Filosofia – Pensadores e Obras

organismo

(gr. organikon soma; lat. corpus organicum; in. Organism; fr. Organisme, al. Organismus; it. Organismo).

O corpo vivo naquilo que o distingue especificamente do corpo não vivo. O conceito de organismo foi formulado pela primeira vez por Aristóteles da seguinte maneira: “Se ó machado tem de rachar a madeira, deve necessariamente ser duro; e, se tem de ser duro, deve necessariamente ser de bronze ou de ferro. Ora, exatamente da mesma maneira, o corpo, que é um instrumento como o machado — visto que cada uma de suas partes, assim como sua totalidade, tem uma finalidade própria — tem de ser feito necessariamente assim e assim, se é que deve cumprir sua função” (Depart. an., I, 1, 642 a 10). Nesta noção, o ponto fundamental é que toda a estrutura do organismo subordina-se à sua função, isto é, a seu fim de sobreviver como organismo; dessa característica deriva a outra, de subordinação das partes ao todo. Por isso, Aristóteles diz, a propósito da composição dos animais, que uma casa não existe em função dos tijolos e das pedras, mas são os tijolos e as pedras que existem em função da casa (Ibid., II, 1, 646 a 27), e que “a ciência da natureza trata da composição e da totalidade da substância, e não das partes que não podem existir separadamente da substância” (Ibid., I, 5, 645 a 33)- A subordinação das partes ao todo, que — só ele — é substância, passou a ser a característica fundamental do organismo. Mas esta característica obviamente é determinada pela estrutura finalista do organismo. Justamente porque ele, na sua totalidade, deve ser apropriado ao fim a que se destina e a ele subordinado, também as partes do organismo devem ser subordinadas à totalidade do organismo Portanto, a partir de Aristóteles, o conceito de fim passou a fundamentar a noção de organismo e assim continuou mesmo quando, com Descartes, o organismo começou a ser considerado máquina. Descartes dizia: “Aqueles que sabem quantos autômatos ou máquinas semoventes a habilidade humana pode construir com poucas peças, comparativamente à infinidade de ossos, músculos, nervos, artérias, veias, etc, que estão no corpo de cada um de nós, consideram esse corpo como uma máquina que, saída das mãos de Deus, é incomparavelmente mais bem organizada e tem em si movimentos mais admiráveis do que as que podem ser inventadas pelos homens” (Discours, V). Com efeito, um relógio ou uma máquina não deixam de ter um objetivo, e, equiparando o organismo à máquina, Descartes não tencionava negar a sua finalidade, mas simplesmente apresentar a tese de que a estrutura finalista do organismo não depende de uma força externa a ele, da alma, mas da variedade e da coordenação das partes, ou seja, da organização. Aliás, Leibniz, que insistiu muito na organização finalista do universo, também considerou o organismo como máquina: “Todo corpo orgânico é uma espécie de máquina divina ou de autômato natural, que sobrepuja infinitamente todos os autômatos artificiais” (Monad., § 64). Só em Kant a finalidade de um autômato ou de uma máquina foi distinguida da finalidade do organismo. “Num relógio” — observa Kant — “uma peça é o instrumento que serve ao movimento das outras, mas não é a causa eficiente da produção das outras: uma peça existe, sim, em função das outras, mas não por meio delas. Por isso, a causa produtora do relógio e da sua for ma (…) está fora dele, num ser que pode agir segundo as ideias de um todo possível, mediante sua causalidade”. No organismo, ao contrário, “cada parte é concebida como existente somente por meio das outras, para as outras e para o todo, ou seja, como um instrumento (órgão)”: como “um instrumento que produz as outras partes e é reciprocamente produzido por elas”. Em outros termos, as partes de um organismo são ao mesmo tempo causa e efeito umas das outras, e todas em relação à totalidade do organismo. Neste sentido, o organismo não possui a simples força motriz, como a máquina, mas também possui “uma força formadora tal que se comunica às matérias que não a têm, podendo assim organizar; uma força formadora que se propaga e que não pode ser explicada unicamente pela faculdade do movimento” (Crít. do Juízo, § 65).

