(gr. methexis; lat. partecipation; in. Participation; fr. Partécipation; al. Teilnahme, Partizipation; it. Partecipazioné).
1. Um dos dois conceitos de que Platão se valeu para definir a relação entre as coisas sensíveis e as ideias; o outro é o de presença ou parúsia (parousia). “Nada torna bela uma coisa” — disse ele — “a não ser a presença ou a participação do belo em sisi mesmo, seja qual for o caminho ou o modo como a presença ou a participação se realizam” (Fed., 100 d). Mais tarde, Platão entendeu a participação como imitação: “Parece-me que as ideias estão como exemplares na natureza, que os outros objetos semelhem a elas e sejam suas cópias, e que essa participação das coisas nas ideias consiste em serem imagem delas” (Parm., 132 d). Platão não deu muitas outras determinações sobre esse importante conceito da sua filosofia, mas a metafísica medieval a ele recorreu quando precisou distinguir “o ser por essência”, que pertence somente a Deus, do “ser por participação”, que pertence às criaturas; essa distinção garantia a subordinação do ser das coisas ao ser de Deus. Tomás de Aquino de Aquino disse: “Assim o que tem fogo, mas não é fogo, é afogueado (ignitum) por participação, também o que tem ser, mas não é o ser, é ente por participação” (S. Th., I, q. 3, a. 4). Mas o amplo uso que esse conceito teve na metafísica tradicional não contribuiu muito para esclarecê-lo, e ele continuou tão indefinido e obscuro quanto em Platão.
2. L. Lévy Bruhl utilizou muito o conceito de participação para ilustrar a mentalidade dos primitivos: a participação seria anterior à distinção entre as coisas que participam. “A participação não se estabelece entre um morto e um cadáver mais ou menos nitidamente representados (caso em que teria a natureza de relação e deveria ser possível esclarecê-la por meio do intelecto); ela não vem depois das representações, nem as pressupõe, mas é anterior a elas, ou pelo menos simultânea. O que é dado em primeiro lugar é a participação” (Les carnets, I; trad. it., p. 36-37). [Abbagnano]
O ato de participar de alguma coisa. — A teoria da participação concebe a relação entre o mundo ou o espírito humano, por um lado, e Deus, por outro lado, como uma relação de presença recíproca. É a teoria dos neoplatônicos (Plotino); contrapõe-se às teorias da criação, que separa o criador do criado. Em suma, a metafísica da participação é uma forma de panteísmo. Fala-se também de participação para descrever, em psicologia e em sociologia, o estado do homem que vive em simbiose com o mundo e com o outro, sem ter consciência da “objetividade” do mundo e da “alteridade” do outro, sem contra-por-se a eles colocando-se como eu individual: esse estado de participação é o da criança (de seu nascimento até dois anos, aproximadamente). Finalmente, em moral, uma filosofia da participação implica na necessidade de “engajamento” do indivíduo nas lutas sociais e políticas de sua época (por exemplo, o marxismo e o existencialismo). [Larousse]
A participação é originariamente um dos conceitos básicos da teoria platônica das ideias. Toda ideia supramundana realiza exaustivamente, ou seja, segundo a plenitude inteira de suas possibilidades, um conteúdo essencial; pelo que, brilha como ideal sobre o domínio terrestre. As coisas deste mundo apresentam só uma participação das ideias, enquanto só podem receber em si um setor das possibilidades contidas naquelas. Daí, o aparecerem as ideias como sendo o verdadeiro ente, enquanto as coisas terrenas, apegadas ao não-ser ou matéria, significam apenas uma sombra daquele mundo superior, consoante Platão descreve, em termos cativantes, na famosa alegoria da caverna, inserta na “República”. Além deste sentido estático, vigente entre arquétipo o cópia, a participação platônica possui ainda um sentido dinâmico. Quer dizer, essa teoria deve salvar o abismo que se cava entre a ideia supramundana e a coisa terrena. Uma vez que a ideia não penetra na coisa terrena, necessário se torna explicar como, apesar disso, esta é configurada por aquela. Assevera Platão que a coisa terrena participa da ideia, sem que no entanto logre definir categoricamente essa participação.
