Filosofia – Pensadores e Obras

razão

faculdade de compreender, de apreender as relações intelectuais. — Nesse sentido, identifica-se com o entendimento. Depois de Pascal, contrapomos frequentemente a razão ao coração, isto é, à faculdade do sentimento; é preciso notar, entretanto, que Rousseau e Kant, após ele, identificaram a razão com o sentimento moral: manifestação prática da razão, ou razão prática. De maneira geral, a razão se define como uma faculdade de compreender, de ordem não apenas teórica mas também prática e afetiva (Max Scheler): o espírito de finura, que nos permite apreender “por simpatia” em relação a outro a natureza de seus sentimentos, é uma manifestação da razão. (Sin. espírito em geral.) [Larousse]


Em sentido lato (1), “razão” é a faculdade cognoscitiva intelectual em oposição à sensibilidade; é, pois, sinônimo de entendimento. Contudo, dentro da razão em sentido amplo apresenta-se frequentemente, consoante o aspecto considerado, uma oposição entre dois modos de atividade que se distinguem como entendimento e razão em sentido estrito (2). De um modo geral, entendimento significa, de preferência, a atividade pensante que abstrai, compara e disseca; a razão significa a atividade mental superior que tem em mira a conexão e unidade definitiva do saber e do operar. A escolástica estabelece uma distinção entre o intellectus (intelecto, inteligência) que, pelo conhecimento imediato da essência (conhecimento da essência) e pela intelecção ou penetração intelectiva dos princípios do conhecimento, se aproxima de uma intuição intelectual, e a ratio (razão), faculdade do pensamento discursivo, característico do entendimento humano abstrativo. Em Kant (criticismo), o entendimento é a faculdade dos conceitos e dos juízos; a razão, em sentido estrito, é a faculdade do raciocínio e, por conseguinte, a faculdade de procurar o incondicionado para o condicionamento; no exercício desta atividade a razão emaranha-se inevitavelmente em sutis paralogismos, sendo, portanto, inferior ao entendimento em valor cognitivo. A razão prática é a razão (em sentido lato) enquanto determina a vontade mediante a lei moral. Em Hegel o entendimento não vai além dos conceitos abstratos, que se mantêm fixos em si mesmos; pelo contrário, a razão especulativa leva a cabo o movimento dialético da ideia, chegando por essa forma a conceitos “concretos”; pelo que, é superior ao entendimento e constitui a faculdade própria da metafísica — De Vries. [Brugger]


Destacaremos primeiro que tudo, vários significados do termo razão:

1. Chama-se razão a certa faculdade atribuída ao homem e por meio da qual foi distinguido dos restantes membros da série animal. Esta faculdade é definida usualmente como uma capacidade de atingir conhecimento do universal, ou do universal e necessário, de ascender até ao reino das ideias, quer seja como essências, quer seja como valores, ou ambos. Na definição “o homem é um animal racional” o ser racional é admitido como a diferença específica.

2. Entende-se a razão como equivalente ao fundamento; a razão explica então porque é que algo é como é e não de outro modo.

3. A razão define-se às vezes como um dizer. Com frequência se supõe que este dizer (logos) se fundamenta num modo de ser racional. Dois dos significados de razão tornam-se predominantes e são considerados por muitos autores como os mais fundamentais. A razão é uma faculdade; a razão é um princípio de explicação das realidades. Ambos os sentidos têm sido muito usados na literatura filosófica; além disso, ambos têm sido confundidos. Cada um deles decompõe num certo número de significações subordinadas. Assim, a razão como faculdade pode ser entendida como capacidade ativa ou como capacidade passiva, como capacidade intuitiva ou como capacidade discursiva; a razão como princípio de explicação das realidades pode ser uma razão de ser, uma razão de acontecer ou até uma razão de obrar.

Duas concepções da razão são particularmente importantes, porque, explicitamente ou não, em cada uma das concepções da razão a que nos referiremos seguidamente supôs-se um destes tipos: trata-se das concepções da razão resumidas com os nomes de “razão constituinte” e “razão constituída” – e também às vezes com os nomes de “razão raciocinante” e “razão raciocinada”. A razão constituinte (razão raciocinante) é a razão na medida em que se está fazendo e formando, mas que não é sempre necessariamente subjectiva, visto que a razão pode constituir-se objetivamente. A razão constituída (razão raciocinada) é a razão já dada e desenvolvida, o reino da razão e das verdades racionais.

