Filosofia – Pensadores e Obras

pessoa

(gr. prosopon, hypostasis; lat. persona; in. Person; fr. Personne; al. Person; it. Persona).

No sentido mais comum do termo, o homem em suas relações com o mundo ou consigo mesmo. No sentido mais geral (porquanto essa palavra foi aplicada também a Deus), um sujeito de relações. É possível distinguir as seguintes fases desse conceito: !) função e relação-substância; 2) auto-relação (relação consigo mesmo); 3) heterorrelação (relação com o mundo).

1) Essa palavra deriva de persona, que, em latim, significa máscara (no sentido de personagem: in. Character; fr. Personnage; al. Rolle) e foi introduzida com esse sentido na linguagem filosófica pelo estoicismo popular, para designar os papéis representados pelo homem na vida: Epicteto diz: “Lembra-te de que aqui não passas de ator de um drama, que será breve ou longo segundo a vontade do poeta. E se lhe agradar que representes a pessoa de um mendigo, esforça-te por representá-la devidamente. Faze o mesmo, se te for destinada a pessoa de um coxo, de um magistrado, de um homem comum. Visto que a ti cabe apenas representar bem qualquer pessoa que te seja destinada, a outro pertence o direito de escolhê-la” (Manual, 17, trad. Leopardi; cf. Dissertazioni, I, 29, etc). O conceito de papel, neste sentido, pode ser reduzido ao de relação: um papel outra coisa não é senão um conjunto de relações que ligam o homem a dada situação e o definem com respeito a ela. Por isso, a noção de pessoa revelou-se útil quando foi preciso expressar as relações entre Deus e o Cristo (considerado como o Logos ou Verbo), e entre ambos e o Espírito, mas ao mesmo tempo foi fonte de mal-entendidos e heresias. Com efeito, por um lado a relação parecia ter sido somada — acidentalmente somada — à substância da coisa; este pelo menos era seu conceito na filosofia tradicional e, em particular, na aristotélica (v. relação). Por outro lado, a própria palavra pessoa, lembrando a máscara de teatro, parecia implicar o caráter aparente e não substancial da pessoa. Daí nasceram as longas disputas trinitárias que caracterizam a história dos primeiros séculos do Cristianismo e que levaram às decisões do Concilio de Niceia (325). Para evitar a associação entre a noção de pessoa e a de máscara, os escritores gregos adotaram, em vez de prosopon, a palavra hypostasis, que, em seu significado de “suporte”, revela as preocupações que sugeriram a escolha. Mas sobre o caráter acidental que a relação parece ter por natureza, muitos padres da Igreja acharam melhor simplesmente negar que a pessoa fosse relação, e insistir na sua substancialidade. Era o que fazia, p. ex., S. Agostinho, ao afirmar que pessoa significa simplesmente “substância”, e que por isso o Pai é pessoa em relação a si mesmo (ad se), e não em relação ao Filho, etc. (De Trin., VII, 6). Com base nisso, Boécio dava a definição de pessoa que se tornou clássica em toda a Idade Média: “pessoa é a substância individual de natureza racional” (De duabus naturis et una persona Christi, 3 pessoa L., 64, col. 1345). Mas, como nota Tomás de Aquino (S. Th., I, q. 29, a. 4, contra), o próprio Boécio admitia que “todo atinente às pessoa significa uma relação”; além disso, não havia outra maneira de esclarecer o significado das pessoas divinas, senão a de esclarecer as relações entre elas, com o mundo e com os homens. Tomás de Aquino, portanto, em um de seus textos mais notáveis pela clareza e força filosófica (prescindindo do significado teológico-religioso), ao elucidar o dogma trinitário, restabelece o significado do conceito de pessoa como relação, mesmo afirmando simultaneamente a substancialidade da relação in divinis. “Nãodistinção em Deus, a não ser em virtude das relações de origem. Contudo, em Deus a relação não é como um acidente inerente ao sujeito, mas é a própria essência divina, de tal modo que subsiste do mesmo modo como subsiste a essência divina. Assim como a divindade é Deus, a paternidade divina é Deus Pai, que é pessoa divina: portanto, a pessoa divina significa a relação enquanto subsistente, isto é, significa a relação na forma da substância, que é a hipóstase subsistente na natureza divina, embora aquilo que subsiste na natureza divina outra coisa não seja senão a natureza divina” (S. Th., I, q. 29, a. 4). Deste modo, ao lado do caráter substancial ou hipostático da pessoa, era energicamente ressaltado o seu significado de relação. Isto no que se refere às pessoa divinas. No que concerne à pessoa em geral, Tomás de Aquino afirmava que, à diferença do indivíduo, que por si é indistinto, “a pessoa, numa natureza qualquer, significa o que é distinto nessa natureza, assim como na natureza humana significa a carne, os ossos e a alma que são os princípios que individualizam o homem” (Ibid., I, q. 29, a. 4). Portanto, segundo Tomás de Aquino, mesmo no sentido comum a pessoa é distinção e relação.

