — característicos dos circuitos elétricos ou de sistemas mecânicos, — mas que não se enquadram, ou se enquadram marginalmente, no modelo. Por exemplo, a teoria das resistências elétricas está fundada em alguns fenômenos e processos que a mecânica quântica explica, mas que o modelo linear para os circuitos elétricos ignora. Por outro lado, o problema das resistências hidráulicas pode ser compreendido dentro da mecânica estatística. A correspondência — o isomorfismo — entre os dois modelos termina quando começa a análise dos fenômenos realmente básicos aos processos em consideração.

O modelo operacional. Por que ignorarem-se estes processos fundamentais? Em nome da eficácia dos diiversos modelos. Não é simples mostrarmos o que seja esta “eficácia”. A teoria da relatividade restrita trata, como o seu próprio nome diz, de um conjunto limitado de fenômenos — os que podem ser descritos em referenciais cartesianos movendo-se uns paralelamente aos outros com velocidades uniformes. Também a equação de ondas de Schrödinger, que fundamenta toda a mecânica quântica elementar, foi desenvolvida para sistemas “clássicos”, isto é, sistemas que não tomam em consideração fenômenos relativísticos (e por causa desta exclusão, o fenômeno do spin do elétron tem que ser postulado, dentro do formalismo de Schrödinger — embora na teoria relativista de Dirac o spin surja naturalmente). No entanto, nenhuma destas teorias se vê como um “momento último” da explicação dos processos tratados quando certos fenômenos são consciente e claramente excluídos. A teoria da relatividade restrita teve seu seguimento natural dez anos após sua exposição, com a relatividade geral — que incluía os fenômenos de gravitação não tratados pela relatividade restrita; o formalismo de Schrödinger foi ampliado por ideias de Pauli, pela equação de Klein-Gordon, e finalmente pela equação de Dirac. Mas esta “ampliação” incluiu apenas a relatividade restrita; ainda estão em aberto as extensões propostas da equação quântica de ondas para a relatividade geral. O que isto nos mostra é o seguinte: a atividade científica só se reconhece como criando “modelos” da realidade nos momentos em que aspectos desta realidade são claramente excluídos da construção teórica. No mais, toda teoria científica se pretende uma ontologia rigorosa do fenômeno tratado. E ainda: uma ontologia fenomenológica, ou seja, uma ontologia que procura mostrar, indicar, esclarecer a natureza do fenômeno tratado. Toda teoria científica pretende ir “além” da linguagem (ou do formalismo) na qual ela se baseia.

É este compromisso com o que está “além” do formalismo que separa toda técnica de uma atividade científica. E é ao mesmo tempo este compromisso que reintegra, na noção de ciência os sentidos grego e escolástico da palavra. A técnica se restringe ao formalismo, apesar de suas limitações, e não compreende a atividade científica como um encontro sucessivo, e sempre mais profundo, de realidades. Ao contrário, diante de um modelo que não “cobre” perfeitamente a realidade, a técnica aceita as limitações impostas e se volta para o aspecto utilitário do modelo — que não é afetado pela descoberta do que o limita, desde que fiquemos dentro do “campo de aplicação” do modelo. A visão tecnicista, operacionalista do modelo será naturalmente levada a ver um corte entre “modelo” e “realidade descrita”, o que se extrapola (ilegitimamente, desde que nada justifica, a princípio,” tal extrapolação) para o corte metafísico entre a “linguagem” e o “mundo”. Assim, por exemplo, a pesquisa operacional se recusa a tentar um esclarecimento dos processos econômicos, limitando-se a descrevê-los regionalmente através de equações que a econometria lhe fornece (certas técnicas sofisticadas podem mostrar, desta forma, uma correspondência entre variáveis macroeconômicas e o movimento de um índice de preços da Bolsa de Valores); no entanto, estas técnicas fecham os olhos ao fato dos preços só mostrarem esta correspondência porque os operadores das Bolsas de Valores tacitamente concordam em jogar um jogo irracional mas ‘economicamente sadio’. O modelo operacional — que reconhece esta irracionalidade básica do jogo econômico — se recusa a perguntar pelos motivos que levam as pessoas a jogar um jogo irracional. Esta recusa é, ao mesmo tempo, uma atitude não-científica e uma atitude “eficaz”).

Assim sendo, o erro compreendido operacionalmente é muito diverso do erro compreendido numa ciência. O erro (isto é, a diferença muito grande entre a previsão dada pelo modelo e o acontecimento real) compreendido operacionalmente mostra apenas um limite à aplicabilidade do modelo; é uma restrição. O erro dentro de uma ciência é, ao contrário, a revelação de uma nova realidade além da linguagem na qual estamos agora, e um convite a que reestruturemos a nossa linguagem de modo a torná-la uma fenomenologia do processo (momentaneamente) errado.

Epistemologia do modelo. Dentro da ideia de atividade científica exposta, há três espécies de modelos. O primeiro é o modelo não formalizado; o segundo é o que poderíamos impropriamente chamar “modelo qualitativo”; o terceiro constitui o modelo quantitativo usual. Toda fenomenologia dada numa linguagem não formalizada constitui um modelo da primeira espécie. Em geral, estes modelos fundamentam modelos formais — a fenomenologia que justifica as transformações de Lorentz da relatividade restrita (i. e., o sistema de equações que caracterizam matematicamente a relatividade restrita) é dada na discussão (fenomenológica) feita por Einstein no primeiro terço de seu trabalho de 1905, dos conceitos de “espaço”, “tempo”, simultaneidade”. Mas ao mesmo tempo um modelo puramente informal pode não apontar para um formalismo — como é o caso das análises de Freud ou da analítica de existência de Heidegger . Todos esses modelos, no entanto, revelam realidades e “abrem” ou “iluminam” caminhos a serem seguidos futuramente, o que lhes dá status científico em nosso sentido lato. Os modelos qualitativos são exemplificados pela representação de processos químicos através de equações químicas não “balanceadas”. A cada termo numa equação química vai corresponder um certo composto, e há uma espécie de “álgebra” de equações químicas, pela qual podemos somá-las (não subtraí-las, se não balanceadas!), realizar substituições, e operações semelhantes, chegando a novas equações sobre novos processos químicos. A estrutura dessa álgebra das equações químicas se aproxima da estrutura da lógica proposicional. Finalmente os modelos quantitativos são os modelos usuais que preveem, numericamente, o comportamento de certo fenômeno. Deles demos os exemplos acima.

A epistemologia desenvolvida neste verbete pretende responder às dificuldades anteriormente expostas a respeito das relações entre a “linguagem” e o “mundo”. (Francisco Doria – DCC)