Filosofia – Pensadores e Obras

descrição

(gr. syngraphe; lat. Descriptio; in. Description; fr. Description; al. Beschreibung; it. Descrizione).

Os antigos já consideravam que a descrição era uma “definição insuficiente”. Descrevia-se aquilo que não podia definir-se. Para a época moderna, a descrição era um conhecimento inferior, uma definição imperfeita; sobretudo na medida em que imperou o racionalismo prevaleceu essa ideia da descrição. Em contrapartida, durante o século passado, investigaram-se os caracteres próprios da operação descritiva. Estabeleceu-se, assim, uma distinção completa entre a descrição e outras operações cognoscitivas, tais como a definição, a demonstração e a explicação. A descrição não era então nem a fórmula de um juízo pelo qual se responde à pergunta acerca do ser de um sujeito, nem a indicação do seu fundamento, origem lógica ou ontológica, nem a manifestação conceptual de um desenvolvimento, mas a indicação pura e simples daquilo que aparece numa coisa, das caraterísticas que, por si mesmas, se revelam de algo. As tendências positivistas acentuaram a importância de uma descrição dos fenômenos, de tal modo que a descrição se converteu, por vezes, num modo de conhecimento postulado para todas as ciências, inclusive para as naturais, não só para aquelas que tradicionalmente eram consideradas como descritivas (botânica, ontologia), mas também para as chamadas ciências explicativas (física). A fenomenologia acentuou a importância da descrição do conteúdo intencional, fazendo da descrição algo mais que o método das ciências; a descrição é então o único método de abordagem daquilo que se dá enquanto se dá e tal como se dá. Esta ideia da fenomenologia representava, pois, uma purificação da operação descritiva, que em tal caso chega até às essências e não se limita a uma enumeração dos fenômenos como a postulada pelo positivismo.

A teoria das descrições de Bertrand Russell foi exposta em PRINCIPIA MATHEMATICAE, sobe mais popular, no capítulo XVI da INTRODUÇÃO À FILOSOFIA MATEMÁTICA. Hoje em dia, constitui um capítulo indispensável em qualquer exposição dos elementos da lógica simbólica. Embora Russell tenha dividido as expressões em indefinidas (como “um tal”) e definidas (“como o tal”), referir-nos-emos unicamente às segundas. Notamos somente que, como afirmou Russell, há algo comum na definição de uma descrição indefinida (ou ambígua) e de uma descrição definida: que a definição que se procura é uma definição de proposições nas quais aparece a expressão “o tal” ou a expressão “um tal”, não uma definição da própria expressão isolada. Esta advertência é necessária, sobretudo no caso das expressões definidas; com efeito, toda a gente estará de acordo em que uma expressão tal como “um cão não é nenhum objeto definido que possa definir-se por si mesmo, em contrapartida, há pensadores para os quais uma expressão como “o cão” pode definir-se isoladamente. Isto é, na opinião de Russell, um erro grave, devido ao fato de se esquecer a diferença entre um nome e uma descrição definida. Pelo que atrás se apontou, já se pode compreender que as descrições (que entenderemos desde agora como definidas ou não ambíguas) são expressões que se iniciam com o artigo o (ou a). Assim, por exemplo, “o rei da Suécia “, “o autor do Dom Quixote”são descrições. Cada uma dessas expressões pretende designar uma entidade. Assim, “o rei da Suécia” pretende designar o rei da Suécia. “o autor do Dom Quixote” pretende designar o autor do Dom Quixote, etc. Se considerarmos agora enunciados onde aparecem descrições como as anteriores, verificamos que uns enunciados são verdadeiros e outros falsos. A teoria das descrições tem de estabelecer certas condições que permitam ver se um enunciado onde aparece uma descrição é verdadeiro ou falso. Estas condições são: a) deve haver, pelo menos, um tal; b) deve haver, em suma, um tal; c) o tal em questão deve ser tal e qual. A introdução de descrições é importante porque elimina os nomes próprios e aclara a noção de existência. Uma descrição definida e um nome próprio não são a mesma coisa; a descrição não é um simples símbolo, enquanto o nome o é. Por este motivo, uma expressão como “Cervantes é o autor do Dom Quixote” não é a mesma coisa que uma expressão como “Cervantes é Cervantes”. Mas enquanto podemos perguntar por exemplo, se Cervantes existiu, não podemos perguntar se “Cervantes é um nome. Ao eliminar o nome próprio e ao substituí-lo pela descrição, não é possível formular questões acerca da existência. Daí que Russell conclua que “só pode ser afirmada significativamente a existência de descrições.” [Ferrater]


