O intelecto, isto é, aquilo que pensa e portanto duvida, tem sido exagerado inclusive por aqueles que nele perderam a fé. Embora muitos tenham ultimamente compreendido o caráter puramente formal do intelecto (como, aliás, o compreenderam já os empiristas dos séculos XVII e XVIII), essa compreensão nunca se tornou parte da vivência autêntica desses pensadores. Nunca, conforme creio, tem sido apreciada e sorvida vivencialmente a esterilidade do intelecto. Nunca, bem entendido, por pensadores, isto é, pelo próprio intelecto. O desprezo fácil e barato do intelecto, nutrido pelos sentimentais, pelos místicos primitivos e por aqueles que põem sua fé nos sentidos, nada tem a ver com a vivência aqui descrita. É a vivência intelectual da futilidade do intelecto. Não é, portanto, um abandono do intelecto, mas pode ser, muito pelo contrário, a superação do intelecto por si próprio.
[21] O anti-intelectualismo de grande parte da filosofia atual é um erro e um perigo. É um erro porque confunde a fé no intelecto (abandonada acertadamente), com o enquadramento do intelecto numa fé em uma realidade nova a ser encontrada. E é um perigo porque propaga e aprofunda o niilismo que pretende combater. A vivência intelectual da esterilidade do intelecto, vivência essa que este livro se propõe a elaborar, torna o anti-intelectualismo uma atitude superada. Aquele que experimentou autenticamente em seu intelecto a futilidade do intelecto, nunca mais será anti-intelectual. Pelo contrário, essa vivência intelectual produzirá nele uma atitude positiva para com o intelecto, agora intelectualmente superado. Está numa situação comparável àquela que surge após o desencanto com uma grande soma de dinheiro. O acumular da soma era acompanhado de uma fé no poder salvador do dinheiro. A posse do dinheiro dissipou essa fé. Não surgiu ainda uma fé nova para substituir a perdida. Entretanto o dinheiro está disponível para servir a essa nova fé, se e quando encontrada. O anti-intelectualismo é prova da persistência de restos de fé no intelecto, e é superado com o desaparecimento desses restos.A vivência da esterilidade do intelecto torna experimentáveis, embora não compreensíveis, os fundamentos dos quais o intelecto brotou e continua brotando. Fundamentos extraintelectuais, que o são por definição, não são alcançáveis intelectualmente. Não podem ser, portanto, [22] autenticamente incluídos na disciplina da filosofia, que é uma disciplina intelectual. A tentativa de filosofar a respeito desses fundamentos é mais um erro de muita filosofia da atualidade. Entretanto justamente na sua eliminação do campo da filosofia reside a possibilidade de sua inclusão num campo mais apropriado. [FlusserDuvida:20-22]