1. O discurso como passagem de um termo a outro no processo de um raciocínio contrapõe-se à intuição. Isto acontece em Platão, Aristóteles, Plotino, S. Tomás e – em parte – Descartes, Kant e outros autores modernos. A contraposição não equivale, contudo, à completa exclusão de um termo em favor de outro. o normal é considerar o processo discursivo como um pensar que se apoia, em última análise, num pensar intuitivo. Este proporciona o conteúdo da verdade, e aquele, a forma. Quase nenhum dos grandes filósofos do passado admitiu a possibilidade de um conhecimento inteiramente discursivo. Em contrapartida, considerou-se possível um conhecimento intuitivo imediato. A tendência para sublinhar a importância de um ou outro aspecto do conhecimento determinou em grande parte as filosofias correspondentes. Assim, pode dizer-se grosso modo que há insistência no conhecimento intuitivo em Platão Plotino, Descartes e Espinosa, enquanto há insistência no conhecimento discursivo em Aristóteles, e S. Tomás. O clássico debate entre platônicos e aristotélicos pode examinar-se a partir deste ponto de vista.
2. O discurso na semiótica contemporânea: Nesta entende-se por discurso um complexo de signos que podem ter diversos modos de significação e que podem ser usados com diversos propósitos.
Segundo os modos e os propósitos, os discursos dividem-se em vários tipos.
A mais completa é a classificação que distingue entre vários tipos de discurso, tomando como base a) os modos de significação b) os diferentes usos dos complexos de signos e c) os modos e usos ao mesmo tempo. Segundo o uso, o discurso pode ser informativo, valorativo, incitativo e sistemático. O discurso é informativo ( ou os signos do discurso são usados informativamente) quando se produzem os signos de tal forma que são causa de que alguém atue como se algo tivesse tido, tivesse ou viesse a ter certas características. O discurso é valorativo quando se usam os signos de modo que provoquem um comportamento preferencial em alguém. O discurso é incitativo, quando se produzem os signos de modo que se suscitem modos mais ou menos específicos de responder a algo. O discurso é sistemático quando se produzem os signos para organizar uma conduta que outros signos tendem a provocar. Quando os signos dos quatro tipos são adequados, chamam-se respectivamente convincentes (não forçosamente verdadeiros), efetivos, persuasivos e corretos. Segundo o modo de significar, o discurso pode ser designativo, apreciativo, prescritivo e formativo. Os signos que significam nesses modos chamam-se designadores, apreciadores, prescritores e Formadores. O designador é um signo que significa características ou propriedades-estímulos que objetos-estímulos. Um apreciador é um signo que significa como se se tivesse um caráter preferencial para a conduta. Um prescritivo é um signo que significa a exigência de certas respostas-sequências. Um formador é um signo que significa como algo é significado no escritor (o chamado escritor é um signo complexo, ou combinação de signos complexos, mediante o qual algo é significativo no modo identificativo de significar de qualquer modo). A combinação dos quatro modos com os quatro usos dá lugar a dezesseis tipos de discurso, que se chamam maiores. [FERRATER]
Contudo, embora certamente só a fundação da cidade-Estado tenha possibilitado aos homens passar toda a sua vida na esfera política, em ação e em discurso, a convicção de que essas duas capacidades humanas formam um par, além de serem as mais altas de todas, parece haver precedido a pólis e ter estado presente já no pensamento pré-socrático. A estatura do Aquiles homérico só pode ser compreendida quando se o vê como “o realizador de grandes feitos e o pronunciador de grandes palavras” [A frase é do discurso de Fênix (Ilíada, ix. 443) e refere-se claramente à educação para a guerra e para a ágora, a assembleia pública, nas quais o homem pode distinguir-se. A tradução literal é: “[teu pai] encarregou-me de ensinar-te tudo isto, para seres um pronunciador de palavras e um realizador de feitos” (mython te rheter’ emenai prektera te ergon).]. Diferentemente da compreensão moderna, essas palavras não eram tidas como grandes por exprimirem grandes pensamentos; pelo contrário, como percebemos pelas últimas linhas de Antígona, talvez seja a capacidade de emitir “grandes palavras” (megaloi logoi) em resposta a rudes golpes que finalmente nos ensine o pensamento na velhice. O pensamento era secundário com relação ao discurso; mas o discurso e a ação eram tidos como coevos e iguais, da mesma categoria e da mesma espécie; e isso originalmente significava não apenas que a maioria das ações políticas, na medida em que permanecem fora da esfera da violência, são realmente realizadas por meio de palavras, mas também, mais fundamentalmente, que o ato de encontrar as palavras certas no momento certo, independentemente da informação ou comunicação que transmitem, constitui uma ação. Somente a pura violência é muda, e por esse motivo a violência, por si só, jamais pode ter grandeza. Mesmo quando, relativamente tarde na Antiguidade, as artes da guerra e do discurso (a retórica) emergiram como os dois principais tópicos da educação, tal desdobramento era ainda inspirado por essa experiência e essa tradição anteriores, pré-pólis, e a elas permaneceu sujeito.
Na experiência da pólis, que tem sido considerada, não sem razão, o mais loquaz dos corpos políticos, e mais ainda na filosofia política que dela surgiu, a ação e o discurso separaram-se e tornaram-se atividades cada vez mais independentes. A ênfase passou da ação para o discurso, e para o discurso como meio de persuasão e não como a forma especificamente humana de responder, replicar e estar à altura do que aconteceu ou do que foi feito [v. rétor]. Ser político, viver em uma pólis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não força e violência. Para os gregos, forçar pessoas mediante violência, ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora da pólis, característicos do lar e da vida em família, em que o chefe da casa imperava com poderes incontestes e despóticos, ou da vida nos impérios bárbaros da Ásia, cujo despotismo era frequentemente comparado à organização doméstica.
A definição de Aristóteles do homem como zoon politikon não apenas não se relacionava com a associação natural experimentada na vida doméstica, mas era até oposta a ela; ela só pode ser compreendida inteiramente se se acrescentar a ela a segunda famosa definição aristotélica do homem como zoon logon ekhon (“um ser vivo dotado de fala”). A tradução latina dessa expressão como animal rationale resulta de uma incompreensão não menos fundamental que a da expressão “animal social” Aristóteles não pretendia definir o homem em geral nem indicar a mais alta capacidade do homem – que, para ele, não era o logos, isto é, o discurso ou a razão, mas noûs, a capacidade de contemplação, cuja principal característica é que o seu conteúdo não pode ser vertido em discurso.[Ética Nicomaqueia, 1142a25 e 1178a6ss.] Em suas duas mais famosas definições Aristóteles apenas formulou a opinião corrente da pólis acerca do homem e do modo de vida político; e, segundo essa opinião, todos os que viviam fora da pólis – escravos e bárbaros – eram aneu logou, destituídos, naturalmente, não da faculdade do discurso, mas de um modo de vida no qual o discurso e somente o discurso tinha sentido e no qual a preocupação central de todos os cidadãos era falar uns com os outros. [ArendtCH, 4]