Uma das primeiras dificuldades que o conceito oferece é o fato de para o exprimir se terem usado, a partir da grega, numerosos termos: noção, conceito, ideia, pensamento, palavra, visão (inteligível), sentido, significação.

A ideia de razão aparece na Grécia sob noções não identificáveis entre si. A razão aparece, nuns casos, como a própria ação de pensar; um pensar orientado para uma sabedoria que nos leva a compreender as coisas, para nos situarmos frente a elas e poder atuar justamente. Outra apresenta-se como faculdade pensante; o que a possui é o ser inteligente; que opera consequentemente. Mas para isso é necessário um ato de visão mental pelo qual se atinge a compreensão da realidade. Ou aparece como logos, cuja significação primeira foi a de recolher ou reunir, donde escolher e contar algo como pertencente a uma classe de objetos e donde também enunciar algo ou nomear algo. É então sobretudo o dizer e, imediatamente, o dizer inteligível dentro do qual se aloja o conceito como voz significativa. Comum a todas estas noções é a suposição de que a realidade tem um fundo inteligível e de que é possível compreendê-lo ou, pelo menos, orientarmo-nos mo mesmo. Por este motivo, se nota através da variedade de sentidos da razão e da multiplicidade dos termos empregados para a designar na filosofia grega, a intenção de ligar a razão como faculdade à razão como substância ou ordem da realidade.

Tanto esta suposição como os diferentes sentidos do conceito de razão se conservam na filosofia medieval. É usual examinar este conceito nesta como uma noção que, conforme os casos, se compara, contrasta ou opõe à da crença ou da . Por isso, o problema da razão na filosofia medieval é em grande medida o problema da como possibilidade da compreensão do conteúdo da . Visto que tal se dá através da revelação, a qual é conservada num depósito de tradições, é frequente que ao exame das relações entre razão e se justaponha o das relações entre a razão e a revelação, assim como a razão e a autoridade. O equilíbrio entre razão e foi instável e em certos períodos impôs-se quer um primado da sobre a razão, quer o primado da razão sobre a . Quando a certa altura se manifestou nalguns autores uma ruptura bastante completa entre a e a razão, em virtude de se considerar que a primeira não deveria ser contaminada pelo elemento racional, verificou-se um fato tão compreensível como paradoxal. Desligada do que estava intimamente vinculado a ela, a razão acabou por conseguir uma completa autonomia. Desta tem partido em grande parte a ideia de razão no decurso do pensamento moderno. Sem abandonar o reino do crível, a função desempenhada por tal reino no pensamento filosófico ficou consideravelmente restringido.. E quando a ideia da razão sofreu um processo de desteologização quase completa, a razão não foi já comparada, contrastada ou oposta à , à autoridade, mas a outros elementos; o principal destes foi, ao longo da época moderna, a experiência. As discussões entre os partidários do racionalismo e os que aderiram ao empirismo, puseram em relevo as mudanças sofridas pelo conceito de razão na moderna. O que importa nesta é, por um lado, o sentido gnoseológico (as possibilidades e as dificuldades da razão em apreender o que é verdadeiramente real) e, por outro, o sentido metafísico (a possibilidade ou impossibilidade de dizer que a realidade é, em última análise, de caráter racional). O que se chamou o primado da razão na época moderna é, em rigor, o primado do exame e discussão de tais problemas.

