Filosofia – Pensadores e Obras

hipertexto

De acordo com George Landow (1993), o termo hipertexto foi cunhado por Theodor Nelson em 1960, já se referindo “a uma forma de texto eletrônico, uma tecnologia radicalmente nova e um modo de publicação”. Nelson lançava as bases de uma ideia revolucionária, qual seja a construção de um discurso não-sequencial, ou seja, composto por uma série de pedaços de texto conectados por ligações que possibilitem uma espécie de livre navegação pelo discurso, sem seguir sua linearidade original.

A noção de hipertexto pode ser melhor compreendida através da noção de rede. O hipertexto é uma espécie de rede que apreende um discurso. Conectando o que um discurso e seu contexto histórico reúne em uma configuração de termos, noções, conceitos internos e externos ao próprio discurso, a rede ordena uma determinada leitura não-linear, que dele se pode fazer. Se esta rede for muito bem projetada e tecida, pode-se até dizer que o discurso está sendo apropriado segundo uma certa “inteligência”, que pode estar alinhada ou não com a intenção do autor.

[Michel_Serres] (1969) se aproxima da noção de rede de maneira negativa, contrapondo-a à linearidade da sequência dialética, ou em nosso caso do discurso. Ele inaugura sua reflexão sobre a comunicação, por uma reflexão sobre a rede, onde tenta precisar os fundamentos de sua epistemologia, nos mesmos passos de sua tese de doutoramento sobre o pensamento de [Leibniz]. Para Serres, um diagrama em rede é constituído, em um instante dado, por uma “pluralidade de pontos (polos) ligados entre si por uma pluralidade de ramificações (caminhos)”; um polo é a interseção de vários caminhos e reciprocamente um caminho põe em relação vários polos.

O modelo de racionalidade representado por um diagrama em rede se oferece, segundo Serres, como um poderoso instrumento para lidar com a complexidade, em virtude de alguns traços característicos que o diferenciam da linearidade dos conceitos tradicionais da dialética, entre os quais: a possibilidade de sustentar várias entradas e conexões múltiplas, em um mesmo raciocínio; a “plurivocidade” dos tipos de relações entre os polos; a ampla diferenciação das determinações dos polos e dos caminhos, “em natureza, em quantidade de fluxo e em direção”. O hipertexto se configura exatamente como uma rede de termos em um discurso, nos moldes desta definição de Serres. Mas a rede do hipertexto tem um intenção: o que Debray denomina “transmitir”.

A rede imposta pelo hipertexto sobre um discurso se apresenta e se realiza, desta forma, como uma estrutura artificial ou técnica de conquista e de gestão do discurso. Parafraseando Debray, o problema é que já existe um discurso. O que significa que a rede, por meio da qual a transmissão atua de forma ordenadora, através de métodos colegiais e quadros coletivos, vai apenas propiciar a “re-produção” multifacetada do discurso. Em outros termos, a rede possibilita, pela transmissão, que uma cultura se re-potencialize e se re-operacionalize, segundo novas bases, e, portanto, segundo um “novo” discurso. Podemos assim concluir que o discurso se desdobra na rede, que, por sua vez, informa o discurso ou conforma um novo discurso.

Deste modo, podemos também entender o hipertexto como um artefato sobreposto ao discurso, realizando uma espécie de anamorfose. Parafraseando a formulação de Pierre Lévy (1997) sobre o “virtual”: a rede do hipertexto virtualiza o discurso, na medida que permite re-potencializar os termos e as noções carregados pelo discurso, elevando-o a sua virtualidade, ou a uma modalidade tal, a partir da qual ele é capaz de ser então atualizado, segundo novas problemáticas, alinhadas, por sua vez, segundo os interesses os mais diversos.

Por outro lado, o poder metafórico que guardam os termos e noções no contexto do discurso fica mais que multiplicado pelas novas configurações de significados que uma leitura não-linear, baseada na rede do hipertexto, pode oferecer. Neste sentido, as ciências cognitivas também deram uma importante contribuição para o reconhecimento da relevância das metáforas em seu papel fundamental na constituição de nosso sistema conceitual.

Essa breve incursão através de algumas das principais temáticas que pretendemos tratar, teve também a intenção de embasar ainda mais nossa problemática do hipertexto, enquanto rede “inteligente” imposta sobre um discurso. O discurso mobilizado pelo hipertexto se transforma em uma nova formação discursiva ou até mesmo em uma representação polissêmica do discurso original. A este novo tipo de discurso, potencializado pelo hipertexto, denominamos “HyperLogos” ou vulgarmente “hiperlogos”.