Filosofia – Pensadores e Obras

personagem

Penso que o sujeito lança reptos à Realidade (seja esta o número de Kant, ou o que quer que por eminentemente Real se denomine, sem que saibamos o que seja), reptos que são perguntas (talvez as que a própria Realidade nos sugere) formuladas em determinados termos, e Aquela me dá, nos mesmos termos, a resposta sua, que é o objeto correlato ao sujeito que nós somos. Só que ser sujeito não é o mesmo que ser «eu». O que entendo por «sujeito» (e aqui, mui consciente e deliberadamente me afasto de Kant, ou de todo o rejeito) anda muito próximo do que tem o nome de «personalidade» (ou de «personagem» de [99] certo drama gnosiológico). Por isso proponho que se medite nisto: há sujeito e sujeito. Portanto, haverá também objeto e objeto. O «objetivo» é tão pouco unívoco quanto o «subjetivo».

13. «Pessoa-Sujeito» é como um círculo menor, concêntrico a um círculo maior. Este representa a objetividade, aquele, a subjetividade. Atenção, porém! Ambos os círculos podem ser traçados com raios de maior ou menor dimensão linear, ou antes, assim têm de ser traçados. O sujeito de personalidade mais dilatada representa-se por um círculo maior, e o de mais estreita personalidade, por um círculo menor. A estes círculos-sujeitos, de personalidade mais ou menos complexa e transbordante, correspondem círculos de objetividade de maior ou menor raio. No entanto, seria muito arriscado instituir correspondências de proporcionalidade uniformemente crescente, dos círculos subjetivos com os objetivos. Pode dar-se o caso (creio que será esse o caso que efetivamente se dá) de ao menor-subjetivo corresponder o maior-objetivo. Isto entendido assim: à medida que, de qualquer modo, eu vá objetivando os traços de minha subjetividade, mais diminui o círculo-sujeito, por rejeição daquelas objetivações que se projetam, como se atraídas fossem pelo círculo da objetividade para com ele se identificarem; eu perco (melhor diria: ganho) subjetividade, no processo da minha própria objetivação. Assim, também parece evidente, explorando o esquema geométrico, que, neste caso, nesta queda da subjetividade na objetividade, à medida que se retrai o círculo-subjetivo, dilatando se vai o círculo-objetivo. Mas o processo tem um limite bem determinado: o ponto em que se concentram os dois círculos, o da subjetividade e o da objetividade. Este ponto-limite é o que chamei de «subjetividade irredutível», e só preciso de explicar o «irredutível» como sendo irredutível a qualquer objetivação, por ser a condição prévia de toda a possível objetivação. Deste modo, tenho por certo que, reduzida a minha subjetividade a esse ponto, tão certamente coincidirão «Objetividade» e «Realidade», pois nada mais se interpõe entre mim e o Real. Por esse ponto, figuradamente me situo na própria Realidade, como participante dela, qualquer que ela seja. Assim tento fugir ao Diabo que é o «homem-humano» e da separação que o mais agressivo defensor do Mito do Homem instituiu, apartando para um lado a objetividade que nos é dado conhecer de ciência certa e para outro lado a Realidade que, por tão absolutizada, jamais se encontraria ao alcance do nosso esforço por assim conhecê-la. [EudoroMito:99-100]