2) A partir de Descartes, ao mesmo tempo em que se enfraquece ou diminui o reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de relação, especialmente de auto-relação ou relação do homem consigo mesmo. O conceito de pessoa neste sentido identifica-se com o de Eu como consciência, e é analisado sobretudo no que se refere àquilo que se chama de identidade pessoal, ou seja, unidade e continuidade da vida consciente do Eu. Locke afirma que a pessoa “é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele” (Ensaio, II, 27, 11). A pessoa é aqui identificada com a identidade pessoal, com a relação que o homem tem consigo mesmo, e esta última com a consciência. Leibniz está de acordo com Locke nesse aspecto, mas insiste também na identidade física ou real como outro componente da pessoa, além da identidade moral ou da consciência (Nouv. ess., II, 27, 9). A relação consciente do homem consigo mesmo torna-se, a partir de então, característica fundamental da pessoa. Wolff diz: “A pessoa é o ente que conserva a memória de si mesmo, ou seja, lembra-se que é o mesmo que foi antes, neste ou naquele estado” (Psychol. rationalis, § 741). E Kant analogamente afirma: “O fato de o homem poder representar seu próprio eu eleva-o infinitamente acima de todos os seres vivos da terra. Por isso, ele é uma pessoa, e por causa da unidade de consciência persistente através de todas as alterações que podem atingi-lo, é uma só e mesma pessoa” (Antr., § 1). Hegel entendia por pessoa o sujeito autoconsciente enquanto “simples referência a si mesmo na própria individualidade” (Fil. do dir., § 35). Lotze diz: “A essência da pessoa não se reporta a uma oposição passada ou presente do eu ao não eu, mas consiste no imediato ser por si” (Mikrokosmus, I, 1856, p. 575). E Renouvier diz: “A consciência toma o nome de pessoa quando é levada ao grau superior de distinção e extensão no qual atinge o conhecimento de si mesma e do universal, bem como o poder de formar conceitos e aplicar as leis fundamentais do espírito, que são as categorias” (Nouvelle monadologie, 1899, p. 111). Visto que a pessoa é, neste sentido, simplesmente a relação do homem consigo mesmo (o que é a definição da consciência) identifica-se com a consciência, e essa identificação é o único dado conceptual que se pode achar na exaltação retórica da pessoa que caracteriza algumas formas contemporâneas de personalismo .

3) Contra a interpretação acima de pessoa estão obviamente as posições filosóficas que se recusam a reduzir o ser do homem à consciência e fazem polêmica contra a forma mais radical dessa interpretação, que é o hegelianismo. Neste sentido, a antropologia da esquerda hegeliana e do marxismo, apesar de não se ter preocupado, abertamente, em esclarecer o conceito de pessoa, constitui o início de uma renovação desse conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica se calara: a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente pelas “relações de produção e de trabalho”, de que o homem participa com a natureza e com os outros homens para satisfazer às suas necessidades (cf. Marx, Deutsche Ideologie, I). Por outro lado, a doutrina moral kantiana já caracterizara o conceito de pessoa em termos de heterorrelação, ou seja, relação com os outros. Quando Kant dizia que “os seres racionais são chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode ser empregado unicamente como meio” (Grundlegung Zur Met. der Sitten, II), declarava que a natureza da pessoa, do ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva. No entanto, foi só com a fenomenologia que o conceito de pessoa como heterorrelação ingressa explicitamente na filosofia. Husserl, considerando o eu como o “polo da vida intencional ativa e passiva e de todos os hábitos criados por ela” (Cart. Med., § 44), acentuava essa relação com outra coisa, em que consiste a intencionalidade. Mas é sobretudo com Scheler que a pessoa é explicitamente definida como “relação com o mundo”. Segundo ele, a pessoa é definida essencialmente por essa relação, assim como o eu é definido pela relação com o mundo externo, o indivíduo pela relação com a sociedade, o corpo pela relação com o ambiente. Segundo Scheler, “o mundo nada mais é que correlação objetiva da pessoa; portanto, a cada pessoa individual corresponde um mundo individual” (Formalismus, 1913, p. 408). As esferas objetivas que se podem distinguir no mundo (objetos internos, objetos externos, objetos corpóreos, etc.) tornam-se concretos apenas enquanto partes de um mundo correlativo a uma pessoa, enquanto domínio das possibilidades de ação da própria pessoa A pessoa, neste sentido, não deve ser confundida com a alma, com o eu ou com a consciência: um escravo, p. ex., é todas essas coisas, mas não é pessoa porque não tem possibilidade de agir sobre o próprio corpo, e assim um elemento de seu mundo escapa-lhe (Ibid., p. 499). “A pessoa” — diz ainda Scheler — “só se dá onde se dá um poder fazer por meio do corpo, mais precisamente um poder fazer que não se fundamenta apenas na lembrança das sensações ocasionadas pelos movimentos externos e pelas experiências ativas, mas que precede o agir efetivo (Ibid., p. 499). Não obstante os numerosos e nem sempre coerentes vaivéns metafísicos a que Scheler submeteu sua doutrina, seu conceito de pessoa como de “relação com o mundo” foi fecundo, inclusive porque assumido como ponto de partida da análise existencial de Heidegger (Sein und Zeit, § 10, ‘); esta se centrou precisamente no conceito da pessoa humana, de existência, como relação com o mundo.