A noção de participação acompanha o platonismo em sua marcha através dos séculos. Desenvolve-se no neoplatonismo, em S. Agostinho e no augustinismo posterior. S. Tomás de Aquino dá-lhe uma forma até certo ponto clássica, ao fundi-la com o seu aristotelismo. — Para S. Tomás, o fundo primitivo, de que tudo participa, é a plenitude de Deus, o qual como “o” Ser, ou seja, o Ser absoluto ou infinito, inclui todas as perfeições no máximo grau de sua realização ou segundo todas as possibilidades da mesma perfeição ( Deus, perfeição). Ele tem unificado em si, de maneira eminente (modo eminenti), tudo quanto na criação aparece repartido. Como Ser puro que é, é também Ser subsistente, ao passo que o ente finito se compõe essencialmente de forma e sujeito (portador) da mesma (ato, subsistência). Em oposição a todas as teorias panteístico-emanatistas, a participação realiza-se por meio da criação, que implica inseparavelmente a causalidade divina eficiente e exemplar. Por esta última as criaturas são formadas em conformidade com seu arquétipo, de sorte que cada uma reflete, a seu modo, um setor da plenitude daquele. Aos graus desta assimilação correspondem, nas coisas, os graus de ser (graus do ser). A demonstração da existência de Deus a partir destes graus é um dos pontos centrais da reflexão sobre a participação. — No limiar da Idade Moderna, Nicolau de Cusa fêz da ideia de participação o centro de suas preocupações filosóficas. Em nossos dias, as atenções dos estudiosos de novo se têm voltado para a herança platônica e também para a participação. Partindo da inabitação do arquétipo na imagem e do parentesco essencial entre ambos existente, chegou-se a uma compreensão mais profunda da inefável união de Deus com a sua criação, ou seja, da imanência de Deus no mundo. — Lotz. [Brugger]
Esta noção é central na filosofia platônica e, em geral, em todo o pensamento antigo. Pode resumir-se assim: a relação entre as ideias e as coisas sensíveis e inclusive entre si, efetua-se por participação; a coisa é na medida em que participa na sua ideia ou forma, no seu modelo ou paradigma… Esta relação supõe que as coisas sensíveis pertencem a uma realidade inferior análoga à realidade interior e subordinada nas suas sombras relativamente aos corpos que as produzem. Platão não ignora, de certo, as dificuldades desta noção; assim, no Parmênides pergunta-se a coisa participa da totalidade da ideia ou só de uma parte dela. visto que deve aceitar-se que a ideia permanece una em cada um dos múltiplos, não há outra solução que supô-la análoga à luz que, sem estar separada, ilumina cada coisa. Mas, pelo contrário, pode ser também como um véu estendido sobre uma multidão e então cada coisa participa de uma parte da ideia. Aristóteles sublinhou insistentemente a dificuldade do modo seguinte: se tem de admitir que a unidade da ideia se reparte sem deixar de ser unidade, é mister dar uma definição da participação e não “deixar a questão em suspenso” (Metafísica). Contudo, Platão pretendia resolver o problema. No Sofista, procura a solução para o problema da participação do sensível no inteligível, sem que este se divida materialmente, mediante a simples comprovação da diferença que existe entre a forma comum a uma multiplicidade de ideias existentes, a multiplicidade de ideias distintas que participam numa única forma subsistente e a diversidade de todos os irredutíveis… A interpretação da ideia de participação gira em torno da questão de se trata, para Platão, de uma participação real ou de uma participação ideal. No primeiro caso, as ideias são entidades que se repartem (inclusive física e espacialmente) nas coisas; no segundo, são modelos das coisas. Talvez tenhamos que nos inclinar para esta segunda interpretação. O modo como Aristóteles criticou Platão, sobre este ponto, parece apoiar esta interpretação. [Ferrater]
(do lat. participare, e de participatio, participação). Etimologicamente vem de capio, capere, que dá cipere e de partis, parte, parte cipere, sinônimo de recipere. Neste sentido participar é receber de outrem algo. Mas o que é recebido, é recebido não totalmente (totaliter), pois totaliter recipere seria receber em totalidade algo (aliquid). É intuitivo que o conceito de participar implica um receber parcial de algo (aliquid) de outro (ab alio). O que participa é o participante, o qual participa do participável (participabile = o que pode ser recebido) de outro, o participado. Participação seria o fato de participar o participante do participável do participado.
Estabeleciam os neoplatônicos um adágio, posteriormente muito usado pelos escolásticos: “o que é recebido o é segundo o modo de ser do recipiente” (quid-quid recipitur ad modum recipientis recipitur), que poder-se-ia, como na verdade foi feito, dizer do seguinte modo: “Tudo quanto é participado em algo, o é, nele, segundo o modo de ser do participante, pois nada pode receber acima de sua medida” (Omne quod estparticipatum in aliquo est in eo per modum participantis; quia nihil potest recipere ultra mensuram suam). Em suma, se alguém participa de alguma perfeição, dela participa segundo o seu modo de ser; isto é, na medida em que é capaz de participar, no grau que é capaz de receber. E o que marca esse grau, essa capacidade, é o próprio recipiente, o participante. Um exemplo: Numa conferência sobre determinado tema, os ouvintes participarão do mesmo na proporção da sua capacidade de participantes. Desse modo a participação, como fato de receber, será proporcionada ao participante. O participado pode ser de maior grau de perfeição, mas a participação, por parte do participante, dependerá do grau deste.
