Filosofia – Pensadores e Obras

alienação

gr. allotriosis; correlato da doutrina estoica da auto-aceitação, oikeiosis [FEPeters]


Privação de um direito ou de uma qualidade. — A alienação mental não tem mais, atualmente, sentido psicológico, mas social. Designa a privação do sentido social, a impossibilidade de se levar uma vida normal. A vida anormal pode ser a do gênio ou simplesmente a do estrangeiro que chega à nossa sociedade (o lat. alienus significa simplesmente “outro, estrangeiro”). O termo alienado no sentido clínico, ao designar um “louco”, evoca apenas seu caráter de “estrangeiro” em relação à normalidade e aos hábitos sociais que nos são peculiares. A alienação operária, sobre a qual insistiu o marxismo, designa simplesmente o falo de o trabalhador não ser proprietário do produto de seu trabalho: o proletário é alienado porque é tratado como uma coisa, como instrumento de trabalho, e não está “interessado” pessoalmente num trabalho cujo produto e cujo benefício lhe escapam. [Larousse]


(lat. alienatio, de alienare: transferir para outrem; alucinar, perturbar)

1. Estado do indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si mesmo ou que se vê privado de seus direitos fundamentais, passando a ser considerado uma coisa.

2. Em Hegel, ação de se tornar outrem, seja se considerando como coisa, seja se tornando estrangeiro a si mesmo.

3. Situação econômica de dependência do proletário relativamente ao capitalista, na qual o operário vende sua força de trabalho como mercadoria, tornando-se escravo (Marx). Para Marx, a propriedade privada, com a divisão do trabalho que institui, pretende permitir ao homem satis-fazer suas necessidades; na realidade, ao separá-lo de seu trabalho e ao privá-lo do produto de seu trabalho, ela o leva a perder a sua essência, projetando-a em outrem, em Deus. A perda da essência humana atinge o conjunto do mundo humano. As alienações religiosas, políticas etc. são geradas pela alienação econômica. De modo particular, a alienação política é exercida pelo Estado, instrumento da classe dominante que submete os trabalhadores a seus interesses. A alienação religiosa é aquela que impede o homem de reconhecer em sisi mesmo sua humanidade, pois ele a projeta para fora de si, num ser que se define por tudo aquilo que o indivíduo não possui: Deus; ela revela e esconde a essência do homem, transportando-a alhures, no mundo invertido da divindade (Feuerbach).

4. Os termos “alienado” e “alienação” ingressam no vocabulário filosófico graças a Hegel e a Marx. Se, em Hegel, a alienação designa o fato de um ser, a cada etapa de seu devir, aparecer como outro distinto do que era antes, em Marx, ela significa a “despossessão”, segui-da da ideia de escravidão. Assim, quando dizemos hoje que o trabalho é um instrumento de alienação na economia capitalista, estamos reconhecendo que o operário é despossuído do fruto de seu trabalho. Ver fetichismo; reificação.

5. Hoje em dia, podemos falar de outra forma de alienação: não se trata apenas de uma alienação do homem na técnica ou pela técnica, nem tampouco somente da alienação do Eu (como acredita Marx), mas de uma alienação em relação ao próprio mundo: o homem não somente se perde em sua produção, mas perde seu próprio mundo. que é ocultado, esterilizado, banalizado e desencantado pela técnica, com tudo o que implica de sentimento de absurdo, de privação de norma, de isolamento de si, de falta de comunicação etc. [DBF]


(in. Alienation; fr. Alienation; al. Entfremdung; it. Alienazioné).

Esse termo, que na linguagem comum significa perda de posse, de um afeto ou dos poderes mentais, foi empregado pelos filósofos com certos significados específicos.

1. Na Idade Média, às vezes foi usado para indicar um grau de ascensão mística em direção a Deus. Assim, Ricardo de S. Vítor considera a alienação como o terceiro grau da elevação da mente a Deus (depois da dilatação e do sublevação) e considera que ela consiste no abandono da lembrança de todas as coisas finitas e na transfiguração da mente em um estado que não tem nada mais de humano (De gratia contemplationis, V, 2). Nesse sentido, a alienação não é senão o êxtase.

2. Esse termo foi empregado por Rousseau para indicar a cessão dos direitos naturais à comunidade, efetuada com o contrato social. “As cláusulas deste contrato reduzem-se a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a comunidade” (Contrato social, I, 6).