Esse conceito de pessoa, que, como vimos, não coincide com o de eu, foi formulado em termos análogos e é geralmente empregado nas ciências sociais. A definição habitualmente recorrente nessas ciências, de pessoa como “o indivíduo provido de status social”, faz referência à rede de relações sociais que constituem o status da pessoa. A consideração da pessoa como unidade individual, com a qual se lida no domínio considerado por essas ciências, corresponde à mesma determinação conceitual do termo como agente moral, sujeito de direitos civis e políticos ou, em geral, membro de um grupo social. O homem é pessoa porque, nos papéis que desempenha, é essencialmente definido por suas relações com os outros. [Abbagnano]


Recebe este nome o indivíduo de ordem espiritual. E portanto um indivíduo dotado de natureza espiritual em sua peculiaridade não-comunicável. No mundo visível só o homem aparece como pessoa; designa-se com um nome próprio e apresenta-se como sujeito de toda proposição, como portador de todas as propriedades: Paulo é homem, é artista, é sadio, etc. (daí, o latim suppositum = que está posto debaixo [v. supósito]; o grego hypostasis = o que está debaixo). À essência da pessoa pertence somente a capacidade de autoconsciência espiritual e, correspondentemente, a de dispor de si mesmo, não absolutamente o exercício atual de dita capacidade; a criança no seio materno já é pessoa. Sem dúvida, a natureza espiritual deve realizar-se no indivíduo de maneira não-comunicável; por isso, a essência divina e a humanidade de Cristo, apesar de serem substâncias individuais, não são pessoas, porque a primeira pertence às três pessoas divinas, e a segunda é comunicada, como natureza humana ao Filho de Deus.

A dignidade incomparável da pessoa humana foi sempre conhecida. Enquanto os sujeitos (supposita) infra espirituais vivem só ao serviço da espécie, a pessoa tem, acima do bem da espécie e do todo social, seu destino e fim absolutamente exclusivos, irreiteráveis (personalismo). Esta prerrogativa baseia-se em sua liberdade, mercê da qual ela determina seu próprio caminho, sem estar presa, com necessidade inevitável, às leis essenciais de sua espécie; e em sua imortalidade, em virtude da qual aspira a uma perfeição que só a ela compete. Donde, o nunca ser lícito utilizar a pessoa como se fosse uma coisa, como puro meio em ordem a um fim; contudo, ressalvado seu valor próprio, a pessoa deve prestar sua contribuição à comunidade, se necessário, à custa dos mais duros sacrifícios, com risco até da própria vida.

