Filosofia – Pensadores e Obras

necessidade

(gr. ananke; lat. necessitas; in. Need; fr. Besoin; al. Bedürfniss; it. Bisognó).

Em geral, dependência do ser vivo em relação a outras coisas ou seres, no que diz respeito à vida ou a quaisquer interesses. Nesse sentido, fala-se de “necessidade materiais”, “necessidade físicas”, “necessidade espirituais”, “necessidade de disciplina”, “necessidade de “regras”, “necessidade de liberdade”, “necessidade de afeto”, “necessidade de felicidade”, “necessidade de ajuda”, “necessidade de comunicação”, etc. Qualquer tipo ou forma possível de relação entre o homem e as coisas, ou entre o homem e os outros homens, pode ser considerado sob o aspecto da necessidade, implicando que o ser humano depende dessas relações. Na história da filosofia, a noção de necessidade, nesse sentido (v. necessário), foi tratada sob duas perspectivas: 1) mais frequentemente do ponto de vista moral, ou seja, como atitude a tomar diante das necessidade, se de limitação ou de incentivo, ou de que modo e em que grau limitá-las; 2) com menos frequência, do ponto de vista da importância e do significado que a necessidade tem em relação ao modo de ser do homem, da possibilidade que ela representa para ele compreender e descrever sua existência. O problema da disciplina das necessidade, ou seja, da sua limitação qualitativa e quantitativa, é o problema da virtude, em especial da virtude ética, e seus desdobramentos históricos devem ser vistos no verbete Virtude. Aqui, cabe analisar o problema da necessidade como símbolo, sintoma ou elemento da condição humana. Na Antiguidade, Platão parece ter reconhecido o valor da necessidade: esse parece ser o significado da importância por ele atribuída ao amor, que, em O Banquete (204-05), interpretou em seu significado mais amplo como falta e busca do que falta. Além disso, em República (II, 369 b ss.), ele atribui a origem do Estado à necessidade: “Quando um homem se reúne com outro em vista de uma necessidade, e com outro homem em vista de outra necessidade, e quando essa multiplicidade de homens reúne no mesmo local vários homens que se associam para se ajudar, damos a essa sociedade o nome de Estado.” É menos explícita a noção de necessidade encontrada na filosofia de Aristóteles: este certamente não ignora o seu peso na vida individual e social do homem (como demonstra sua Política), mas não lhe atribui função específica: mesmo a origem do Estado, para ele, deve-se à exigência de viver feliz, o que significa sobretudo vida virtuosa (Pol., VII, 2, 1324 a 5 ss.). A filosofia pós-aristotélica desinteressa-se das necessidades, ainda que Epicuro aconselhe a satisfazê-las (Mass. capit., 26; Fr. 200, Usener), pois está muito ocupada em esboçar o ideal de sábio, dedicado à vida puramente contemplativa. Tampouco lançam mão da necessidade para interpretar a realidade humana a filosofia medieval e a moderna, que preferem enfatizar os elementos ou os caracteres que dão destaque à independência do homem em relação ao mundo, e não à sua dependência. Mesmo falando de um “sistema de necessidade”, Hegel prefere dizer que a necessidade é dominada pelo homem, e não o contrário: “O animal tem um círculo limitado de meios e modos de satisfazer às suas necessidade, que são igualmente limitadas. O homem, ainda que dependa delas, demonstra ao mesmo tempo que as supera e universaliza, sobretudo através da multiplicação das necessidade e dos meios, bem como através da decomposição e da distinção da necessidade concreta” (Fil. do dir., § 190). A primeira afirmação clamorosa da importância das necessidade, para a interpretação do que o homem é ou pode ser, seria vista na filosofia de Schopenhauer, que interpretou como necessidade — portanto como falta e dor — a vontade de vida que constitui a essência numênica do mundo. “A base de qualquer vontade é necessidade, falta, ou seja, dor, à qual o homem está vinculado desde a origem, por natureza” (Die Welt, 1819, I, § 57). Fora da metafísica, no terreno da antropologia, quem insistiu na estreita conexão entre necessidade e natureza humana foi L. Feuerbach (Grundsatzeder Philosophie der Zukunft, 1844). Marx, nas obras juvenis (Economia e filosofia, 1844; Ideologia alemã, 1845-46), acentuou a importância das necessidade e, portanto, do trabalho destinado a satisfazê-las, chegando a tomá-las como tema fundamental de sua antropologia (v. pessoa). Na filosofia contemporânea, além do marxismo, a importância da noção de necessidade para a interpretação da realidade humana é ressaltada de um lado pelo naturalismo e de outro pelo existencialismo. Dewey, p. ex., ao insistir na “matriz biológica” das atividades humanas (portanto também da lógica), vê a necessidade como ruptura do instável equilíbrio orgânico e o início da busca que tende a restabelecê-lo (Logic, cap. II, trad. it., p. 63). Por outro lado, na definição de “ser-no-mundo” por Heidegger, em que a existência do homem consiste em cuidado [cura] , o homem depende do mundo, “está lançado no mundo, que domina as possibilidades humanas de relações com as coisas e com os outros homens” (Sein und Zeit, §§ 39 ss., cf. § 20). A noção de necessidade que emerge dessas considerações não é de estado provisório de falta ou deficiência (tem-se necessidade de ar, apesar de este existir em abundância), mas de estado ou condição de dependência que caracteriza de modo específico o homem e, em geral, o ser finito no mundo. [Abbagnano]