Esse modo de entender do neoplatonismo foi aceito por Tomás de Aquino. Evidencia-se desde logo que o conceito de participação aponta que o participante recebe ou participa de um participável, que pertence a outro em grau mais elevado, do qual o participante apenas participa. Neste caso, o participável não é do ser do participante, mas sim do ser do participado. Apenas o participante participa de algo que o participado tem em plenitude.
Na filosofia medieval, o que é por essência, é causa de tudo o que é por participação. Assim, o que é por essência do gênero é participado pela espécie. Na definição clássica “homem, animal racional”, este participa da animalidade. A primeira é gênero, e a segunda, diferença específica, que é da essência humana, mas que não é exclusivamente dela, pois racionalidade é, por sua vez, atribuída a outros seres, como os anjos que a teriam em graus mais elevados, e a divindade em grau absoluto.
Entre as diversas espécies de participação temos a participação por composição, que se fundamentaria na dualidade de um recebedor (participante), e de um elemento recebido (participável). Neste caso, participar seria possuir algo que foi recebido; o recebido toma a modalidade do sujeito recebedor. Se o recebedor é menos perfeito do que o elemento que ele recebe, este terá os limites próprios do recebedor. Portanto, na participação por composição, há uma limitação. Esta, ao primeiro olhar, parece verificar-se em todas as espécies de participação, porque há participações sem esta limitação.
O conceito de limite, desde que não seja considerado dialeticamente, pode colocarnos em uma verdadeira aporia, pois ao considerarmos que, na participação por composição há uma limitação, esta é por sua vez participada, o que nos obrigaria a desdobrá-la em duas: participação por limitação e participação por recepção.
Na participação por composição o recipiente é menos perfeito do que o que é por ele recebido, e o recebe apenas como parte, pois não pode recebê-lo sem limitá-lo. É distinguível a composição de a limitação, embora a composição seja um elemento essencial dessa participação. O que é importante salientar aqui é que a limitação não surge propriamente da composição, mas do sujeito receptor, porque nem toda composição é uma participação.
Outra espécie de participação é a participação por similitude ou por hierarquia formal. Neste caso, a essência que é participada não se encontra no participante na plenitude absoluta do seu conteúdo formal. Essas duas espécies de participação não se excluem totalmente.
Aristóteles admitia que a espécie participa do gênero, e que este é atribuído à espécie por participação. Essa afirmativa nos vem de Tomás de Aquino. Na verdade, Aristóteles sempre recusou admitir que a espécie participasse do gênero, pois só admitia participação quando se desse a união de elementos distintos, o que o levava a recusar uma relação de participação entre o gênero e a espécie, pois fundado numa participação apenas de composição, não se daria a unidade da substância, a qual seria em tal caso apenas uma composição de gênero e espécie. Este aspecto é de capital importância nos estudos teológicos, pois o homem não é concebido apenas como uma composição de animalidade e racionalidade, como se desse nele a conjunção de dois elementos, o animal e o racional. O racional já contém a animalidade, e a essência humana é considerada como uma unidade de simplicidade, e assim Tomás de Aquino empresta identidade substancial entre gênero e espécie. E surgem diversas dificuldades que ele explica da seguinte maneira: “participar é, por assim dizer, receber uma parte. Quando um ser recebe de maneira particular o que pertence a outro de maneira universal, diz-se que dele participa. Assim diz-se que o homem participa do animal, porque ele não possui a razão do animal, segundo toda a sua generalidade. Pelo mesmo motivo, Sócrates participa do homem. Da mesma forma o sujeito participa do acidente; e a matéria, da forma; pois a forma substancial ou a forma acidental que, de per si, são comuns, encontram-se determinadas a tal ou a tal sujeito. Diz-se, finalmente, que o efeito participa de sua causa, sobretudo quando ele não iguala a virtude da causa. Dizemos, por exemplo, que o ar participa da luz do sol, porque não a recebe com todo o brilho que possui no sol”.
Temos aqui claramente exposto que Tomás de Aquino aceita a participação por similitude ou por hierarquia formal, não propriamente a de composição, que era aceita por Boécio. Não se deve concluir que ele aceitasse a composição na participação, mas aceitava-a como um dos seus elementos. Deste modo a participação, para ele, teria dois elementos: a composição entre o sujeito, que ele participa e o de que ele participa. Assim a espécie participa do gênero, não porém de toda riqueza do gênero.
As participações podem se dar de quatro modos diferentes:
1) participação de um sujeito concreto a uma forma qualquer;
2) participação entre os elementos de uma essência composta;
3) participação entre termos abstratos, estranhos uns aos outros em seu conteúdo formal;
4) participação entre termos abstratos, mais ou menos universais, compreendidos em uma mesma linha formal.
Na simbólica das religiões os símbolos são participantes das perfeições do Ser Supremo, segundo o seu modo de ser. Daí haver uma hierarquia. Eles são superiores, à proporção que participam mais da perfeição atribuída ao ser supremo que, nas religiões, é a divindade. [MFSDIC]