Esse termo foi introduzido pelos estoicos, pois a sua noção permanecera estranha a Aristóteles. Segundo os estoicos, a descrição é “um discurso que conduz à coisa através de suas marcas” (D.L., VII, 1, 60). Isso estabelece a diferença entre descrição e definição, pois enquanto esta declara a essência, que é universal, a descrição conduz à coisa singular, faz referência à individualidade da coisa, àquilo que a distingue das outras. A partir de Boécio (De differentiis topicis, II, P. L., 64s, col. 1187), a descrição começou a ser caracterizada, em relação à definição, pelo uso de caracteres acidentais, muito comum nela. Os lógicos medievais extraíram seu conceito de Dialectica (cap. 14) de João Damasceno (séc. VTII): “A descrição compõe-se de acidentes, de caracteres próprios e acidentais, como p. ex.: o homem é capaz de rir, anda ereto e tem unhas largas. Esse é o conceito que também se repete em Lógica de Pedro Hispano: “A descrição é o discurso que significa o que é o ser de uma coisa mediante caracteres acidentais” (Summ. log., 5. 12). Ockham dizia no mesmo sentido: “A descrição é um discurso sucinto composto de caracteres acidentais e próprios” (Summa log., I, 27); definição quase idêntica era aceita e difundida pela Lógica de Port-Royal (II, 16) e por Jungius (Logica hamburgensís, I, 1, 48). Dessa doutrina tradicional a lógica contemporânea aceita só o significado geral, isto é, o reconhecimento do caráter individualizante da descrição. Mas choca-se com a dificuldade representada pelo fato de a descrição ser constituída por proposições que têm sentido (no sentido de Frege), conotação, mas não significado, de-notação, que consiste na referência a um objeto existente. Frases como “O autor da Divina Comédia era italiano”, “O atual rei da França é careca”, “Pégaso era o cavalo alado capturado por Belerofonte” não parecem fazer nenhuma referência a qualquer objeto ou entidade, ou seja, não denotam nada; as duas últimas, aliás, descrevem objetos inexistentes, quais sejam, “o atual rei da França” e “Pégaso”. Para evitar esse inconveniente, Russell (On Denoting, 1905, agora em Logic and Knowledge, 1956, p. 39 ss.; Principia mathematica, I, p. 36) propôs interpretar essas frases descritivas como se dissessem: “Há uma entidade x que é o autor da Divina Comédia e é italiano”, “Há uma entidade xque agora é rei da França e é careca”, “Há uma entidade x que é um cavalo alado e foi capturado por Belerofonte”. Desse ponto de vista, para ser verdadeira a negação de uma das frases descritivas acima (p. ex., “O atual rei da França não é careca”) deveria significar “É falso que há uma entidade que agora é rei da França e é careca”, o que parece nada ter a ver com o sentido da frase.

Frege admitira que toda expressão acabada deve pressupor a referência a um objeto, ou seja, um denotado, mas considerara possível que na linguagem comum, assim como na linguagem matemática, existam expressões que têm apenas sentido e não significado, que são indeterminadas em termos de significado (Über Sinn und Bedeutung, 1892, em Aritmética e lógica, p. 327), e Carnap aceitou substancialmente esse ponto de vista (Meaning and Necessity, 1957, §§ 7-8). Quine, por outro lado, aceitou a interpretação de Russel, mesmo admitindo que o compromisso ontológico expresso pela frase “Há alguma coisa que…” não faz referência necessária ao mundo da experiência, mas pode também referir-se a formas de existência mental ou mítica (From a Logical Point of View, cap. I).

Nesses termos, o problema da descrição tem conexões estreitas com o da natureza do significado. [Abbagnano]