gr. κρίση
10. Pelo menos, desde o relato do Gênesis, também sabemos que o Diabo foi o maior e o primeiro dos «críticos». Mais uma vez nos deparamos com a separação diabólica. Pois kritikós, como «o que tem a faculdade de discernir», e krísis, cujo significado primeiro é notadamente este: separação, vêm do verbo krínein, isto é, «separar». Dizer que o Diabo é crítico, o primeiro e o maior dos críticos, equivale a dizer o que já antes disséramos: o Diabo é o Grande Separador. O mais que se encontra no relato bíblico é a primordial separação, dada no que e pelo que, evidentemente, nem podia estar em Deus nem no homem feito à sua imagem e semelhança: a separação, o discernimento, o juízo enunciado sobre o que é bem e mal. É certo que, de Deus, o redator do Gênesis afirmara antes que, no princípio, ele separou a luz das trevas, e as águas que estavam acima das águas que estavam abaixo do firmamento; mas, aqui, achamo-nos, mais uma vez, diante de uma daquelas subitâneas contenções do Caos, a que de Grande em Grande Ano se dá o nome de kosmos — o que, em suma, faz parte de uma criação positiva, e não de uma criação negativa. É a primordialíssima posição da diferença, que traz o Indiferenciado, isto é, o Mesmo e o Idêntico, para o meio da perceptibilidade; e quase diríamos que, por consequência lógica, tem aquele de se opor, ou melhor, de antepor ao mundo, que sempre comporta diferenças. Mas o que acontece antes que o mundo aconteça não nos interessa neste contexto. É já no mundo acontecido, embora em outra Idade, que o Crítico fundou e desfechou a crítica, mediante uma crise ao alvorecer do Humano, crise que os Elohim, por mui [97] sensível ironia, vêm a dizer que o Homem se tornara num deles, do momento em que, conhecendo-os, soube apartar o bem do mal, ou do mal o bem. [EudoroMito:97-98]