(gr. aitia, logos; lat. ratio; in. Foundation; fr. Fondement; al. Grund; it. Fondamentó).
Causa, no sentido de razão de ser. Esta é uma das significações principais do termo “causa”, graças à qual contém a explicação e justificação racional da coisa da qual é causa. Aristóteles diz: “Acreditamos conhecer um objeto de maneira absoluta — não acidentalmente ou de modo sofistico — quando acreditamos conhecer a causa por que a coisa é e acreditamos conhecer que ela é causa da coisa e que esta não pode ser de outra maneira” (An. post., I, 2, 71b 8). Nesse sentido, causa é razão, logos (De part an., I, 1, 639 b 15), pois não só permite compreender a ocorrência de fato da coisa, mas também o seu “não poder ser de outra maneira”, sua necessidade racional. Na doutrina aristotélica, portanto, assim como em todas as que dela provêm, a causa-razão é um conceito ontológico que expressa a necessidade do ser enquanto substância. É nesse sentido que Hegel usa esse conceito: “O fundamento é a essência que é em si e esta é essencialmente fundamento; e fundamento só é como fundamento de alguma coisa, de um outro” (Enc., § 121). De fato, nesse sentido fundamento é “a essência posta como totalidade” (Ibid., § 121), a razão da necessidade de uma coisa, como julgava Aristóteles.
Em Leibniz, todavia, essa noção adquiriu sentido diferente e específico, distinguindo-se nitidamente da noção de causa essencial ou substância necessária: passa a designar uma conexão falha de necessidade, mas capaz de possibilitar o entendimento ou a justificação da coisa; o princípio desta conexão é chamado de princípio de razão suficiente (Principium rationis sufficientis, Satz vom zureichenden Grunde). Leibniz chega à formulação desse princípio através da contraposição entre a conexão livre mas determinante e a conexão necessitante. Ele diz: “A conexão ou concatenação é de duas espécies: uma é absolutamente necessária, de tal modo que seu contrário implica contradição, e tal conexão verifica-se nas verdades eternas, como as da geometria; a segunda só é necessária ex hypothesi e, por assim dizer, por acidente, sendo contingente em si mesma, uma vez que o seu contrário não implica contradição.” Esta segunda conexão verifica-se na relação entre uma substância individual e suas ações: p. ex., o fundamento do fato de César ter atravessado o Rubicão está, sem dúvida, na própria natureza de César, mas isso não indica que esse acontecimento seja necessário em sisi mesmo ou que o seu contrário implique contradição. Da mesma maneira, Deus sempre escolhe o melhor, mas escolhe-o livremente, e o contrário do que escolhe não implica contradição. “Toda verdade fundada nesses tipos de decretos é contingente, conquanto certa, porque esses decretos não mudam a possibilidade das coisas; e apesar de Deus, como já disse, sempre escolher indubitavelmente o melhor, isso não impede que o que é menos perfeito não seja e continue possível em sisi mesmo, ainda que não aconteça, porque não é sua impossibilidade que o faz repelir, mas sua imperfeição. Ora, nada é necessário cujo oposto seja possível” (Disc. de mét., 1686, § 13). Como mostram os textos de Leibniz, o fundamento ou razão suficiente tem uma capacidade explicativa diferente da causa ou razão de ser de Aristóteles. Esta última explica a necessidade das coisas, por que a coisa não pode ser diferente do que é. O fundamento ou razão suficiente explica a possibilidade da coisa, explica por que a coisa pode ser ou comportar-se de certa maneira. Foi exatamente por isso que Leibniz destinou o princípio de razão suficiente a servir de fundamento das verdades contingentes, continuando a admitir, como fizera Aristóteles, o princípio de contradição como base das verdades necessárias (De scientia universali, em Opera, ed. Erdmann, p. 83). Todavia, foi só Kristian Wolff que atribuiu ao princípio do fundamento (ou princípio da razão suficiente) a condição de princípio de toda a filosofia e do seu método. Foi com base nele que Wolff definiu a filosofia como “ciência das coisas possíveis e enquanto podem existir” (Log., Disc. prael., § 29) e considerou como tarefa fundamental dela dar a “razão pela qual as coisas possíveis podem chegar a ser” (Ibid., § 31). Desse ponto de vista, toda a atividade filosófica consiste na determinação do fundamento (ratio, Grund), entendendo por fundamento “a razão pela qual alguma coisa é ou acontece” (Ibid., § 4). Wolff, todavia, reintegrava o princípio de razão suficiente na significação necessarista. Distinguia o principium essendi, que contém a razão da possibilidade da coisa, do principium fiendi (ou do acontecer) que contém a razão da realidade (Ont., § 874), bem como o principium cognoscendi, com o qual entendia “a proposição por meio da qual se conhece a verdade de outra proposição” (Ibid., § 876). Está claro que tanto o principium fiendi (que é o princípio da causalidade) quanto o principium cognoscendi (que é a demonstração) têm caráter necessitante, aliás também presente na obra de Baumgarten, que tende a integrá-lo no de contradição (Met., § 20). Esta tendência era predominante na escola wolfiana (cf. Cassirer. Erkenntnissproblem, VII, cap. 3; trad. it., II, pp. 596 ss.) e só sofreu a oposição de Crusius, que insistia na distinção do princípio de razão suficiente do princípio de causalidade, justamente para excluir do primeiro o