Do ponto de vista da história do pensamento, o cristianismo, por defender a natureza espiritual do homem, dotada de liberdade e imortalidade, alcançou méritos imperecedouros no que diz respeito à nobreza intangível da pessoa. Em oposição a isso, a pessoa tem sido objeto de múltiplas e muito contrárias apreciações. Schopenhauer, influenciado pelo budismo, vê na individualização pessoal a desgraça primitiva que reclama a salvação mediante a diluição do indivíduo na vontade universal. Prosseguindo até ao extremo o trilho rasgado por Parmênides e Platão, Hegel esvazia a pessoa, convertendo-a em mero momento transitório na evolução da ideia absoluta; nesta concepção se fundam as tendências coletivistas do materialismo dialético. Assim, enquanto, por um lado, a pessoa é sacrificada ao todo geral, por outro lado, do ponto de vista do conceptualismo, este todo volatiliza-se. Situa-se a pessoa sobre si mesma, solitária e sem ligações, e, deste modo, se prepara o caminho à degeneração de um individualismo desenfreado; dele foi vítima a Idade Moderna, a partir do Renascimento. Em Nietzsche encontram-se rastos coletivistas e rastos individualistas, consoante se atentar na multidão ou no super-homem. Hoje, a filosofia existencial (filosofia da existência), oriunda de Kierkegaard e preparada por Scheler advoga de novo a causa da pessoa; desloca todavia exageradamente a essência da mesma para o que é inerente ao ato, embora seja verdade que o homem se eleva à autenticidade ou existência, isto é, à plena realização de seu ser-pessoa, só pela decisão com que aceita seu ser. — Com isto vemos qual seja a tarefa que ao homem incumbe como pessoa: cumpre-lhe desenvolver-se conforme a lei nele inscrita e passar, assim, da pessoa à maturação da personalidade. — Lötz. [Brugger]


Na sua acepção clássica, o termo pessoa deriva de máscara. Trata-se da máscara que cobria o rosto de um ator quando desempenhava o seu papel no teatro., sobretudo na tragédia. Daqui derivam, por sua vez, duas significações igualmente antigas. Por um lado, pessoa é o personagem. Por outro lado, faz-se derivar o termo de fazer ressoar a voz, como o fazia o ator através da máscara. Discute-se os gregos tiveram ou não uma ideia de pessoa enquanto “personalidade humana”. Em geral, adota-se uma posição negativa, mas pode presumir-se que alguns tiveram uma intuição do fato do homem como que personalidade que transcende o ser parte do cosmos ou membro do estado-cidade. Poderia ser esse, por exemplo, o caso de Sócrates.

As elaborações mais explícitas na noção de pessoa devem-se, em especial, ao pensamento cristão. Um dos primeiros a desenvolver plenamente esta noção foi Santo Agostinho, que logrou que o termo poderia usar-se para referir-se à Trindade (as três pessoas) e ao ser humano. Referiu-se às pessoas divinas baseando- se na noção aristotélica de relação, para evitar considerá-las como simples substância impessoais no sentido tradicional. Mas Além disso, Santo Agostinho encheu os seus conceitos com o fruto da experiência que, desde então, se passou a chamar precisamente pessoal. A ideia de pessoa, em Santo Agostinho, perde a relativa exterioridade que, todavia, tinha, para assumir decididamente um caráter íntimo. A ideia de relação serviu a Santo Agostinho para destacar o ser relativo a si mesmo e de cada pessoa divina pelo qual e efetivamente há três pessoas e não apenas uma. A ideia de intimidade, para fazer desta relação consigo mesmo não algo abstrato mas eminentemente concreto e real.

Um dos autores mais influentes na história da noção de pessoa foi Boécio, que proporcionou a definição básica para quase todos os pensadores medievais: “a pessoa é uma substância individual de natureza racional”. A pessoa é uma substância que existe por direito próprio e que é perfeitamente incomunicável.

Santo Anselmo (monologio) aceita a definição de Boécio, mas assinala que há um contraste entre pessoa e substância.. com efeito, diz Santo Anselmo:

“fala-se só de pessoa relativamente a uma natureza racional individual, e da substância relativamente aos indivíduos, a maioria dos quais subsistem na pluralidade”. S. Tomás recorda a definição de Boécio e manifesta que enquanto a individualidade se encontra propriamente na substância que se individualiza por si mesma, os acidentes não são individualizados por uma substância. Por isso, as substâncias individuais recebem o nome especial de hipóstases ou substâncias primeira.. Ora, como os indivíduos se encontram de modo mais especial nas substâncias racionais que t~em o domínio dos seus próprios atos e a faculdade de atuarem por si mesmas, os indivíduos de natureza racional possuem um nome que os distingue de todas as primeiras substâncias: o nome pessoa. Assim, diz-se da pessoa que é substância individual com o fim de designar o singular no gênero da substância e acrescenta-se que é de natureza racional para mostrar que se trata de uma substância individual da ordem das substâncias racionais. Segundo Ocam, a pessoa é uma substância intelectual completa que não depende de outro suposto. Quase todas as ideias relativas à pessoa expostas até agora sublinham o seu ser por si e, desse modo, a sua independência e incomunicabilidade. Mas há dentro do cristianismo outras ideias que destacam a relação e a origem da pessoa.

