(in. Apperception; fr. Apperception; al. Apperzeption; it. Appercezioné).
O significado específico dessa palavra foi esclarecido pela primeira vez por Leibniz como consciência das próprias percepções. Diz Leibniz: “A percepção da luz ou da cor, p. ex., de que temos apercepção é composta por muitas pequenas percepções de que não temos apercepção; um ruído que percebemos, mas ao qual não damos atenção, torna-se aperceptível se sofrer um pequeno aumento” (Nouv. ess., II, 9,4). Enquanto as percepções pertencem também aos animais e às plantas, a apercepção é própria do homem porquanto suas percepções são acompanhadas pela “potência de refletir”. Todavia, quando ele é reduzido ao estado de letargia, a reflexão e a apercepção cessam (Ibid., II, 9, 14). — No mesmo sentido, Wolff definiu a apercepção como a atividade pela qual percebemo-nos a nós mesmos como sujeitos percipientes e, assim, nos distinguimos da coisa percebida (Log., § 13)- Ora, essa é, para Kant, a apercepção empírica, que deve ser distinguida da apercepção pura. Com a primeira, “acompanho com a consciência cada uma das representações”; com a segunda, “componho-as todas, uma com a outra, e sou consciente da sua síntese”. A apercepção pura ou “transcendental” é o “eu penso”, que “deve poder acompanhar todas as minhas representações, pois de outro modo seria preciso imaginar em mim alguma coisa que não pudesse ser pensada, o que significa que a representação seria impossível ou, ao menos para mim, não existiria absolutamente” (Crít. R. Pura, Anal. dos conceitos, § 16). A característica fundamental da apercepção pura é a objetividade, ela é o fundamento da constituição unitária dos objetos e das relações que estes têm entre si. De fato, a unidade de um objeto singular e dos objetos entre si não é constituída pela relação subjetiva entre as representações, isto é, pela relação que as representações encontram na apercepção empírica (ou consciência intuitiva), mas pela relação objetiva cuja possibilidade é a apercepção pura ou consciência discursiva (reflexiva). Com efeito, com base na apercepção empírica só se poderia dizer: “Cada vez que levanto um corpo, sinto a impressão de peso” e, assim, estabelecer uma relação puramente subjetiva, ainda que constante, entre o soerguimento de um corpo e a impressão de peso (isto é, entre duas representações). Isso não autorizaria a dizer objetivamente: “O corpo é pesado”. Essa afirmação pode ser enunciada só porque o vínculo entre o corpo e o peso é estabelecido objetivamente pela apercepção pura (Ibid., § 19). Nesse sentido, a apercepção pura é “o princípio da unidade sintética”, que condiciona todas as outras sínteses, isto é, todos os outros conhecimentos, porque todo conhecimento é, segundo Kant, uma síntese entre um dado sensível e uma forma a priori. A apercepção é o princípio originário do conhecimento na medida em que é a condição do uso empírico das categorias. Kant insistiu no caráter puramente formal da apercepção pura, entendendo que ela não é uma realidade psicológica ou de outra natureza, mas uma possibilidade, a da unificação da experiência, considerada como “espontaneidade” ou atividade subjetiva, isto é, da inteligência (ibid., § 25). Em outras palavras, ela é só “a consciência pura da atividade que constitui o pensamento” (Antr., § 7). Da interpretação da apercepção pura, em sentido realista, ou seja, do seu entendimento não como condição ou possibilidade do conhecimento, mas como atividade criadora do próprio conhecimento, Fichte inferiu a noção do eu como Auto-consciência absoluta, criadora do seu mundo, com a qual se inicia o Idealismo romântico (v. idealismo; Eu). Em sentido psicológico-me-tafísico, o conceito de apercepção também foi entendido por Maine de Biran, que chamou de “apercepção interna imediata” a consciência que o eu tem de si mesmo como “causa produtora” no ato de distinguir-se do efeito sensível que a sua ação determina (Œuvres inédites, ed. Naville, I, p. 9; III, pp. 409-410).