Necessário é o que não pode ser de outra maneira ou aquilo cuja contraditória é impossível. A necessidade inclui a possibilidade. Opõe-se contraditoriamente à contingência em sentido lato (possibilidade de não ser) e contrariamente à impossibilidade. — A necessidade absoluta, metafísica ou incondicionada estriba nas relações de essências que se incluem ou reciprocamente se exigem. A necessidade absoluta de existir compete a Deus, mas não podemos deduzi-la de nenhum conceito dado antes de demonstrar sua existência (demonstração de Deus). A necessidade absoluta por nós cognoscível a partir de conceitos é uma necessidade de relações essenciais ou de possibilidade interna. Necessidade relativa ou condicionada é a que depende de uma pressuposição. Se esta dependência se refere a uma causa univocamente determinada pela natureza, temos a necessidade fundada em leis naturais ou físicas (lei natural). Toda necessidade que pressupõe causas livres chama-se necessidade moral. E subjetiva, quando, em virtude de hábito inato ou adquirido, se espera um determinado modo de proceder (certeza); é, pelo contrário, objetiva, relativamente a um meio necessário para conseguir simplesmente um fim pressuposto, ou para melhor o alcançar. — A necessidade lógica indica uma necessidade da conclusão, pressupostas as premissas, das quais flui; portanto, não é necessidade do deduzido em si, mas tão-somente da consequência. — Do ponto de vista epistemológico, distingue-se necessidade subjetiva e necessidade objetiva. A necessidade de combinar entre si determinadas representações, em consequência de associações e complexos, é subjetiva; a necessidade de ligar entre si determinadas representações, conceitos ou proposições, em virtude da intelecção do objeto concreto ou de relações essenciais abstratas é objetiva e universalmente válida. modalidade, determinismo, coação. — Brugger.


Neste artigo, examina-se o conceito de necessidade principalmente do ponto de vista ontológico e metafísico.

Referências mais precisas, em sentido lógico, encontram-se no artigo modalidades e, em sentido real, em determinismo.

Desde Aristóteles, entendeu-se por necessário aquilo que não pode ser de outro modo, aquilo que, por conseguinte, só existe de um modo. Pode entender-se esta noção de duas maneiras: a) como necessidade ideal, que expressa o encadeamento das ideias, e b) como necessidade real, que expressa o encadeamento de causas e efeitos.

É frequente, em muitos filósofos, passar da necessidade real para a ideal e vice-versa. No primeiro caso, supõe-se que há uma razão que rege o universo; no segundo, que o rigoroso encadeamento causal pode expressar-se em termos de necessidade ideal. Para evitar estas confusões, os escolásticos propuseram-se confrontar a noção de necessidade com outras noções morais (entendidas em sentido ontológico). E distinguir entre vários tipos de necessidade. No que diz respeito ao primeiro ponto, afirmaram que a necessidade inclui a possibilidade, é contraditória com a contingência, é contrária à impossibilidade. No que se refere ao segundo ponto, propuseram várias distinções do conceito de necessário. Deste modo, estabeleceram uma gradação entre formas de necessidade q que vão do absoluto ao mais condicionado e que, inclusive, permitem compreender a necessidade condicionada como uma atenuação absoluta. Na verdade, só de Deus se costuma dizer que é impossível que não seja.