Os autores modernos não eliminaram os elementos metafísicos em que se fundava grande parte da concepção tradicional. Assim, por exemplo, Leibniz diz que “a palavra pessoa traz consigo a ideia de um ser pensante e inteligente, capaz de razão e de reflexão, que pode considerar-se como o mesmo, como a mesma coisa, que pensa em tempos distintos e em lugares diferentes, o que faz unicamente por meio do pensamento que tem das suas próprias ações” (NOVOS ENSAIOS). Contudo, muitos autores modernos, agregaram também elementos psicológicos e éticos. Muitos propuseram a distinção entre a noção de indivíduo e a de pessoa. Por um lado, define-se negativamente a unidade do indivíduo: algo, ou alguém, é indivíduo, quando não é outro indivíduo. Em contrapartida, pode definir-se a unidade da pessoa positivamente mediante elementos procedentes de si mesma. Por outro lado, quando o indivíduo é um ser humano, é uma entidade psicofísica; a pessoa, em contrapartida, é uma entidade que se funda numa realidade psicofísica, mas não redutível inteiramente a ela. Finalmente, o indivíduo está determinado no seu ser; a pessoa é livre e é essa a sua essência.. Esta contraposição, entre o determinado e o livre, o indivíduo e a pessoa, foi elaborada por filósofos que persistiram na importância do ético na constituição da pessoa. Assim aconteceu em Kant, que definiu a pessoa ou a personalidade, como “a liberdade e a independência perante o mecanismo da natureza toda, consideradas ao mesmo tempo como a faculdade de um ser submetido a leis próprias, isto é, a leis puras práticas estabelecidas pela sua própria razão” (CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA). A personalidade moral, para Kant, “a liberdade de um ser racional submetido a leis morais”. Embora o ser racional se dê a si mesmo estas leis morais, isso não significa que sejam arbitrárias. Se o fossem, não emergiriam da pessoa, mas daquilo a que chamamos “o indivíduo”. A pessoa é “um fim em sisi mesmo”. Não pode ser substituída por outra.. O mundo material é, por isso, um mundo de pessoas.

Depois de Kant, voltaram a assumir importância os elementos metafísicos da noção de pessoa. Assim, aconteceu com Fichte, para o qual o Eu é pessoa não só por ser um centro de atividades racionais, mas sobretudo por ser um “centro metafísico”que se constitui a si mesmo “ao pôr-se a si mesmo”.

Desde então o conceito de pessoa tem sofrido alterações fundamentais, pelo menos em dois aspectos: quanto à sua estrutura e quanto às suas atividades. Relativamente à estrutura, houve tendência para abandonar a concepção substancialista da pessoa para ver nela um centro dinâmico de atos. Quanto às suas atividades, houve tendência para contar entre elas não só as racionais, mas também as emocionais e volitivas. Deste modo, pensa-se que é possível evitar os perigos do impessoalismo que se apressa a identificar pessoa com substância e esta com coisa. É explícita a definição de Max Scheler: “a pessoa é uma unidade de ser concreta e essencial de atos da essência mais diversa… O ser da pessoa funda todos os atos essencialmente diversos” (ÉTICA). Segundo esta concepção, a pessoa não é um ser natural nem tão pouco membro de um“espírito cósmico”. É a unidade dos atos espirituais ou dos atos intencionais superiores. se pode dizer da pessoa que também é um indivíduo, deve acrescentar-se que é um indivíduo de caráter espiritual. Esta concepção destaca na realidade da pessoa o motivo que considera fundamental: o da sua transcendência. Se a pessoa não se transcende constantemente a si própria, ficaria sempre dentro dos limites da individualidade psicofísica e, em última análise, acabaria imersa na realidade impessoal da coisa. [Ferrater]


Sem entrar na noção metafísica de pessoa, que pressupomos, mas que não nos resolve nenhum problema estritamente gnoseológico; e pressupondo que um suposto mineral se chama pedra, e um suposto vegetal se chama planta, e um suposto sensitivo se chama animal, e um suposto humano se chama homem, temos que afirmar que, em uma metodologia gnoseológica concreta, nos interessa imediatamente mais o homem como suposto humano que a pessoa como suposto racional, ainda que permaneça incluída no homem. O que significa que consideramos realmente o suposto humano, enquanto supossitum cognoscens, como a expressão gnoseológica da pessoa. Por isso no animal não cabe gnoseologia alguma, e por isso vemos que o homem é uma realidade transcendente à matéria e à animalidade; fenomenologicamente isso o percebemos pela Gnoseologia, pelo conhecer gnoseológico que, ao mesmo tempo, nos descobre que entre o homem e o animal há uma mudança de natureza. [Alejandro]