Estas notas de Kant, esclarecendo muito bem o finalismo intrínseco do organismo, tornam de algum modo inútil o finalismo global da natureza e o relegam a segundo plano. A organização finalista do organismo, com efeito, pode ser compreendida ou admitida independentemente do finalismo universal da natureza. Todavia, as especulações da filosofia romântica sobre o organismo, mesmo partindo dos conceitos kantianos, tendem justamente a resolver a finalidade intrínseca do organismo na finalidade universal, ou melhor, a estender a primeira ao universo inteiro. Schelling, p. ex., diz: “No produto natural está ainda unido aquilo que, ao agir livremente, separou-se a serviço do fenômeno. Toda planta é inteiramente aquilo que deve ser; nela, o livre é necessário, e o necessário é livre (…) Só a natureza orgânica dá a imagem completa da liberdade e da necessidade reunidas no mundo externo” (System des transzendentalen Idealismus, V; trad. it., p. 289). Ainda mais arbitrariamente, Hegel considera a terra como primeiro organismo porque é “um sistema universal de corpos individuais” (Enc., § 338); e afirma que, apesar de a vitalidade natural romper-se na multiplicidade dos animais vivos, estes “são uma única vida na ideia, um único sistema orgânico de vida” (Ibid., § 337). Aqui o organismo não é considerado em suas características específicas, mas simplesmente dissolvido no finalismo cósmico. A esse mesmo resultado chega a doutrina de Bergson, que vê no organismo o resultado de um elã vital (ou corrente de consciência) que penetra e sujeita a matéria bruta. O que do ponto de vista da ciência é “máquina”, do ponto de vista da filosofia é o equilíbrio atingido pelo elã vital em seu esforço formador. E diz: “Para nós, o conjunto da máquina organizada representa o conjunto do trabalho organizativo (embora mesmo este só seja verdadeiro aproximativamente), mas as peças da máquina não correspondem às partes do trabalho, visto que a materialidade da máquina não representa mais um conjunto de meios empregados, mas um conjunto de obstáculos contornados: é uma negação mais do que uma realidade positiva” iÉvol. créatr., 8a ed., 1911, p. 102) A realidade positiva é somente o elã vital, isto é, a consciência.

A disputa metafísica entre finalismo e me-canicismo, ou entre materialismo e vitalismo, não influencia o conceito de organismo. Aquilo que, depois de Kant, convencionou-se chamar de “finalidade interna” do organismo não foi posto em dúvida nem (como vimos) por quem concebia o organismo como máquina. Por outro lado, a resolução da finalidade intrínseca do organismo no finalismo cósmico, apreciada por todas as formas de vitalismo e, em geral, por todas as interpretações metafísicas do organismo, não ajuda em nada a esclarecer o conceito de organismo porque, ao recorrer a uma tese genérica, só dá uma solução aparente ao problema de entender as formas específicas de ação da finalidade orgânica. Os biólogos contemporâneos tendem, portanto, a fugir à antítese entre mecanismo e finalismo. Goldstein julga tão inútil o recurso à enteléquia quanto o recurso ao finalismo cósmico, mas julga indispensável insistir na ação do organismo como totalidade. Isso leva a admitir o finalismo interno do organismo “A hipótese de uma tarefa determinada” — diz ele — “é supérflua para a compreensão do organismo, mas a hipótese de um objetivo determinado (a realização da essência do organismo) é bastante profícua para a nossa compreensão do organismo” (Der Aufbau des Organismus, 1934, p. 264). Mais recentemente Simpson disse: “Sabemos que o fogo não é um elemento ou princípio separado, mas um processo e uma organização da matéria em que a conduta da matéria é diferente da que existe no não-fogo. Do mesmo modo, não se renuncia à perspectiva materialista quando se considera a vida como um processo e uma organização em que a conduta da matéria é diferente da que se observa nos estados não-vivos” (The Meaning of Evolution, 1952, p. 125). Por outro lado, a capacidade que o organismo tem de desfrutar das possibilidades ou oportunidades que sua estrutura, suas próprias variações ou mesmo o ambiente lhe oferecem — que Simpson chama de oportunismo da vida — outra coisa não é senão a própria “finalidade intrínseca” da qual falam os outros biólogos. Isso fora reconhecido até por um dos fundadores do Círculo de Viena, Moritz Schlick: “Um grupo de processos ou de órgãos é chamado de finalista em relação a um efeito definido se esse efeito for normal na cooperação dos processos e dos órgãos. Aqui é preciso ressaltar a cooperação; num caso específico, esses processos, dependendo das circunstâncias, podem ocorrer de várias maneiras, mas são interdependentes e interligados de tal maneira que sempre produzem aproximadamente a mesma espécie de efeitos” (“Naturphilosophie”, em Die Philosophie in ihren Einzelgebieten, Berlim, 1925; trad. in. em Readings in the Philosophy of Science, 1953, p- 529). Este conceito de finalismo decerto nada tem a ver com a tese do finalismo universal: trata-se de um finalismo limitado, específico, que procede por tentativas e tem êxito só em certos casos, e não do plano universal infalível, no qual todos os seres se acham salvaguardados. Algumas vezes foi chamado de teleonomia. Desse ponto de vista, o organismo pode ser considerado como máquina, mas uma máquina dotada de unidade funcional, coerente, integral e, ademais, capaz de autoconstruir-se, com base num plano ou projeto que se mantém relativamente invariável de geração em geração (cf., p. ex., J. Monod, Le hasard et la necéssité, 1970, cap. III). V. cibernética; sistema; estrutura. [Abbagnano]