Um novo conceito de apercepção foi dado por Herbart como fundamento para entender o mecanismo da vida representativa. A apercepção foi entendida por Herbart como a relação entre massas diferentes de representações, que faz que uma massa se aproprie da outra do mesmo modo como as novas percepções do sentido externo são acolhidas e elaboradas pelas representações homogêneas mais antigas. Esse fenômeno pelo qual uma massa representativa, chamada de apercipiente, acolhe e assimila em si uma ou mais representações homogêneas, chamadas de aperceptivas, é o fenômeno da apercepção, que Herbart identificou com o sentido interno (Psychol. als Wissenschaft, II, § 125). Essa noção foi muito usada em psicologia e pedagogia no séc. XIX, sobretudo para esclarecer o fenômeno do aprendizado e para identificar as condições psicológicas que o facilitam. Wundt insistiu no caráter ativo da apercepção como o ato pelo qual um conteúdo psíquico é levado à compreensão mais clara e falou também de uma “psicologia da apercepção”, que deveria contrapor-se à psicologia dominante, associacionista, precisamente pelo maior destaque dado à atividade diretiva e ordenadora da apercepção (Physiologische Psychologie, II, p. 454). Wundt falou também, em Psicologia dos povos, de uma “apercepção animadora” como de uma função psicológica específica, consistente em crer vivas todas as coisas, função que estaria na base do mito e, portanto, também da religião e da arte. — Esse termo caiu em desuso na filosofia contemporânea. [Abbagnano]
Do latim ad e percipere, perceber.
a) Na Psicologia: processo pelo qual uma experiência é assimilada aos esquemas anteriormente adquiridos.
b) Na Epistemologia: apreensão introspectiva ou refletiva da mente sobre seus estados interiores.
c) Termo introduzido por Leibnitz para distinguir a percepção, como representação das coisas exteriores, e apercepção, como refletindo os estados interiores.
d) Para Kant, consciência do concreto atual, captando suas próprias mutações.
e) Também empregado como sentido interior. Vide atenção.
É o nome dado à percepção atenta, à percepção acompanhada de consciência. Descartes escreveu que “é certo que não podemos querer outra coisa sem a aperceber pelo mesmo meio que a queremos” (As Paixões da Alma). Leibniz distinguia entre percepção – que representa uma multidão na unidade ou na substância simples – e apercepção, que equivale à consciência )Monadologia). Os cartesianos, alega Leibniz, só tiveram em conta as percepções de que há consciência, isto é, as apercepções. Mas há também percepções confusas e obscuras. Como as percepções de certas mónadas “em estado de aturdimento”. Há, pois, que distinguir entre percepção e apercepção, embora esta última, como acontece com a primeira, seja contínua com ela.
Kant distinguiu entre apercepção empírica e apercepção pura ou transcendental. A primeira é própria do sujeito que possui um sentido internos do fluxo das aparências. a segunda é a condição de qualquer consciência, incluindo a consciência empírica (Crítica da Razão Pura). A apercepção transcendental é a pura consciência original e inalterável; não é uma realidade propriamente dita, mas aquilo que torna possível, para um sujeito, a realidade enquanto realidade. Os próprios conceitos a priori são possíveis mediante a referência das intuições à unidade da consciência transcendental, de modo que a unidade numérica desta apercepção é o fundamento a priori de todos os conceitos, tal como a diversidade do espaço, e o tempo é o fundamento a priori das intuições da sensibilidade.
Por meio da unidade transcendental da apercepção é possível, segundo Kant, a própria ideia do objeto em geral, a qual não fora todavia possível através das intuições do espaço e do tempo e das intuições introduzidas pelos conceitos puros do entendimento ou categorias. Acontece pois que a unidade transcendental da apercepção que se manifesta na apercepção transcendental constitui o fundamento último do objeto enquanto objeto de conhecimento (não enquanto coisa em si). Portanto “a unidade da síntese, de acordo com conceitos empíricos, seria completamente fortuita se não se baseasse no fundamento transcendental da unidade”. Isto explica o sentido da Célebre frase de Kant: “as condições a priori de uma experiência possível em geral são ao mesmo tempo as condições da possibilidade dos objetos da experiência”. Não se trata de defender que a unidade transcendental da apercepção, como síntese última e ao mesmo tempo fundamental, torne possíveis os objetos como tais; trata-se de defender que torna possíveis os objetos como objetos de conhecimento. Segundo Kant, a unidade e sintética da apercepção pressupõe uma síntese, que é a priori. A unidade sintética original da apercepção é, em última análise, o “eu penso” que acompanha todas as representações, pois “de contrário algo seria representado em mim que não poderia ser pensado, e isso equivale a dizer que a representação seria impossível, ou pelo menos, não seria nada para mim”. A apercepção transcendental é, pois, o pensar o objeto, pensar distinto do conhecer e que fundamenta a possibilidade deste último. [Ferrater]