Isto não significa que toda a filosofia moderna tenha estado dominada pelas exigências do pensamento racional. Se é certo que alguns dos grandes filósofos do século dezassete ensaiaram uma racionalização completa do real, e que várias das escolas do século dezoito tentaram reduzir as estruturas da realidade às da idealidade, mais susceptíveis de serem penetradas racionalmente, há que ter em conta que esta racionalidade não foi completa, e que ainda no interior da mesma se deram muito diversos significados do conceito de razão. Entre estes significados destacam-se os seguintes: razão como intuição de certos elementos últimos supostamente constitutivos do real (as naturezas simples); a razão como análise e a razão como síntese especulativa. Estes três significados combinaram-se com frequência, mas vários autores tiveram muito cuidado em distinguir entre a razão analítica e a razão meramente especulativa: a primeira era considerada como a própria da parte teórica da filosofia natural (a física matemática principalmente); A segunda era admitida como uma errónea prossecução das tendências das filosofias clássicas (antigas e medievais), especialmente na medida em que pretendiam ter um conhecimento da natureza sem o freio proporcionado pela combinação da experiência e da análise. No entanto, a razão especulativa apareceu nalguns continuadores de Leibniz de modo tão preponderante que é considerada como o dogmatismo da razão. A Kant deparou-se esta situação e procurou remediá-la ao tentar encontrar uma posição filosófica que iludisse igualmente o dogmatismo (às vezes identificado por ele com o racionalismo) e o cepticismo (com frequência equiparado ao empirismo). O resultado foi a conversão da metafísica em crítica da razão, a exploração das suas possibilidades e limites. Muitos são os significados que tem nos escritos de Kant o vocábulo razão; não só se pode falar da razão pura, da razão prática e das suas variantes, como também pode falar-se de razão na medida em que é distinta do entendimento. A razão é a faculdade que proporciona os princípios do conhecimento a priori. A razão pura é a que contém os princípios para conhecer algo absolutamente a priori. A razão distingue-se do entendimento: este é a faculdade das regras, quer dizer, a atividade mediante a qual se ordenam os dados da sensibilidade pelas categorias, ao passo que aquela é a “faculdade dos princípios”, a atividade que unifica os conhecimentos do entendimento nas ideias. A razão é teórica ou especulativa quando se refere aos princípios a priori do conhecimento, e é prática quando se refere aos princípios a priori da ação. A crítica da razão pura é o exame dos limites do conhecimento puramente racional, único meio de evitar cair no dogmatismo especulativo. A razão foi também um dos grandes eixos da filosofia pós-kantiana, em particular da filosofia do idealismo alemão. Tentou-se desenvolver um tipo de razão que pudesse dar conta do que até então fora considerado ou como irracional ou como unicamente susceptível de descrição empírica. Exemplo eminente a este respeito encontramo-lo em Hegel. A razão é, na filosofia Hegeliana, algo que se faz e devém, e pode ser identificada com a Ideia. A fenomenologia da razão manifesta-se, portanto, paralelamente à fenomenologia do espírito. O percurso do regresso a si mesma da consciência à razão permite primeiramente esta como a certeza da consciência de ser toda a realidade, mas esta concepção é só um primeiro estádio no desenvolvimento dialéctico que vai da razão que observa à atualização da consciência de si mesma pela sua própria atividade e que desemboca na individualidade que se sabe real em si e por si mesma. Num posterior estado, a razão é a razão que examina as leis, as suas próprias leis, a completa absorção do real pelo racional e a consequente identificação de razão e realidade.

Quer seja para retomar em parte a via iniciada por Kant, quer pelas exigências do desenvolvimento da filosofia e das ciências, o pensamento filosófico do século dezanove e do século vinte ocupou-se com frequência do problema da razão, tanto em sentido gnoseológico como metafísico. Tentou descrever o processo da razão não só sob o aspecto histórico, mas também sistemático. Os trabalhos de Husserl, e de alguns dos seus discípulos acerca do problema e do conceito da razão conduziram tanto a uma nova delimitação das suas possibilidades como ao reconhecimento de uma ampliação das suas virtualidades e potências. Finalmente, há que assinalar os esforços que podem agrupar-se sob o nome de razão histórica e que, iniciados de modo maduro por Dilthey, constituem um novo ataque ao problema das relações entre a razão e a realidade. Dentro destes esforços encontra-se a filosofia da razão vital ou razão vivente de Ortega y Gasset, da qual se depreende que não basta desdenhar da razão, como fazem os irracionalistas, nem tão pouco manter-se dentro das margens da razão tradicional: o que se deve fazer é reconhecer é que só quando a própria vida funciona como razão conseguimos compreender algo humano. Deste modo a razão vital é a própria vida na medida em que é capaz de dar conta de si mesma e das suas próprias situações.. A razão não é heterogênea à vida, nem sequer idêntica a ela: é o órgão da vida que pode converter-se no órgão de toda a compreensão. as repetidas lamentações acerca do fracasso da razão podem então ser justificáveis apenas como fracasso de um determinado conceito de razão. [Ferrater]