Filosofia – Pensadores e Obras

ser-no-mundo

Martin Heidegger, em Ser e Tempo, fala da estrutura ser-no-mundo para dizer a constituição, a textura ontológica da vida, da vida humana, ali denominada Dasein, presença. Homem, vida humana: uma presença subitamente (i-mediatamente) irrompida, enquanto e como ser-no-mundo. Em geral, deparamos com isso, a saber, com essa estrutura ser-no-mundo, e se diz: “Ah, isso é bom! Bom e intuitivo! E mesmo evidente. Entendo! É fácil entender e, olhando bem, está na ordem das verdades imediatas. E quase o domínio do óbvio ululante!!”

Mas, já levado por aquele exercício de desimaginação, pode-se perguntar: Será?! Será mesmo?! Esse óbvio, fácil, evidente – o que estará sob ele? Seria este óbvio o obstáculo, a trava maior para a visualização do fenômeno, da experiência que pulsa sob aquela formulação? Mas também cabe perguntar: e de onde vem esta pergunta de corcunda, de anão, isto é, cética, desconfiada, cabreira?

Se examinarmos bem nossa compreensão imediata ou habitual desta formulação: “O homem, a vida ou a existência humana, é ser-no-mundo”, nos daremos conta que partimos de um hábito, de um vício, mesmo de uma mania, que, na verdade, é o calo do ofício de [16] ser homem, de viver, e que é ser como habitualmente se é. Mas, ora, e como não ser assim? É justamente para saltar para fora desse hábito que nos convida a filosofia, aqui, agora, no caso, pela via da formulação anunciada. E preciso ouvir tal formulação desarmadamente, quase antes mesmo de se ser homem, de se viver. O homem pode isso, pois ele também se retira, se distancia da vida. Isso é seu próprio.

E o vício ou o hábito aludido é o seguinte: frente à frase, de modo vago, indeterminado, sem formulação ou explicitação, representa-se, pensa-se, imagina-se homem como um algo já dado, feito ou constituído, quer dizer, já fixado, seja como um eu, ou como uma alma, ou como um indivíduo, ou como uma consciência, em suma, como um algo qualquer vaga e indefinidamente, mas como um algo ou um sujeito e este tipo, este (in)determinado X, a saber, este “eu”, ou “pessoa”, ou “indivíduo”, ou “consciência” ou “alma” – enfim, esta subjetividade se abre, se volta (seria um ato intencional? Seria espontâneo, instintivo, natural?!) para o seu redor, para o que está à sua volta e que é, deve ser o somatório das coisas que imediatamente o circundam e que, oportunamente, se denomina mundo. Portanto, falsifica-se ou obstaculiza-se a experiência pulsante na formulação mencionada, seja porque se imagina ou preconcebe-se o homem, a vida, já como algum algo, como algum determinado X, seja porque se imagina ou preconcebe-se mundo como o conjunto, o somatório indefinido, pardo, cinzento de todas as coisas, ou ainda em razão de ambos os motivos ao mesmo tempo – o que, de fato, sempre se dá.

O que a formulação, na verdade, quer dizer, é mais ou menos o seguinte: um eu, uma alma, uma consciência, etc., etc., enfim, um ou algum homem constituído (um sujeito ou uma subjetividade determinada) é isso que assim aparece, porque antes é, dá-se ou faz-se a estrutura ser-no-mundo, que Heidegger denomina “a abertura Dasein” ou presença. Esta é o que sempre já se deu; esta é o raio que sempre já aconteceu ou se abriu e que dirige tudo que é, que há [Cf. HERÁCLITO, frag. 64]. Ou seja, o homem, todo ou qualquer tipo já constituído, é coisa tardia, [17] epígona. Isso tudo é obra, melhor, resultado da estrutura ou, se se quer, é a estrutura já realizada, concretizada e não sua forma (gênese ontológica) de realização ou de concretização, que precisa, antes de mais nada, ser entrevista e pensada no seu modo próprio de ser, ainda que ela não haja em si, separada ou subsistente. [FogelHRI:16-18]