Filosofia – Pensadores e Obras

hilemorfismo

é a teoria, primeiro elaborada por Aristóteles e ulteriormente ampliada na filosofia escolástica, relativa à composição de todos os seres corpóreos, que são um todo natural, os quais estão integrados por matéria (hyle) e forma (morphe), na qualidade de componentes essenciais. Como corpos que, compostos desta maneira, constituem uma unidade, é costume considerar os elementos, os compostos verdadeiramente tais (mixta), os vegetais, os animais e os homens. Opõem-se ao hilemorfismo, por um lado, o atomismo o dinamismo filosófico-natural, os quais admitem um único fundamento essencial dos corpos, e, por outro lado, o dualismo unilateral que admite no ser vivo, ao menos, no homem, dois entes, aliás independentes, unidos só por uma interação acidental. O hilemorfismo denomina-se também sistema peripatético, do mesmo modo que os sequazes de Aristóteles foram chamados peripatéticos, qualificativo derivado de peripatos. O átrio onde Aristóteles dava suas preleções. A hipótese da unidade integrada por dois constitutivos origina-se, em Aristóteles, do problema filosófico-natural do devir no mundo corpóreo. A observação cotidiana mostra haver na natureza mudanças e transformações dos corpos, os quais, pelo menos segundo as aparências, produzem algo de espécie inteiramente diversa. Tais processos, p. ex., a evaporação da água, são interpretados por Aristóteles — nos mais dos casos, apressadamente — como devir substancial, como mudanças substanciais; isto é, operam-se neles não simples mudanças na posição das partículas mais pequenas ou variações de seu estado de movimento, mas a produção de substancias corpóreas novas, especificamente diversas; por exemplo, da água se origina o “ar”. Pelo que, Aristóteles, para designar estas novas produções, emprega também no domínio do inorgánico o vocábulo “geração” (generatio, genesis), vocábulo que significa, portanto, produção de uma nova substância a partir de outra já existente; inversamente chama “corrupção” (corruptio, phthora) ao processo de deperecimento de uma substância que se transforma noutra. Mas se o devir substancial não deve ser completa aniquilação e produção inteiramente nova, mas sim transformação autêntica, tem de haver algum substrato permanente comum ao corpo que perece e ao que se origina: esse substrato comum é a matéria informavel. Se, por outra parte, a substância dos dois corpos deve ser distinta, requer-se a existência neles de um princípio substancial sujeito a mudança, fundamento da diversidade específica: a forma substancial. Como porém, segundo a opinião de Aristóteles, todos os corpos são fundamentalmente transformáveis entre si, requer-se, em derradeira instância, uma matéria primitiva comum, uma “matéria prima”, substrato último de todo devir substancial. A produção de uma nova forma explica-se, dizendo que uma causa eficiente extrínseca a “tira da matéria” (eductio formae a materia); o que, claro está, não significa que a forma já de antemão estivesse contida realmente na matéria, mas só que esta se converte agora naquilo que podia vir a ser, naquilo para o qual estava em potência.

Na escolástica medieval, a par das considerações filosófico-naturais adquiriram maior relevo as controvérsias de ordem lógico-metafísica. Determinou-se o limite do devir substancial diante da transmutação essencial (trans-substanciação), tal como esta, segundo o dogma católico, se. opera quando o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo. Enquanto na mutação substancial ordinária um elemento essencial, a matéria, persevera como sustentador das formas que se mudam, na transmutação essencial transforma-se a substância toda (matéria e forma), permanecendo só os acidentes sensorialmente perceptíveis. — Além dos processos do devir, tenta-se aduzir, como fundamento da composição essencial dos corpos, a oposição de unidade e multiplicidade na substância extensa contínua, a circunscrição do ser em si espiritual ao ser não espiritual, e, finalmente, a multiplicação dos indivíduos dentro da mesma espécie, a qual só parece possível mediante um sujeito arbitrariamente reiterável, distinto da forma especificante, ou seja: a matéria (indivíduo). Esta última ideia leva S. Boaventura e outros escolásticos a estender o hilemorfismo a todo ente criado, inclusive ao espírito criado puro, o qual, de maneira análoga, é concebido como composto de uma “matéria” espiritual e de uma forma substancial. Discutível é a maneira exata de entender a estrutura d t essência, principalmente nos seres viventes. A escola tomista opina que um ser natural rigorosamente uno (unum per se) exige a unidade (unicidade) de forma substancial, isto é, a composição da matéria primitiva inteiramente indeterminada, que é pura potência, e da alma como única forma substancial; portanto, todo o corpóreo é já efeito da alma; se se admitisse a composição de uma alma e de um corpo, que independentemente desta já possuísse realidade, o todo resultante não sei ia mais que uma coordenação de duas ou mais substâncias independentes (unum per accidens). A objeção principal contra a concepção tomista reside na dificuldade de explicar a produção das novas formas substanciais que se devem admitir, p. ex., na morte de um vivente. No esquema medieval do universo, a representação de um misterioso influxo dos corpos celestes, que dominava o nascer e o perecer do “sublunar”, amortizava a força desta dificuldade. Contudo, fora da escola tomista, na maior parte dos casos, defendia-se geralmente a concepção natural que considera os seres vivos compostos de um corpo já de si real e da alma, pensando-se, portanto, que o corpo era composto, por seu turno, da matéria-prima e de uma ou mais formas substanciais; quer dizer, admitia-se uma pluralidade de formas essenciais pelo menos nos seres viventes (e muitas vezes também nos “mistos”).

Na apreciação do hilemorfismo, precisamos distinguir entre a composição física dos seres vivos, demonstrável com certeza pelos processos vitais (vitalismo) e também pela cooperação de corpo e alma na percepção sensorial (corpo e Alma [Relação entre]), e uma composição análoga dos corpos inorgânicos, cuja demonstração depende da existência de mudanças substanciais nos mesmos. Os resultados da física moderna insinuam, pelo menos, tais mudanças, p. ex., na geração de um par de eletrões (ou seja, de um eletrão carregado negativamente e de um “positrão” com carga positiva) a partir de um “quanto” de luz. Prescindindo desta composição física, existe igualmente a possibilidade de considerar, à base das reflexões especulativas anteriormente indicadas, uma composição “metafísica” dos corpos situada num plano mais profundo; esta ordem de considerações independe da mudança a que está sujeito o esquema científico-natural do universo. — De Vries. [Brugger]