VIDE ontologia da vida
O outro problema é o problema de Deus. Vimos que a vida é uma entidade ontológica primária, ou, como eu digo, absoluta e autêntica. Vimos também que nela, para a lógica parmenídica, há um viveiro de estruturas contraditórias. Porém essas estruturas contraditórias culminam na contradição entre o ser e o nada. Vimos que a vida, que é, que existe, olha de través para o nada. Esses dois pilares correlativos da existência total apresentam, porém, a pergunta metafísica fundamental. Em 1929, na aula inaugural de seu curso de filosofia na Universidade de Friburgo (após ter publicado vários anos antes seu grande livro Ser e Tempo) Heidegger, nesse discurso inaugural que leva por título Que é Metafísica? terminava com esta pergunta: Por que existe o ente, em vez de não existir nada? Quatro anos antes, num trabalho jornalístico — como muitos dele — publicado em Madrid, José Ortega y Gasset usava como título para esse trabalho esta frase: Deus à vista, como quando os navegantes, da proa do navio, anunciam terra. Se se põem em relação estas duas frases vê-se quão profundamente ressurge na metafísica atual a velha pergunta de Deus.
De modo que o velho tema da morte, que já está em Platão, e o velho tema de Deus, que já está em Aristóteles, ressurgem de novo na metafísica existencial da vida; mas ressurgem agora com um cariz, um aspecto e umas condicionalidades sensivelmente diferentes. Agora entramos, por assim dizer, na terceira navegação da filosofia. Porque nem um realismo nem um idealismo exclusivista podem dar uma resposta satisfatória aos problemas fundamentais da filosofia, já que percebemos que o sublinhado pelo realismo e pelo idealismo são fragmentos de uma só entidade: aquele — o realismo — afirma o fragmento das coisas que “estão em” a vida; este — o idealismo — o fragmento do eu, que também “está em” a vida. Agora queremos uma metafísica que se apoie, não nos fragmentos de um edifício, mas na plenitude de sua base: na vida mesma. Por isso digo que agora começa a terceira navegação da filosofia, de rumos apontados já pela proa dos navios, que, como diz Ortega, caminha para um continente em cujo horizonte se desenha o alto promontório da Divindade. [Morente]