Os seres vivos materiais aparecem na forma de organismos. Estes definem-se pelas seguintes características: são totalidades corpóreas naturais; constam de partes distintas por sua posição, constituição química e estrutura (a estrutura e ordenação destas partes = organização); as diversas partes do organismo têm suas atividades peculiares, que elas, porém, exercem em dependência do todo e para bem do mesmo todo, isto é, como funções do conjunto. As partes do organismo, consoante a diversidade de sua estrutura, recebem o nome de membros, e, consoante a variedade de suas funções, denominam-se órgãos. O qualificativo orgânico (oposto a inorgânico) aplica-se aos corpos estruturados de maneira análoga à dos organismos, às matérias que na natureza são produzidas só por organismos (p. ex., a albumina) e finalmente a todas as funções efetuadas por órgãos. As mais importantes funções de conjunto do organismo são: a evolução e o crescimento, a conservação ativa e a auto-sustentação no meio ambiente (alimentação, etc.), e a reprodução, isto é, a formação de uma parte que, depois de separada, continua existindo como organismo independente. A totalidade destas funções nos diversos organismos constitui a vida orgânica (biologia = ciência da vida orgânica). Enquanto realizada de maneira inconsciente (também no animal ou no homem), denomina-se vida vegetativa. — São organismos no sentido descrito não só os seres vivos pluricelulares, como também os unicelulares, pois que também eles, mercê de sua estrutura e função, são totalidades integradas por membros. Decisiva para a diferença, relativamente ao inorgânico, não é a estrutura totalitária, que se encontra igualmente nos cristais, mas sim a função orgânica. O conceito de organismo prescinde de que sua função só seja possível com ou sem um princípio vital distinto da matéria. (princípio vital). — As expressões citadas são usadas também em sentido metafórico. Assim, o termo “organismo” é empregado para designar totalidades semelhantes aos organismos biológicos, p. ex., totalidades econômicas, sociais, sistemáticas, etc. (desta translação de sentido inferiram-se, por vezes, consequências injustificadas ( biologismo); o adjetivo orgânico, para indicar o que tem funções diversas, mas endereçadas ao todo, ou o que resulta de tais funções; o vocábulo organização, para designar um todo, cujas partes colaboram gradualmente ordenadas; o termo órgão, para denotar uma parte do todo, à qual compete uma função especial. Os sistema de transmissão e comando, desenvolvidos no cérebro e sistema nervoso dos animais superiores, permitem fazer-se um estudo comparativo deles com as máquinas eletrônicas de calcular (cibernética). Tais pesquisas podem contribuir grandemente para esclarecer as bases materiais dos processos psíquicos. Essas máquinas, contudo, diferem dos organismos vivos por três razões: primeiro, porque o programa, segundo o qual operam, lhes é fornecido pelo homem, enquanto o “programa” do organismo lhe pertence por natureza em segundo lugar, porque o programa diretor representa uma parte concreta e em si substituível da máquina, ao passo que no organismo se acha ele de um modo inseparável e não-concreto; por último, o fim de uma máquina são trabalhos e produções para o homem programador, mas a finalidade constitutiva da operação de um organismo é ele próprio. — Brugger.


Que entidade é esta que se chama organismo? — Se o organismo é um centro de respostas condicionadas e incondicionadas aos estímulos do meio ambiente, é preciso que o organismo seja algo distinto dessas respostas; é preciso que o organismo se organize a si mesmo como centro de resposta; é preciso no mínimo que o organismo seja um todo, superior à cadeia dos reflexos, uma entidade anterior aos reflexos e capaz de condicionar os reflexos. Toda teoria do reflexo condicionado supõe a adaptação do ser vivo ao meio; mas, se essa adaptação depende do psiquismo do ser vivo, a explicação há de ser modificada, porque não é a adaptação que faz o ser vivo e sim o ser vivo que faz a sua adaptação, A reflexologia deve supor algo anterior ao reflexo e capaz de condicionar o reflexo. A vida, na expressão do seu todo psico-físico, não é soma de órgãos, nem muito menos soma de reflexos e sim um todo anterior às partes; aristotelicamente pode-se dizer que as partes são partes justamente porque são partes de um todo, fora do qual não são partes de nada; e esse todo não é soma e sim totalidade; a organização do organismo é a condição da possibilidade do reflexo e não inversamente, porque os reflexos não seriam explicáveis sem o organismo. Foi um dos méritos da Gestalttheorie haver demonstrado que o organismo reage todo inteiro a cada estímulo e que os reflexos perdem assim a sua predominância e principalmente o seu automatismo, porque o indivíduo é um todo que dirige as partes e não uma soma de reflexos. Se os instintos são reflexos incondicionados que já foram em sua origem condicionados, como se poderia explicar esse condicionamento sem uma faculdade psíquica primordial, responsável por ele? — No entanto, essa condição psíquica primordial e anterior, não pode ser admitida pelo pavlovismo, porque a reflexologia é uma explicação quantitativa e mecânica da vida psíquica e concebe o organismo como soma de órgãos e a vida como produto de reflexos. No pavlovismo não cabe o indivíduo na acepção de individuum, como todo independente das partes. [Barbuy]