Filosofia – Pensadores e Obras

totalidade

(gr. to holon; lat. universitas; in. Totality; fr. Totalité; al. Allheit, Totalität; it. Totalità).

Um todo completo em suas partes e perfeito em sua ordem. Este é o conceito de totalidade que se encontra em Aristóteles, que se distingue de todo, cujas partes podem mudar de disposição sem modificar o conjunto (Mel, V, 26, 1024 a 1). Nesse sentido, o mundo (cosmos) é uma totalidade, mas o universo não.

Mesmo nas línguas modernas, a noção de totalidade conservou a característica da completitude e de disposição perfeita das partes. Segundo Kant, a “totalidade das condições” corresponde, na síntese da intuição, à universalidade do predicado na premissa maior do silogismo. A noção de totalidade das condições é a ideia da Razão Pura. Portanto, segundo Kant, a ideia é a noção de uma perfeição, ainda que não de uma perfeição real (Crítica da Razão Pura, Dialética, livro I, seç. I-II) (v. todo). [Abbagnano]


O conceito de totalidade desempenhou importante papel na superação do modo de pensar atomístico, iniciado em princípios do século XX. Assim, Driesch, por meio de suas pesquisas no domínio da biologia, foi levado a admitir para os organismos um peculiar fator de totalidade: a enteléquia (vitalismo). Ehrenfels e outros aplicaram o ponto de vista da totalidade à investigação psicológica, na qual se apurou que nem as vivências nem a vida psíquica total são compreensíveis a partir dos elementos mais simples (sensações, etc), mas representam totalidades primordiais. Simultaneamente, a ideia de totalidade obteve, no domínio da sociologia (não sem certos exageros), a vitória sobre o individualismo e o liberalismo do século XIX. Na escolástica, o sentido da totalidade, herança da filosofia platônico-aristotélica, nunca se desvaneceu completamente.

Totalidade é hoje tomada principalmente no sentido de todo concreto. Falamos de totalidade, quando muitas partes de tal modo estão ordenadas que, reunidas, formam uma unidade (o todo). A totalidade é uma subespécie da ordem. Sua peculiaridade está em que nela os elementos da ordem (as partes) perfazem uma unidade clausa, mercê de estarem reunidas. Se faltar uma parte, o todo é incompleto e passa a ser parte. Por conseguinte, parte de uma totalidade é aquilo que juntamente com outra forma uma unidade ordenada. A ordem das partes (a estrutura ou construção articulada) é que faz que a totalidade seja distinta da soma e da aglomeração, na qual a posição e a ordem das partes podem variar à discrição.

Não obstante, o conceito de totalidade não se verifica do mesmo modo em todas as totalidades, uma vez que a unidade (que participa da analogia do ser) é de espécie diferente nas várias totalidades. O protótipo da totalidade é, para nós, o organismo. Nele os elementos parciais possuem um sentido tal da unidade do todo, que sem relação a este todo as partes orgânicas (p. ex., uma mão) não podem sequer ser definidas: têm essência e ser só como partes do todo (uma “mão” separada deixa de ser mão). As partes aqui estão unidas para formar a totalidade por meio da comunidade do ser substancial. Mais notória é ainda a unidade da totalidade sobre as partes no contínuo (quantidade), onde as partes como unidade» propriamente ditas existem só potencialmente. Noutros casos, como no» “elementos” de vivências psíquicas, o laço de união é, primariamente, a finalidade da função e, em última instância, a unidade substancial de um fundamento ontológico comum, a alma, sem o qual os acontecimentos psíquicos são incompreensíveis. De máxima importância, inclusive prática, para a vida do indivíduo e do» povos é a índole da totalidade nas comunidades (filosofia da sociedade). Embora um todo possa, por seu turno (de outro ponto de vista), ser parte de uma totalidade de ordem superior, convém todavia notar que há. totalidades que, mercê de sua essência nunca podem ser (como os membros de um organismo) parte de uma totalidade; tal é o caso da pessoa. Todas as comunidades são compostas de pessoas dotadas de seu valor próprio inalienável.

Entre os axiomas relativos à totalidade contam-se os seguintes: 1. O todo é mais do que as partes, ou seja, a soma destas não constitui ainda uma totalidade; requer-se, além disso, a. ordem e articulação das partes, que em determinadas circunstâncias pressupõe até um fator substancial de totalidade (um princípio de unidade e de ordem). 2. O todo é anterior às partes (Aristóteles); o que não significa que o todo exista cronologicamente antes das partes, pois há totalidades cujas partes existem antes de se reunirem num todo (p. ex., as pedras antes da casa), ao passo que outras partes só vêm à existência num todo (p. ex., os órgãos no organismo). O sentido do axioma é antes este: o decisivo para o todo não é aquilo que as partes podem ser em si, mas aquilo que faz delas uma totalidade: a ordem e a unidade (p. ex., o plano de construção realizado na casa); as partes, enquanto partes, são subordinadas ao todo, mas isso não exclui que, de outro ponto de vista, possuam valor e ser próprios.

A ideia de totalidade caracteriza o chamado holismo (do grego holon = todo) fundado por J. S. Haldane e J. C. Smuts. Segundo o holismo, os organismos não resultam de seus elementos mecânicos, nem de organismos elementares, mas desenvolvem seus membros a partir da totalidade, os quais, por sua vez, podem também ser totalidades. Matéria, vida e espírito, são fases de um só grande processo evolutivo. Característica do holismo é a derivação (impugnável) dos domínios mais simples a partir dos mais complexos (o físico a partir do biológico, e este a partir do psíquico) por mera eliminação e simplificação, para o que se requer necessariamente a matematização dos domínios superiores. — vide coletivismo, universalismo. — Brugger.


No coração da démarche de Levinas, encontra-se uma crítica radical à ideia de totalidade como fechamento, que evacuou “a maravilha da exterioridade”. De fato, uma crítica radical de Hegel, o pensador emblemático da totalidade, enquanto sendo o ponto de conclusão lógica de uma filosofia ocidental voltada, desde sempre, em direção a “uma tentativa de síntese universal, uma redução de toda experiência, de tudo que é sentido, a uma totalidade onde a consciência abarca o mundo, nada deixando de fora dela, e se tornando assim pensamento absoluto. A consciência de si é ao mesmo tempo consciência do todo”.

“Totalidade e Infinito. Ensaio sobre a exterioridade” (1961), a obra de Lévinas mais importante juntamente com “Outra forma que ser, ou além da essência”, põem em cena conceitualmente o requisitório apaixonado desta crítica. A aspiração à totalidade é como uma doença, como uma perversão da consciência que crê que ela jamais teria nada a aprender do exterior, que também, provavelmente, tem medo do Outro e deseja evitar a ferida de uma exterioridade percebida como uma ameaça, porque põe o sujeito em questão. Conduz então a uma inevitável redução do “Outro” ao “Mesmo”, quer dizer a um egocentrismo totalitário, onde o “eu” engole tudo, e onde o singular não é mais respeitado em sua alteridade, nem em sua originalidade irredutível. Assim se revelam as causas do abandono do espaço intersubjetivo, da relação ao outro, e logo da ética. [ATLAS]