(in. Function; fr. Fonction; al. Funktion; it. Funzioné). Esse termo tem duas significações fundamentais:
1) Operação. Neste significado o termo corresponde à palavra grega ergon, do modo como é empregada por Platão, quando diz que a função dos olhos é ver, a função dos ouvidos é ouvir, que cada virtude é uma função de determinada parte da alma e que a função da alma, em seu conjunto, é comandar e dirigir (Rep., I, 352 ss.). função, nesse sentido, é a operação própria da coisa, no sentido de ser aquilo que a coisa faz melhor do que as outras coisas (Ibid., 353 a). Aristóteles emprega esse termo com o mesmo sentido, quando, em Ética a Nicômaco, procura descobrir qual é a função ou a operação própria do homem como ser racional (Et. Nic, I, 7). Além disso, insiste no caráter finalista e realizador da função: “a função é o fim, e o ato é a função” (Met., IX, I, 1050 a 21). Essa palavra é usada frequentemente com esta significação tanto na linguagem científica quanto na comum. Em filosofia, Kant chamou de função os conceitos que “se baseiam na espontaneidade do pensamento, assim como as intuições sensíveis se baseiam na receptividade das impressões”. Em outras palavras, os conceitos são função porque são atividade, operações, e não modificações passivas como as impressões sensíveis. A função conceptual é definida por Kant como “unidade do ato de ordenar diversas representações sob uma representação comum” (Crit. R. Pura, Anal. transe, cap. I, seç. 1). Com sentido análogo, Husserl entende por função a atividade da consciência que tenha um fim, de tal modo que a consideração funcional substitui a descrição e a classificação das vivências individuais pela consideração “do ponto de vista teleológico de sua função, que é a de possibilitar uma unidade sintética” (Ideen, I, § 86). A distinção introduzida por C. Stumpf entre aparições e função psíquicas tem o mesmo fundamento: as função são operações, enquanto as aparições são modificações passivas (Erscheinungen und psychische Funktionen, 1907). Scheler introduziu a mesma distinção entre estados e função emotivas: em relação ao estado emotivo, a função é a reação ativa no sentido, p. ex., de que a simpatia é uma função que não pressupõe uma modificação emotiva passiva na pessoa que a sente (Sympathie, I, cap. 3; trad. fr., p. 69). O conceito de operação para um fim ou capaz de realizar um fim também está implícito no uso dessa noção pelas ciências biológicas e sociais. Em biologia, função é a operação por meio da qual uma parte ou um processo do organismo contribui para a conservação do organismo total (cf., p. ex., Bertalanffy, Modern Theories of Development, Nova York, 1933, pp. 9 ss., 184 ss.). Em sociologia a função foi definida por Durkheim (Règles de la méthode sociologique, 1895) como a correspondência entre uma instituição e as necessidades de um organismo social, vale dizer, como a atividade pela qual uma instituição contribui para a manutenção do organismo. Com o mesmo espírito, Radcliffe-Brown define a função de uma atividade social recorrente (como, p. ex., a punição dos crimes ou uma cerimônia funerária) como “o papel que ela desempenha na vida social como um todo e, por isso, a contribuição que ela dá para a manutenção da continuidade estrutural” (Structure and Function in Primitive Society, 1952, p. 180). A significação de operação ou de ação dirigida para um fim e capaz de realizá-lo predomina em todas essas noções.
2) Relação. No final do séc. XVI, o grupo de matemáticos ao qual pertencia Leibniz — e talvez por iniciativa pessoal deste último (v. Mathematische Schriften, ed. Gerhardt, I, p. 268) — inferiu do significado acima o conceito matemático de função, mas a primeira tentativa de defini-lo foi feita por Johann Bernouilli em 1718 (cf. Opera, 1742, II, p. 241). Hoje em dia, as definições que os matemáticos dão desse conceito de função variam muito, mas em geral podemos dizer que se trata de uma regra que une as variações de certo termo ou de um grupo de termos com as variações de outro termo ou grupo de termos. Na função distingue-se a variável dependente, que é a própria função, e as variáveis independentes ou argumentos , cujas variações são consideradas dadas ou determináveis arbitrariamente. Peirce afirma: “Dizer que uma quantidade é a função dada de certas quantidades que valem como argumentos significa dizer simplesmente que os valores deles estão em dada relação com os valores dos argumentos, ou que uma proposição dada é verdadeira em todo o conjunto de valores de sua ordem. Dizer simplesmente que uma quantidade é uma função de certas outras significa nada dizer, já que se pode dizer o mesmo de cada conjunto de valores. Isso todavia não torna inútil a palavra função, assim como dizer que um conjunto de coisas que têm entre si alguma relação não torna inútil a palavra relação.” Desse ponto de vista, função é a operação de aplicar efetivamente a regra que interliga as variações de dois conjuntos de quantidades de tal modo que se encontrem os valores de algumas dessas quantidades quando os outros são dados (Coll. Pap., 4, 253). A lógica contemporânea adotou o conceito matemático de função; emprega o símbolo matemático de função, f(x), para indicar proposições da forma “a baleia é um mamífero”, em que o símbolo x representa o argumento, o sujeito do qual se fala (a baleia ou outro mamífero qualquer), e f corresponde à propriedade que se lhe atribui (mamífero). O sinal f também é chamado de função proporcional ou predicado. O objeto ao qual ele corresponde, ou seja, a propriedade denotada, chama-se também função situacional. Ser mamífero é, p. ex., a propriedade ou função situacional denotada pelo predicado ou função proposicional “mamífero”.
