Filosofia – Pensadores e Obras

burocracia

Burocracia [DS]: Na linguagem corrente, a palavra “burocracia” ganhou uma conotação pejorativa. E sinônimo de lentidão, de processos inutilmente complicados e a burocratização designa então o processo pelo qual uma atividade ou uma organização se tornam rígidas. Na visão mais normativa do sociólogo, estes fenômenos são considerados como “disfunções burocráticas”, isto é, como efeitos negativos não previsíveis produzidos por um modo de organização cada vez mais espalhado nas sociedades modernas.

Com M. Weber (1922a), poder-se-ia caracterizá-la pelos traços seguintes: pela continuidade (insere-se numa ordem legal que o detentor da autoridade hierárquica não faz mais que aplicar), pelo predomínio do processo escrito, pela existência de um corpo de regras impessoais que delimitam com precisão as esferas de competências e os direitos e deveres de cada um, por uma hierarquia das funções que cria laços de subordinação claros, pelo fato de o acesso aos vários postos se fazer exclusivamente em função da qualificação publicamente constatada (exames ou concursos), finalmente pela separação entre as funções de direção e a posse dos meios de produção. Para Weber, um tal modo de organização, que caracteriza, sem dúvida, as administrações públicas, mas também a maior parte das organizações industriais e comerciais de uma certa dimensão, é superior às organizações tradicionais, porque, graças à formalização e à estandardização das atividades, permite um funcionamento regido por regras mais objetivas, e portanto mais regular e mais previsível. Está destinado a desenvolver-se justamente em virtude da sua maior eficácia. R. Merton (1949) e M. Crozier (1964) puseram em evidência que as características organizacionais de formalismo e de impersonalidade traziam consigo consequências “disfuncionais” sobre os comportamentos dos membros da organização que iam não apenas contra a eficácia desta mas que produziam, além disso, círculos viciosos de burocratização (sendo estas consequências não previstas combatidas por uma acentuação dos traços organizativos de partida). Em segundo lugar, mostraram que estas características preenchiam funções latentes para os membros da organização, ou seja, que permitiam reduzir as tensões interpessoais inerentes às necessidades da subordinação e do controlo nas atividades organizadas. A burocracia, longe de ser uma fatalidade em virtude da sua eficácia, apresenta-se nesta perspectiva simplesmente como uma das soluções possíveis para o problema da ação coletiva, isto é, da organização de uma cooperação entre atores por certo interdependentes, mas ao mesmo tempo relativamente autônomos. E, como tal, ela é um fenômeno profundamente cultural, no sentido em que o seu desenvolvimento é condicionado pelas capacidades relacionais e organizacionais dos membros de uma sociedade. Por isso pôde ligar-se o desenvolvimento da burocracia à francesa com os traços culturais profundos da sociedade francesa (Crozier 1964).

Mas é também nesta perspectiva que se pode procurar compreender o desenvolvimento recente de modos de organização cada vez menos burocráticos num número crescente de empresas industriais e comerciais, ou mesmo de serviços administrativos.


É verdade que o governo de um só homem, o governo monárquico, que os antigos diziam ser a forma organizacional da família, é transformado na sociedade (como hoje a conhecemos, quando o topo da ordem social já não é constituído pela casa real de um governante absoluto) em uma espécie de governo de ninguém. Mas esse ninguém, o suposto interesse único da sociedade como um todo em questões econômicas, assim como a suposta opinião única da sociedade educada dos salões, não deixa de governar por ter perdido sua personalidade. Como verificamos pela forma mais social de governo, isto é, pela burocracia (o último estágio do governo no Estado-nação, tal como o governo de um só homem constituía o primeiro estágio do despotismo benevolente e do absolutismo), o governo de ninguém não é necessariamente um não-governo; pode, de fato, em certas circunstâncias, vir a ser uma das suas mais cruéis e tirânicas versões. [ArendtCH, 6]