estudo dos métodos de conhecimento que são praticados nas ciências. — Kant, e após ele Hermann Cohen (escola de Marburgo) inauguraram a epistemologia moderna e destacaram os princípios e os métodos da física de Newton. A teoria das ciências foi completada por Ernst Cassirer (em Erkenntnisproblem, Problemas do conhecimento na filosofia e a ciência dos novos tempos); por Leon Brunschvicg, que pôs em relevo (em As etapas da filosofia matemática) as formas do pensamento matemático, notadamente o caráter infinitamente criador do pensamento conceituai; e por Jules Vuillemin (na Filosofia da álgebra, 1962) que, inspirando-se nos trabalhos de Cavaillès sobre o axiomático e o formalismo algébrico, retraça a história dos diferentes métodos de análise matemática. Contudo, é Bachelard o maior epistemólogo francês, o teórico da ciência moderna (em O novo espírito científico, 1934); ele demonstra que o pensamento racional, o esforço de sistematização precedem o contato com a experiência, mas que a experiência faz sempre eclodir todas as nossas sistematizações racionais: tal é o sentido do racionalismo aplicado (1949). A epistemologia permite-nos, a grosso modo, distinguir duas formas fundamentais de conhecimentos: 1.° os conhecimentos “sensualistas” quanto à sua gênese, “empiristas” quanto a seu método, “realistas” quanto a seu fundamento; 2.° os que são respectivamente “racionalistas”, “intelectualistas” e “idealistas”. Digamos, enfim, que a redução da filosofia à epistemologia caracterizava, ao fim do século XIX, “o cientismo” (a crença incondicionada que a ciência poderia fazer-nos conhecer o absoluto). A epistemologia é, assim, apenas uma reflexão sobre as ciências, das quais ela se esforça por destacar um método universalmente válido, que unificaria e simplificaria todas as operações nas ciências. [Larousse]
A Epistemologia – teoria do conhecimento, não apenas do conhecimento “científico” -, não pode ser a investigação daquilo que não temos, e que precisamos adquirir. Jamais se poderá, assim, compreender o que interessa, ou seja, nossa ignorância. Não filosofamos para aprender, no sentido positivo de aprender, mas, ao contrário, para desaprender o que nos sujeita. Entenda-me bem o leitor: não para aprender a respeito do que nos sujeita, como nas ciências humanas e sociais, mas para desaprender o que nos escraviza. Seria ingênuo, aqui, estar apenas trazendo à baila o batido slogan de que “não importa o que nos determina, mas sim o que fazemos disto que o que nos determina faz de nós”. Isto ainda seria apenas aumentar, mais uma vez, nosso “espaço de manobra”, e não uma “conversão ao Ser”. Diria Platão que conhecer é lembrar-se?
A Epistemologia é, então, antes de tudo, a investigação daquilo de que precisamos nos livrar, pois compreender a ignorância é coisa distinta de investigar positivamente o conhecimento. É a verdade que liberta, não o conhecimento. Este só nos aumenta – quando não diminui – nossa ilusão de poder. Ora, à verdade não temos acesso. Para ela não há caminhos. Só podemos conhecer o falso e, assim mesmo, se formos suficientemente atentos para vê-lo pelo que ele é. É preciso ter isto sempre presente, ao investigarmos os temas clássicos da Epistemologia: a noção mesma de verdade; a relação do conhecimento com a verdade; as fontes do conhecimento (razão, experiência etc.); seu objeto (realidade, aparência); seus métodos (análise, síntese; indução, dedução); e os critérios de avaliação de seus produtos (naturalismo, sociologismo, racionalismo). Tratar-se-á, em todos os casos, segundo este nosso programa ao ar livre, de investigar aquilo de que precisamos nos livrar, jamais daquilo que precisamos adquirir. Mas o reconhecimento do falso, como falso, exige uma qualidade muito especial da atenção. Atenção ao que “é”. E isto é impossível se, ao invés de olharmos para o que é, julgarmos o que ele deveria ser. [FERNANDES, Sérgio L. de C.. Filosofia e Consciência. uma investigação ontológica da Consciência. Rio de Janeiro: Areté Editora, 1995, p. 24-25]