O uso do conceito de função nas ciências tende a suplantar o do conceito de causa, podendo ser considerado equipolente ao uso do conceito de condição. Expressa a interdependência dos fenômenos e permite a determinação quantitativa dessa interdependência sem pressupor ou assumir nada sobre a produção de um fenômeno por parte de outro. Já em 1886 Mach teria sugerido que o conceito de função deveria suplantar o conceito tradicional de causalidade, por entender a dependência recíproca dos fenômenos (Analyse der Empfindungen, 9a ed., 1922, p. 74). Num estudo de 1910 (Substanzbegriff und FunktionsbegrifJ) Cassirer mostrava a redutibilidade de boa parte das noções científicas ao conceito de função. Mais recentemente, Dewey insistiu na diferença de significado que esse conceito tem em física e em matemática. Quando se diz “o volume de um gás é função da temperatura e da pressão”, descobre-se e verifica-se esta fórmula com operações de observação experimental: portanto, a fórmula é contingente, assim como é contingente a relação que ela determina. Contudo, no caso da proposição y = x², cada operação que confere um valor a x ou a y) institui necessariamente uma modificação correspondente no valor do outro membro da equação, e a operação de atribuir um valor é inteiramente determinada pelo sistema do qual a equação faz parte (Logic, cap. XX, § 5; trad. it., p. 539). Mas obviamente esta diferença não modifica o próprio conceito de função, cujas características permanecem constantes em todas as ciências contemporâneas que o utilizam amplamente. [Abbagnano]
Do ponto de vista matemático, este termo designa (1) uma relação entre grandezas variáveis que entre si mantêm determinada dependência, de sorte que a um valor de uma corresponda univocamente um valor da outra: y = f(x), ou seja, “y” é uma função de”x”. Recebem assim expressão matemático-quantitativa as relações de dependência existentes na natureza, que se manifestam nas leis da mesma natureza; contudo tais relações não são apenas funcionais, são também causais (lei de causalidade). Na logística, as relações lógicas são representadas em forma de funções matemáticas. — (2) Do ponto de vista fisiológico, denomina-se função a maneira de agir e o trabalho dos órgãos, do organismo, da alma e de suas faculdades (função do cérebro, do fígado, etc; função do pensamento). Os sentimentos elementares são interpretados como prazer ou desprazer funcionais, isto é, mediante os correspondentes modos de “funcionar” dos processos fisiológicos. — (8) Kant entende por função “a unidade da ação, que consiste em ordenar diversas representações sob uma representação comum”. O resultado de tais funções são os conceitos, por meio dos quais são levados a efeito os juízos. “Todos os juízos são funções da unidade sob nossas representações”. — Junk. [Brugger]
À parte os sentidos lógico e matemático (que, pela índole desta obra, não se expõem), usou-se de um modo muito geral o termo função para exprimir o modo de se comportar de uma realidade constituída por relações ou por fases de relações. Foi frequente comparar (e contrastar) este termo com o de substância, e na época moderna prevaleceu a tendência para acentuar a função sobre a substância; falou-se então de um funcionalismo e de substancialismo em paralelo à afirmação da prevalência do dinâmico sobre o estático e do devir sobre o ser. A pretensão desta tendência é considerar que um conjunto dado é constituído não por coisas (ou substâncias em geral), mas por funções, de tal maneira que cada realidade se define pela função que exerce. [Ferrater]
O conjunto de operações pelas quais a vida orgânica, física ou social se manifesta. — Quando Kant diz que o espírito é uma “função”, isto significa que o espírito não existe como uma faculdade abstrata, reduzindo-se, pelo contrário, às operações de conhecimento e às ações pelas quais se manifesta (e “funciona”). [Larousse]