Filosofia – Pensadores e Obras

milagre

(do lat. mirari, espantar-se), fenômeno que não se explica por causas naturais. — No tempo de Descartes, não se achava explicação para o arco-íris, considerado por isso um milagre, uma manifestação divina; nesse sentido, a esfera dos milagres tende a se retrair com o progresso da ciência; a ciência atômica explica até mesmo a transmutação dos corpos. O verdadeiro milagre, contudo, do ponto de vista religioso, não é o exterior e sim o interior, o milagre da graça, do arrependimento e da conversão espiritual. Neste sentido estrito e rigoroso, a existência ou a não-existência do milagre não teria nenhuma relação com os progressos do determinismo nas ciências. [Larousse]


(gr. teras; lat. miraculum; in. Miracle; fr. Miracle; al. Wunder; it. Miracoló).

Fato excepcional ou inexplicável, considerado como sinal ou manifestação de uma vontade divina. Esta era a noção de milagre na Antiguidade clássica (p. ex., Ilíada, II, 234; Odisseia, III, 173; XII, 394, etc.) e a que predominou na Idade Média, sendo assim expressa por Tomás de Aquino: “No milagre podem ser notadas duas coisas: uma é o que acontece, que é certamente algo que excede a faculdade da natureza, e neste sentido os milagre são chamados de potências (virtudes); a segunda é a razão pela qual os milagre acontecem, ou seja, a manifestação de algo de sobrenatural; neste sentido, os milagre são chamados comumente de sinais, enquanto são chamados de portentos pela sua excelência e de prodígios porque mostram algo de distante” (S. Th., II, 2, q. 178, a. 1, ad 3a).

Quando se começou a insistir na ordem necessária da natureza — como ocorreu com o averroísmo medieval, com o aristotelismo renascentista e, principalmente, com a primeira afirmação da ciência moderna —, o milagre começou a ser considerado “exceção” a essa ordem, portanto negado como tal ou reduzido a acontecimento incomum, mas concorde com a ordem natural. No livro Sugli incantesimi, Pomponazzi, p. ex., negava que os milagre fossem acontecimentos contrários à natureza e estranhos à ordem do mundo, admitindo-os apenas como fatos insólitos e raríssimos, que não acontecem segundo o ritmo habitual da natureza, mas a intervalos muito longos; esses fatos, porém pertencem à ordem natural, pela qual são determinados (De incantationibus, 12). Spinoza, por sua vez, afirmava que, “contra a natureza ou acima da natureza, milagre não passa de absurdo, e que, na Sagrada Escritura, só é possível entender por milagre a obra da natureza que supera a inteligência dos homens ou que acredita superar” (Tractatus theologico-politicus, cap. 6). Para Spinoza, Deus era mais bem conhecido graças à ordem e à necessidade da natureza do que por pretensos milagre Mas Hume, que parte de uma concepção completamente diferente, também nega a possibilidade do milagre: “O milagre é uma violação das leis da natureza, e, como essas leis foram estabelecidas por uma experiência fixa e inalterável, a prova contra o milagre, extraída da própria natureza do fato, é tão completa quanto se pode imaginar que o seja um argumento extraído da experiência” (Inq. Conc. Underst., X, 1). Todas as limitações que o conceito de lei natural sofreu a partir de Hume não facilitaram a noção de milagre do ponto de vista da ciência e da filosofia.

Mas talvez se trate de uma noção que, do ponto de vista religioso, não oferece menor dificuldade. Kierkegaard diz: No fundo, usar toda a sagacidade (como faz Lessing ao publicar os Fragmentos de Wolfenbütteln) na comprovação do absurdo e da inverossimilhança do milagre para depois concluir a partir do fato de ser inverossímil: ergo, não é milagre (mas seria mesmo milagre se fosse verossímil?), é tão insensato quanto (e é esta a sabedoria da especulação) esforçar-se por compreender o milagre ou por torná-lo compreensível, concluindo finalmente: ergo, é um milagre Um milagre compreensível não é mais um milagre Não, o milagre continua sendo o que é: artigo de fé” (Diário, X1, A, 373). Desse ponto de vista obviamente ruem as objeções contra o milagre, mas ele deixa de ser, a qualquer título, objeto da pesquisa científica e filosófica. [Abbagnano]