Em geral, a época moderna empenhou-se em distinguir mais que entre a necessidade absoluta e a condicionada, entre a necessidade ideal e a real, atribuindo à primeira um caráter absoluto.

Em Descartes, isto é possível por ter situado previamente Deus fora da esfera da necessidade propriamente dita: Deus não faz o que faz por concordar consigo mesmo, mas porque o seu fazer libérrimo cria um âmbito de qualquer possível concordância. Assim a necessidade é a trama ideal dentro da qual surgem, uma vez postos, os princípios e as consequências. Em Espinosa o necessário é forçosamente porque o seu não ser é contraditório.

Daí a sua definição de necessário, “existe necessariamente aquilo para o qual não há nenhuma razão nem causa que impeça que exista” (ÉTICA). Na tentativa de fundir as concepções modernas com as antigas, Leibniz antes entre os conceitos de necessidade metafísica, lógica, física e moral. A primeira necessidade é-o por si mesma; a segunda, porque o seu contrário implica contradição; A terceira, porque há rigoroso encadeamento causal condicionado por um suposto dado; a última, porque o ato necessário deriva do prévio estabelecimento de fins. Por outro lado, as chamadas tendências empiristas descobriram na necessidade algo muito distinto, quer de um conceito abstrato, quer de um princípio ontológico; como qualquer ideia, a necessidade tem de surgir numa impressão, de uma representação e daí que, para Hume, a necessidade se reduza finalmente a um costume. Kant tenta mediar entre estes opostos: a necessidade opõe-se à contingência e é “”aquilo em que a conformidade com o real está determinada segundo as condições gerais da experiência”. Depois de Kant, em contrapartida, e sobretudo no decurso do idealismo alemão, o problema da necessidade tratou-se antes paralelamente ao problema da liberdade. [Ferrater]


(do lat. ne e cedo, ceder, não ceder, não cedível).

Caráter do que é necessário. A necessidade é absoluta ou categórica se ela subsiste sob todas as circunstâncias e se qualquer modificação no estado de coisas ao qual atribuímos o caráter de necessidade, implicaria uma contradição. Ela é hipotética se vale só sob certas circunstâncias que podem ser dadas ou não, e há sempre nos meios exigidos para alcançar um certo fim, porque só subsiste na hipótese de que esse fim seja anelado. Dessa necessidade hipotética do fim se distingue a necessidade hipotética do advento que subsiste em virtude de um fato já consumado, quer se a realização da consequência considerada necessária já teve lugar, quer seja ela esperada no futuro. Leibniz distingue três tipos principais:

1) A necessidade metafísica (ou lógica ou geométrica); o que não pode ser de outra forma, que de fato é, sem implicar uma contradição; o que equivale à necessidade absoluta.

2) A necessidade física (ou natural,) que reina na natureza, que bem podia ser diferente, mas que uma vez por todas foi escolhida e estabelecida por Deus, que criou este mundo; é portanto uma espécie de necessidade hipotética.

3) A necessidade moral, que consiste no fato de que o homem como um ser moral e até Deus, só se podem decidir entre várias possibilidades de escolha, em virtude da concepção de uma dessas alternativas como a melhor, ou a mais conveniente.

No desenvolvimento do conceito de necessidade, desde os pré-socráticos (em gr. ananke) parece uma cega força cósmica. As definições lógicas da filosofia clássica até a sua aplicação na psicologia moderna ( que opõe a necessidade à liberdade, dentro do próprio reino da liberdade da psique) revelam a constância desse conceito, que se impõe ao pensamento humano e serve incontestavelmente de pedra angular a cada filosofia, o que mostra também como ele é pouco maleável e impenetrável na sua própria natureza, o que o faz ser um dos conceitos fundamentais e irredutíveis do ser e do pensamento. Segundo Kant a necessidade é uma das categorias da modalidade. [MFSDIC]