Filosofia – Pensadores e Obras

casta

Esta palavra indica um grupo hereditário, endógamo, associado a uma ocupação tradicional e classificado, de acordo com isso, segundo uma escala de pureza ritual. Apesar de mudanças e muitas críticas, a casta sobrevive como estrutura e ideologia no século XX.

Foram os portugueses que usaram a palavra, derivada do latim castus (puro), para se referir às diferentes comunidades que encontraram na Índia. Apesar de a estratificação social ser um fenômeno humano universal e de a palavra “casta” ser usada livremente para grupos de pessoas em outras partes, este verbete concentra-se em casta no contexto do hinduísmo no Sul da Ásia — particularmente na Índia — e na diáspora de comunidades hindus por todo o mundo (ver também hinduísmo e teoria social hindu).

No discurso acadêmico sobre comunidades sul-asiáticas, casta significa “jati” (palavra com a mesma raiz de nascimento), um grupo hereditário endogâmico. Cada jati consiste em linhagens exogâmicas (gotra). Regras matrimoniais complexas determinam em que gotras uma pessoa em particular pode ser aceita em casamento.

O número total de jatis chega aos milhares, e cada região da Índia tem sua hierarquia específica. Não obstante, os hindus classificam seu próprio jati e o de outras pessoas de acordo com uma escala de quatro varnas (classes), reconhecida em todo o mundo hindu. Há com frequência uma discrepância entre a varna a que membros de um jati alegam pertencer e a varna inferior que outros lhes imputam.

As quatro classes são, respectivamente, as varnas brahmin, kshatriya, vaishya e shudra. No Rig Veda, texto sagrado composto por volta de 1000 a.C., Purusha, a entidade cósmica, uma imagem da sociedade, é desmembrado. Sua boca é relacionada ao brahmin (sacerdote), seus braços ao kshatriya (guerreiro), suas coxas ao vaishya (comerciante) e seus pés ao shudra (servo ou lacaio). Os membros das três primeiras classes são encarados como nascidos duas vezes, pois que sua investidura com o cordão sagrado significa renascer dentro da sociedade hindu. No Código de Manu (Manu-smriti ou Manava dharma shastra), de aproximadamente 2 mil anos, o comportamento permitido para cada varna é claramente definido, bem como as penalidades para os desvios.

No Bhagavad Gita, escritura preferida dos hindus, Krishna, a encarnação de Vishnu (divindade de primeira importância), exorta o príncipe relutante, Arjun, a combater porque esse é o seu dharma (dever sagrado) como kshatriya.

No decorrer de muitos séculos cada jati desenvolveu um código tácito de práticas. Os membros não devem casar-se nem se sentar para comer com membros de outro jati, apesar de ambas as regras, particularmente a última, terem sido consideravelmente relaxadas em alguns contextos. Detalhes de costumes domésticos e cerimônias religiosas distinguem um jati de outro na mesma localidade.

Na sociedade aldeã tradicional, antes do predomínio do dinheiro como meio de troca, os membros de todas as castas forneciam aos outros aldeães os serviços específicos de cada casta, numa base de reciprocidade. Esse sistema é conhecido como jaimani. As castas mais baixas na escala de pureza recebiam menos em troca de seu trabalho. Aspectos dessa interdependência ainda sobrevivem, como quando um brahmin executa um ritual e recebe roupas ou outros presentes dos que o empregam. Em cada aldeia, uma ou mais castas exercem o poder sobre as outras. O poder econômico não tem obrigatoriamente que corresponder a uma varna elevada.

O sistema de castas é orgânico e está constantemente se adaptando a circunstâncias cambiantes. Antropólogos do século XX têm conceitualizado de várias maneiras os processos subjacentes. M.N. Srinivas (1967) postulou a sanscritização, processo por meio do qual membros de uma casta inferior trocam seus costumes, rituais, ideologia e modo de vida, na direção de uma casta mais elevada (por exemplo, adotando uma dieta rigorosamente vegetariana, adequada aos brahmins). Recusando-se a dar as filhas em casamento a famílias que não se adaptaram dessa forma, criam na realidade um novo jati. A palavra kshatriyzação refere-se a uma emulação de riqueza e status, mais do que a pureza ritual. Durante o século XX as castas menos privilegiadas tenderam a lutar pelo poder e pela riqueza através da educação. Mobilizaram-se também como movimentos religiosos, dando um novo significado aos mitos e símbolos antigos e construindo o auto-respeito (Juergensmeyer, 1982).

Entre não-hindus de origem sul-asiática, as castas geralmente persistem como um fator na interação social, mesmo quando os mestres religiosos de uma comunidade investem contra elas. Assim, por exemplo, os cristãos locais podem prestar culto em congregações distintas que por acaso têm respectivamente uma origem de casta elevada e inferior. Os sikhs continuaram a se casar dentro da casta, apesar de seus gurus enfatizarem a igualdade de todos e a irrelevância da casta de uma pessoa para a reunião da alma com Deus.