caráter necessitante (De usu et limitibus principii rationis determinantis, 1743, § 4), correção que Kant aceitou numa de suas primeiras obras (Principionim primorum cognitionis metaphysicae nova dilucidatio, 1755). Depois de Crusius, todavia, o caráter não necessitante do princípio de razão suficiente — caráter que convencera Leibniz de admiti-lo como um princípio em si — desapareceu completamente. A mesma distinção estabelecida por Crusius entre princípio de razão suficiente e princípio de causalidade serviu para considerar os dois princípios como duas expressões do princípio de necessidade. Esse foi justamente o caminho seguido por Schopenhauer em sua obra Die vierfache Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde (1813). Schopenhauer enumerava quatro formas do princípio de razão suficiente, ou seja, ao lado das duas distinguidas por Crusius, punha o princípio de razão suficiente do ser, que rege as relações entre os entes matemáticos, e o princípio de razão suficiente do agir, que rege as relações entre as ações e seus motivos. Contudo, o caráter não necessitante do fundamento é confusamente reconhecido nos seus usos metafísicos. Schelling, em Untersuchungen überdas Wesen der menschlichen Freiheit (1809), entendeu por fundamento o desejo ou a vontade de viver, de que depende tanto a existência do homem quanto a de Deus. Neste sentido, fundamento não é, obviamente, uma causa necessitante. Com sentido análogo, Heidegger disse: “a liberdade é o fundamento do fundamento”. Explica: “A liberdade, por ser o fundo deste fundamento, também é o abismo (sem fundo) do ser-aí. Não que seja infundado o relacionamento individual e livre, mas no sentido de que a liberdade, em sua natureza essencial de transcendência, põe o ser-aí, como poder-ser em possibilidades que se estendem diante de sua escolha finita, ou seja, em seu destino” (Vom Wesen des Grundes, 1928, III; trad. it., pp. 77-78). Em outras palavras, para a existência humana o fundamento é o enraizamento no mundo, em virtude do que possibilidades projetadas são limitadas e comandadas pelo próprio mundo. O fundamento expressa o condicionamento que o mundo exerce sobre o homem em virtude do seu enraizamento no mundo.
Emerge claramente desses textos o traço característico da noção em exame, que é expressar um condicionamento não necessitante. Essa é de fato a significação mais comum e geral do termo tanto na linguagem comum quanto na filosófica. fundamento é o que explica uma preferência, uma escolha, a realização de uma alternativa e não de outra. Fala-se em fundamento todas as vezes em que a preferência ou a escolha é justificada ou quando a realização da alternativa é explicável.
Do mesmo modo, princípio “fundamental” é o que estabelece a condição primeira e mais geral pela qual alguma coisa possa existir, e ciência fundamental é a que contém as condições que tornam possíveis as outras ciências (nesse sentido Wolff chamava a ontologia de Grundwissenschafi). Pode-se dizer, portanto, que no uso moderno essa palavra não tem significação diferente de condição .
O iluminismo alemão do séc. XVIII, que elaborou o conceito de fundamento, também elaborou a noção de método do fundamento (al. Grundlichkeit), cujas regras foram ditadas por Wolff no IV capítulo do Discurso preliminar de Philosophia rationalis, e assim resumidas por Kant no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura: “Algum dia, no sistema futuro da metafísica, cumprirá seguir o método do célebre Wolff, o maior dos filósofos dogmáticos, o primeiro a dar exemplo (graças ao qual se tornou, na Alemanha, o criador do espírito de Grundlichkeit que ainda persiste) de como se pode tomar o caminho seguro da ciência estabelecendo os princípios com regularidade, determinando os conceitos com clareza, procurando o rigor das demonstrações e negando-se a dar saltos na dedução das consequências.” O método da fundamentação consiste em aduzir o fundamento, ou seja, a razão justificativa, a cada passo do filosofar, e dele a filosofia ainda pode esperar uma salvaguarda do arbítrio. [Abbagnano]
Usa-se este termo em vários sentidos. Por vezes equivale a princípio; outras vezes a razão; outras ainda a origem. pode, por sua vez, empregar-se nos diversos sentidos em que se emprega cada um destes vocábulos. Por exemplo: “Deus é o fundamento do mundo”; “eis aqui os fundamentos da filosofia”; “conheço o fundamento da minha crença”. Pode ver-se facilmente que, além de ser muito variado o uso de tal termo, na maioria dos casos não é nada preciso. Em geral pode estabelecer-se que são duas as principais acepções de fundamento:
1) o fundamento de qualquer coisa enquanto qualquer coisa real. Esse fundamento – chamado por vezes fundamento real ou material – identifica-se às vezes com a noção de causa, especialmente quando causa tem o sentido de a razão de ser de qualquer coisa. Posto que a noção de causa pode por seu turno ser compreendida em vários sentidos, o mesmo sucederá com a ideia de fundamento; é muito comum, no entanto, identificar a noção de fundamento com a de causa formal.
2) o fundamento de qualquer coisa enquanto qualquer coisa real (de um enunciado ou conjunto de enunciados). Tal fundamento é então a razão de tal enunciado ou enunciados no sentido de ser a explicação racional deles. Tem-se chamado por vezes a este fundamento, fundamento ideal.