O predicado “é irreal” significa “carece de realidade” ou, simplesmente, “não é real”. Mas dizer que algo é irreal é o mesmo que dizer que há algo que é irreal; mas se há algo, não pode ser irreal, mas real. Esta dificuldade, contudo, não é grave: por um lado, pode alegar-se que há um modo de usar o predicado “é irreal”, que consiste em aplicálo ao sujeito “não ser” (ou o não ser, ou o nada, ou simplesmente um não ser). Então dir-se-á que o não ser é irreal, ou que todo o não ser é irreal. Por outro lado, pode dizer-se que o ser irreal indica apenas o não ser real. Mas além disso a irrealidade é definível em função do que se considere em cada caso o que é a realidade. Assim, se supõe que a realidade é material, e que sóvo material é real, então o que não for material será irreal…. Mas ainda ficarão várias possibilidades para o irreal: o ser imaginado, o ser conceptual ou nocional, o ser ideal, e… O mesmo sucederá com qualquer definição que se proponha do real e da realidade. Se, por exemplo, a realidade inclui tudo o que é, poderá dizer-se que o que vale e irreal. É certo se no que há se inclui tudo – o que é, o que sucede, o que existe, o que é possível, o que é impossível, o que é contraditório, o que é atual, o que pensado ou pensável, imaginado ou imaginável, o que vale ou o que não vale, o que tem ou não tem sentido, etc -, então não haverá “lugar ontológico para o irreal. Mas se no que há se inclui tudo, deverá incluir-se nele também o irreal. Consideremos agora mais diretamente várias possíveis definições de irreal e de irrealidade: Por um lado, pode definir-se o irreal como o que não é efetivamente real – portanto, poderá ser declarado irreal todo o pensado como pensado, o imaginado como imaginado, etc. Deve ter- se presente que neste caso o irreal não é necessariamente menos que o real no sentido de ser, por exemplo, uma “realidade diminuída”. O irreal não é justamente comparável ao real. Nem sequer pode dizer-se que o irreal é simplesmente uma negação do real. Por esta última razão pode propor-se para se referir ao irreal o termo a-real, que é mais neutral que irreal.
Por outro lado, pode tomar-se como ponto de partida a tese de Husserl segundo a qual a consciência é irreal (IDEIAS) e admitir que todos os fenômenos estudados pela fenomenologia transcendental são caraterizáveis como irreais. Com efeito, tais fenômenos não são outros fenômenos, mas algo outro dos fenômenos. Esta ideia do irreal e da irrealidade aponta para uma condição que pode estabelecer-se como determinante de todo o irreal, aceite-se ou não a fenomenologia transcendental de Husserl. Pode-se enunciar esta condição assim: é irreal tudo o que não se encontra fora do espírito, entendendo por espírito não sujeito psicológico, nem os seus conteúdos, nem os conceitos – tudo o que é de algum modo real -, mas o “puro refletir” o próprio sujeito dos conteúdos do sujeito, os conceitos, etc. Alguns autores contemporâneos têm-se preocupado especialmente em estabelecer as caraterísticas e diferentes tipos dos chamados “objetos irreais”, diferentemente dos objeto~s reais e dos objetos ideais e têm descrito como irrealidades os pensamentos “”pensamentos sobre” e não “pensamentos de “ as entidades imaginadas, o conteúdo das alucinações, os ideais, etc. Jean-Paul Sartre, por seu lado, tratou como irreais certas imagens. [Ferrater]