Método, que consiste em construir um sistema dedutivo, extraído das regras específicas, dadas como axiomas ou postulados do sistema. MFSDIC
Se o objeto do conhecimento não está dado imediatamente, deve ser conhecido mediante outro, imediatamente. Como o objeto é um conteúdo, e este, por sua vez é captado por meio de uma proposição, em todo conhecimento mediato existe um concluir uma proposição de outra ou um deduzir a segunda da primeira. Precisamente uma das ideias mais importantes da metodologia científica e exata é que a verdade de uma proposição — ou ‘enunciado com sentido’ — deve ser intuível direta ou indiretamente, pois inexiste outra norma. Como se realiza o processo de concluir? São necessárias duas coisas: a) um enunciado admitido como correto, e b) uma regra que nos permita reconhecer outro como tal, à base do primeiro. Analisando um pouco, vê-se que o enunciado suposto é sempre composto: é sempre uma conjunção ou produto lógico de dois enunciados, pelo menos. Por exemplo: temos um enunciado condicional da forma ‘se A, também B’ e, ao mesmo tempo, um enunciado da forma ‘A’; e temos a seguinte regra de conclusão: “quando num sistema há um enunciado condicional (’se A, também B’) e outro enunciado igual à premissa maior (’A’), pode-se introduzir no sistema um enunciado igual à consequência do condicional (’B’)”. Concluímos (’B’) à base de tais enunciados e com a ajuda da referida regra.
À pergunta: Para que serve a regra?, responde-se com um exemplo do silogismo em Barbara:
’Todos os lógicos fumam cachimbo.
Todos os metodólogos são lógicos.
Logo, todos os metodólogos fumam cachimbo’.
Para chegar à conclusão é preciso ter como suposto o enunciado seguinte:
’Todos os lógicos fumam cachimbo’
e ‘Todos os metodólogos são lógicos’.
Não obstante o silogismo, em si, ser categórico, a demonstração se faz supondo o modus ponendo ponens (modo que afirma afirmando), não concebido como lei mas como regra. Uma lei somente nos diz o que e (em nosso caso: se assim, logo assim); mas temos que saber o que se pode fazer, e isto somente nô-lo diz a regra. É evidente que não necessitamos pensar na regra sempre que fazemos um processo dedutivo; às vezes é este lão simples e natural que a aplicamos sem dar-nos conta disso. Mas nem sempre é tão clara a situação como no exemplo; em zonas avançadas do pensamento não só não é simples aplicar a regra como costuma ser bastante complexo. Por outro lado, em tais processos complexos é preciso servir-se do formalismo, prescindindo-se do sentido das proposições usadas sem porém prescindir de uma regra explicita para proceder. Com isto, a metodologia atual justifica o procedimento axiomático da distinção entre lei e regra (§ 35).
A distinção de lei e regra, além de sua importância teórica, tem, consoante Lukasiewicz, a vantagem de que permite dividir todos os procedimentos de conclusão em duas classes: a) dedução e b) redução. Isto porque se supõe que em toda demonstração as premissas podem transformar-se de forma que uma delas possa ser um enunciado condicional da forma ‘se A, também B’, e a outra pode ser conclusão do enunciado. Ambos os casos podem ser representados assim:
’Se A, também B, (1)
É assim que A,
Logo B.’
’Se A, também B, (2)
É assim que B,
Logo A’.
Lukasiewicz chama ‘dedução’ e ‘redução’ ao processo de concluir consoante o primeiro ou o segundo esquema, respectivamente. A regra empregada no primeiro esquema (dedução) é o modus ponendo ponens, que não oferece nenhuma dificuldade; ao contrário, é legítimo suspeitar da regra usada na redução, já que concluir a premissa maior da consequência de uma condicional é um procedimento não válido em lógica, como adverte Bochenski. Não obstante, demonstrou Lukasiewicz que a indução não é mais que um caso da redução, como no seguinte exemplo: comprovou-se que três palitos de fósforo, a, b e c, ardem a 60.°; disso induzimos que o fósforo se inflama a 60.°. O esquema deste processo conclusivo é o seguinte:
’Se todos os palitos de fósforo ardem a 60.°,
também arderão estes três, a, b e c’;
’é assim qut a, b e é ardem a 60.°,
logo todos os palitos de fósforo ardem a 60.°’.
Tal procedimento é uma redução, pois se induz a maior do enunciado condicional, partindo do consequente.
Considerando de perto as duas formas de concluir esquematizadas vê-se uma diferença fundamental entre elas: o modus ponendo pones, regra de dedução, é absolutamente infalível; o mesmo não ocorre com a regra da redução. Uma regra de conclusão é infalível quando, sendo verdadeiras as premissas, também o é a conclusão tirada delas mediante a regra. Isto vale para todas as premissas possíveis enquanto tenham a forma descrita. Trata-se, pois, de uma validez geral estrita, às vezes chamada a priori, que pertence ao domínio lógico ou formal-lógico em sentido rigoroso.
Posto isto, vejamos no que consiste um ‘axioma’. Em Aristóteles (não nos estoicos), ‘axioma’ significa sempre um enunciado que serve de princípio para outros enunciados, que se deduzem dele. De acordo com isto, um sistema axiomático é representado da seguinte maneira: dividimos todos os enunciados de um campo do saber em duas classes: 1) a dos axiomas e 2) a dos enunciados deduzidos; estes são concluídos dos axiomas, seguem-se deles. Exemplo clássico de um sistema axiomático semelhante é o sistema geométrico de Euclides: primeiramente são enumerados os enunciados (e definições), depois os enunciados deduzidos lógica e rigorosamente deles, que são admitidos como válidos. Diante do sistema clássico a metodologia moderna apresenta as seguintes variações:
1. O sistema axiomático está construído formalmente; é um sistema de signos. A interpretação destes signos não pertence ao sistema.
