A influência dessa concepção, que vinculava indissoluvelmente o temperamento saturnino à convivência com o fantasma, estende-se bem cedo para além do seu âmbito original, e ainda aparece evidenciada em passagem do Trattato della nobiltà della pittura, de Romano Alberti, que foi muitas vezes citada na história do conceito de melancolia, sem que se ressaltasse que, mais de quatro séculos antes da psicanálise, já lançava as bases de uma teoria da arte entendida como operação fantasmática:
Os pintores tornam-se melancólicos — escreve Romano Alberti — porque, querendo eles imitar, importa que mantenham os fantasmas presos no intelecto, e que os expressem da mesma maneira como antes os tinham visto presentes; e isso não só uma vez, mas continuamente, sendo esse o seu exercício; é por manterem de tal modo a mente abstrata e separada da matéria que surge a melancolia, que, porém, segundo Aristóteles, significa engenho e prudência, porque, conforme diz o mesmo, quase todos os engenhosos e prudentes foram melancólicos. [A teoria maneirista do “desenho interno” deve ser situada no contexto dessa doutrina psicológica, único âmbito no qual se torna plenamente inteligível.]
A associação tradicional da melancolia com a atividade artística encontra a sua justificação precisamente na exacerbada prática fantasmática, que constitui a sua característica comum. Ambas põem-se sob o signo do Spiritus phantasticus, o corpo sutil que não apenas proporciona o veículo dos sonhos, do amor e dos influxos mágicos, mas aparece também íntima e [52] enigmaticamente ligado às mais nobres criações da cultura humana. Se isso for verdade, não será uma circunstância sem significado que um dos textos em que Freud se detém mais longamente na análise dos fantasmas do desejo seja exatamente o ensaio sobre a Criação literária e o sonho de olhos abertos, no qual ele procura esboçar uma teoria psicanalítica da criação artística e formula a hipótese segundo a qual a obra de arte seria, de algum modo, continuação do jogo infantil e da inconfessada mas nunca abandonada prática fantasmática do adulto. [AgambenE:52-53]