3. Hegel empregou o termo para indicar o alhear-se a consciência de si mesma, pelo qual ela se considera como uma coisa. Este alhear-se é uma fase do processo que vai da consciência à autoconsciência. “A alienação da auto-consciência”, diz Hegel, “coloca, ela mesma, a coisalidade, pelo que essa alienação tem significado não só negativo, mas também positivo, e isto não só para nós ou em si, mas também para a própria autoconsciência. Para esta, o negativo do objeto ou a auto-subtração deste último tem significado positivo, isto é, ela mesma; de fato, nessa alienação ela coloca-se a si mesma como objeto ou, por força da inscindível unidade do ser-para-si, coloca o objeto como si mesma, enquanto, por outro lado, nesse ato está contido o outro momento do qual ela tirou e retomou em si mesma essa alienação e objetividade, estando, portanto, no seu ser outra coisa como tal, junto a si mesma. Este é o movimento da consciência que nesse movimento é a totalidade dos próprios momentos” (Phänomen. des Geistes, VIII, 1).

Esse conceito puramente especulativo foi retomado por Marx nos seus textos juvenis, para descrever a situação do operário no regime capitalista. Segundo Marx, Hegel cometeu o erro de confundir objetivação, que é o processo pelo qual o homem se coisifica, isto é, exprime-se ou exterioriza-se na natureza através do trabalho, com a alienação, que é o processo pelo qual o homem se torna alheio a si, a ponto de não se reconhecer. Enquanto a objetivação não é um mal ou uma condenação, por ser o único caminho pelo qual o homem pode realizar a sua unidade com a natureza, a alienação é o dano ou a condenação maior da sociedade capitalista. A propriedade privada produz a alienação do operário tanto porque cinde a relação deste com o produto do seu trabalho (que pertence ao capitalista), quanto porque o trabalho permanece exterior ao operário, não pertence à sua personalidade, “logo, no seu trabalho, ele não se afirma, mas se nega, não se sente satisfeito, mas infeliz… E somente fora do trabalho sente-se junto de si mesmo, e sente-se fora de si no trabalho”. Na sociedade capitalista, o trabalho não é voluntário, mas obrigatório, pois não é satisfação de uma necessidade, mas só um meio de satisfazer outras necessidades. “O trabalho exterior, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de mortificação” (Manuscritos econômico-filosóficos, 1844, I, 22). Esse uso do termo tornou-se corrente na cultura contemporânea, não só na descrição do trabalho operário em certas fases da sociedade capitalista, mas também a propósito da relação entre o homem e as coisas na era tecnológica, já que parece que o predomínio da técnica “aliena o homem de si mesmo” no sentido de que tende a fazer dele a engrenagem de uma máquina (v. técnica). Também sob esse ponto de vista Sartre retornou ao conceito hegeliano da alienação, entendida como “um caráter constante da objetivação, seja ela qual for”: onde se entende por “objetivação” qualquer relação do homem com as coisas e com os outros homens (Critique de la raison dialectique, 1960, p. 285). Marcuse, por sua vez, considerou a alienação como a característica do homem e da sociedade “numa só dimensão”, ou seja, como a situação na qual não se distingue o dever ser do sere, por isso, o.pensamento negativo, ou a força crítica da Razão, é esquecida ou calada pela força onipresente da estrutura tecnológica da sociedade (One Dimensional Man, 1964, p. 12).

Na linguagem filosófico-política hoje corrente, esse termo tem os significados mais díspares, dependendo da variedade dos caracteres nos quais se insiste para a definição do homem. Se o homem é razão autocontemplativa (como pensava Hegel), toda relação sua com um objeto qualquer é alienação Se o homem é um ser natural e social (como pensava Marx), alienação é refugiar-se na contemplação. Se o homem é instinto e vontade de viver, alienação é qualquer repressão ou diminuição desse instinto e dessa vontade; se o homem é racionalidade operante ou ativa, alienação é entregar-se ao instinto. Se o homem é razão (entendida de qualquer modo), alienação é refugiar-se na fantasia; mas, se é essencialmente imaginação e fantasia, alienação é qualquer disciplina racional. Enfim, se o indivíduo humano é uma totalidade auto-suficiente e completa, alienação é qualquer regra ou norma imposta, de qualquer modo, à sua expressão. A equivocidade do conceito de alienação depende da problematicidade da noção de homem. [Abbagnano]