2. Com a formalização se tornaram desnecessárias as condições que a axiomática clássica postulava aos axiomas — isto é, evidência, segurança, prioridade ontológica. Um axioma se distingue dos outros enunciados do sistema somente pelo fato de que não é deduzível no sistema.
3. Os axiomas se distinguem das regras. O sistema moderno axiomático tem duas espécies de princípios: os axiomas (que são leis) e as regras (que não são leis, mas indicações).
4. Mediante o formalismo e a distinção entre axiomas e regras relativizou-se o conceito de dedução; não se fala mais de dedução ou de demonstrabilidade em geral, mas, apenas, com relação a um determinado sistema.
5. Ao lado do sistema axiomático dos enunciados temos, na atualidade, outro sistema semelhante e em estreita vinculação a ele, o ‘sistema axiomático das expressões’.
Atualmente, na construção de um sistema axiomático procede-se assim: primeiramente se escolhe uma classe de enunciados que devem fazer as vezes de axiomas; estes são incorporados ao sistema sem demonstração. Estabelecem-se depois regras consoante as quais dever-se-á proceder no sistema; deduzem-se novos enunciados dos axiomas consoante estas regras.
Em cada passo destes se indica exatamente de quê axiomas e com ajuda de quê regras se procede, e isto passo a passo. Dos enunciados deduzidos (com ou sem emprego dos axiomas), mas mediante as mesmas regras e do mesmo modo, se vão deduzindo novos enunciados. Assim se procede até onde seja necessário.
Isto demonstra que um sistema axiomático está determinado completamente por seus axiomas e suas regras. Todo o resto é apenas desenvolvimento do dado de antemão.
Do ponto de vista semântico, um sistema axiomático contém sempre duas espécies de elementos: os axiomas e os enunciados deduzidos, que pertencem ao objeto-linguagem, e as regras que pertencem à metalinguagem. Apenas os primeiros podem ser (devem ser) formalizados, pois se se formalizassem também as regras, isto é, se se lhes abstraísse seu sentido, não seria possível saber o que indicam nem servir-se delas. Isto significa que não existe nenhum sistema axiomático completamente formalizado. Contudo, diz-se ‘formalizado completamente’, se tudo, com exceção das regras, está formalizado nele.
Todavia, nem todo sistema axiomático é considerado como tal, ainda que tenha sido deduzido de um modo rigoroso e formal. É preciso estabelecer-se, sempre, duas espécies de postulados: incondicionados e menos rigorosos.
1. Requer-se que o sistema axiomático esteja livre de contradição. Este postulado não somente exige, de fato, que não se dê contradição, como também uma prova de que não se pode dar. Esta prova, que se pode fazer por diversos métodos, é mais necessária desde que a lógica matemática demonstrou como de qualquer contradição é deduzível qualquer enunciado do sistema; isto significaria não haver diferença alguma entre enunciados reconhecidos (verdadeiros) e não reconhecidos (falsos), o que equivaleria à destruição da própria ciência.
2. Ao segundo grupo pertence a exigência de totalidade do sistema e de mútua independência dos axiomas. Diz-se que um sistema é ‘complexo’ se de seus axiomas é possível deduzir todos os enunciados verdadeiros de seu domínio: os axiomas são independentes, se nenhum deles é deduzível do outro.
Por outro lado, um sistema axiomático moderno não só contém axiomas, regras de conclusão e enunciados deduzidos, como também, e sobretudo, um chamado ‘sistema constitutivo’, que pode ser considerado como um sistema axiomático de expressões. Constrói-se de modo análogo ao sistema axiomático de enunciados e, como este, consta de três elementos, desenvolvendo-se da seguinte maneira:
1. Em primeiro lugar, determina-se uma classe de expressões que devem figurar como fundamentais; são incorporadas ao sistema sem definição.
2. Depois, estabelecem-se algumas regras consoante as quais se pode introduzir no sistema outras novas expressões compostas (regras de formação). Com a ajuda destas regras se definem e se formam novas expressões mediante as expressões fundamentais. Em cada momento se indica, com precisão, quais são as expressões fundamentais e as regras empregadas.
Mediante as expressões assim definidas (e compostas) se introduzem (com ou sem uso das expressões fundamentais) outras expressões. Assim, prossegue-se até onde se achar necessário. Todo este processo se desenvolve de maneira paralela à construção de um sistema de enunciados, tornando-se, pois, evidente, que o sistema constitutivo está na base do sistema de enunciados, já que antes de poder determinar quais enunciados são válidos é preciso saber quais expressões o são. Isto é determinado mediante o sistema constitutivo e suas regras, sendo estas de três espécies:
1. A regra que determina quais expressões devem ser tomadas como fundamentais.
2. As regras de definição que determinam como se pode introduzir novas expressões ‘atômicas’ (isto é, expressões simples, formadas de maneira que nenhuma de suas partes, por si só, pode ser uma expressão própria, com sentido; assim, a expressão ‘homem’ é atômica em português).
3. As regras de formação, à base das quais se permite formar expressões ‘moleculares’ (Isto é, expressões compostas, cujas partes são proposições com sentido; assim, na expressão ‘um homem é uni organismo’, as palavras ‘homem’, ‘organismo’, ‘é’, separadamente, são proposições dotadas de sentido em português) das expressões atômicas.
Em suma, ‘axioma’ é um princípio indemonstrável não sendo nem juízos sintéticos a priori, nem fatos experimentais, mas ‘convenções’, denominando-se ‘axiomática’ ao seu sistema ou à teoria dos axiomas considerados como regras puramente formais. Como adverte R. Blanché, “a axiomática impõe-se como lei de tudo explicitar sem nada pressupor”. [LWVita]