Com a educação em estilo ocidental e a crescente mobilidade social e industrialização, o elo entre ocupação hereditária e jati viu-se enfraquecido no século XX, apesar da associação persistir nas mentes das pessoas. Trabalhar como piloto, professor ou programador de computação não faz com que um indivíduo consiga alterar ou fugir às conotações do seu jati.

Algumas ocupações shudra, tais como a coleta de excrementos ou o curtume do couro, eram encaradas como altamente contamináveis para todo aquele com o qual membros desses jatis entrassem em contato. Como resultado, esses jatis eram segregados do resto da sociedade. Além das proibições relativas ao casamento e às refeições, eram também proibidos de entrar em muitas escolas e templos, e até de pegar água na mesma fonte que os demais. Viviam, como muitos ainda vivem, fora da aldeia. Se a sombra de um “intocável” pousasse sobre um brahmin, este tinha de voltar para casa a fim de se purificar.

Em grande parte devido à degradação dos intocáveis, os reformadores dos séculos XiX e XX atacaram as iniquidades do sistema de castas. Swami Dayananda Saraswati (1824-83) pregava que, segundo o Veda, a sociedade devia ser dividida, não em inúmeras castas, mas em quatro varnas, nas quais a participação dependeria mais do mérito que de nascimento. Mohandas Karamchand Ghandi (Mahatma Gandhi, 1869-1948) valorizava alguns aspectos do sistema de castas para a construção de uma sociedade harmoniosa, mas defendia apaixonadamente o ponto de vista de que “a intocabilidade não é uma sanção da religião, é uma invenção de Satã” (Gandhi, 1951). As vítimas da discriminação de castas hoje encaram a abordagem de Gandhi como paternalista. Rejeitam a expressão “harijans” (filhos de Deus), que ele popularizou, preferindo o uso de “castas ordenadas” — na Índia, designação oficial desde 1935 — e “dalit” (oprimidos). Seu herói é o Babasaheb Ambedkar (1891-1956), o advogado que emergiu de uma família de intocáveis para criar a constituição da Índia. Esta foi promulgada em 1950 e não reconhece castas, apenas cidadãos iguais. Ambedkar afirmava que a casta era uma ideologia que só poderia ser abolida se as sanções religiosas hindus em seu favor fossem retiradas. Exortou seus seguidores a trocarem o hinduísmo pelo budismo.

Existem atualmente na Índia cerca de 120 milhões de pessoas (1/7 da população) que carregam o estigma da intocabilidade. Apesar da legislação, especialmente a Lei sobre a intocabilidade (crimes de), de 1955, bem como de políticas de discriminação positiva na educação e na reserva de certos empregos, o preconceito existe. De fato, com a implementação dessas políticas, a tolerância das castas mais elevadas às vezes se transforma em rígida hostilidade.

Tal como o advento do trem no século XIX, o crescente acesso à educação, a rápida urbanização e a industrialização fizeram com que membros de diferentes castas entrassem em contato como nunca acontecera antes. Esse desenrolar dos fatos, somados ao saneamento moderno e ao fornecimento de água encanada, beneficiou as Castas Ordenadas, com a remoção de algumas causas de óbvia discriminação. Alguns membros das castas inferiores se tornaram ricos ou chegaram a altos cargos. Não obstante, o sistema de castas não foi substituído por um sistema de classes do tipo ocidental. O que acontece é uma interação de aspectos de ambos os sistemas. O sistema político democrático permite que a casta exerça uma influência poderosa. Os candidatos jogam com as sensibilidades de casta para obterem apoio. Muitos políticos dependem das castas que funcionam como currais eleitorais.

A casta sobrevive em comunidades hindus fora da Índia, apesar de a história de sociedades específicas ter dado a cada uma um caráter peculiar. Em Bali, Indonésia, sobrevive uma diferença entre a maioria shudra e as classes brahmin, kshatriya e vaishya. As comunidades hindus de Fiji, ilhas Maurício, Trinidad e Suriname remontam a meados do século XiX, quando trabalhadores contratados como colonos chegaram com poucas esperanças de voltar à Índia. Nesses países, as diferenças de casta em grande parte desapareceram, exceto pelo fato de apenas os brahmins exercerem funções sacerdotais. No Leste da África, porém, onde os colonos chegaram da Índia no início do século XX, o contato com aquele país foi mantido, as castas permaneceram endogâmicas e se estabeleceram associações de casta.

Na Grã-Bretanha, os casamentos hindus e sikhs ainda são celebrados geralmente entre membros da mesma casta. Muitos locais de cultos públicos são dirigidos por membros de castas particulares, como os gurdwaras Ram-garthia, Bhatra e Ravidasi (locais de culto sikh). Hindus de origem gujatari têm organizações de casta que organizam eventos sociais e religiosos, especialmente durante o Festival de Navaratri. [DPSSXX]