Filosofia – Pensadores e Obras

preguiça

Não é certamente mera coincidência se, paralelamente ao disfarce burguês da acídia como preguiça, a preguiça (junto com a esterilidade, que se cristaliza no ideal da mulher lésbica) se converte aos poucos em emblema que os artistas opõem à ética capitalista da produtividade e do útil. A poesia de Baudelaire está dominada do início ao fim pela ideia da paresse como sinal da beleza. Um dos efeitos fundamentais que Moreau buscava realizar na sua pintura era “la belle inertie”. A obsessiva presença, na sua obra, de uma emblemática figura feminina (marcada especialmente através do gesto hierático da sua Salomé) não pode ser entendida se prescindirmos da sua concepção da feminilidade como criptografia do tédio improdutivo e da inércia: “Cette femme ennuyée, fantasque” — escreve ele — “à nature animale, se donnant le plaisir, três peu vif pour elle, de voir son ennemi à terre, tant elle est degoütée de toute satisfaction de ses désirs. Cette femme se promenant nonchalamment d’une façon végétale…” [“Esta mulher aborrecida, esquisita” — escreve ele — “de natureza animal, dando-se o prazer, muito pouco vivo para ela, de ver seu inimigo por terra, tanto ela está enjoada com qualquer satisfação de seus desejos. Esta mulher caminhando indolentemente, de uma maneira vegetal…”]. Observe-se que, na grande tela incompleta Les chimères, na qual Moreau queria representar todos os pecados e todas as tentações do homem, pode-se perceber uma figura que corresponde especificamente à tradicional representação da acídia-melancolia. [AgambenE:26-27 Nota]